Entrevista | Bernard Appy | secretário Extraordinário da Reforma Tributária

"Sem a reforma tributária, o país cresce pouco", diz Bernard Appy

O principal mentor da proposta em exame no Congresso afirma que as mudanças terão impacto positivo no crescimento econômico e na recuperação do parque industrial do país. Ele estima um aumento de até 20% no PIB potencial

Henrique Lessa
postado em 07/06/2023 03:55
 (crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)
(crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)

O secretário Extraordinário da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, em entrevista exclusiva ao Correio, afirmou que a reforma “é fundamental para o Brasil”. Segundo ele, sem a aprovação da proposta, o país “vai continuar crescendo pouco”. Appy, porém, está otimista. Após a leitura do relatório do grupo de trabalho (GT) da reforma tributária da Câmara, nesta terça-feira (6/6), ele disse que as chances de aprovação crescem no parlamento. O secretário aponta, ainda, que a reforma terá um impacto decisivo para a reindustrialização do país. E observou que o governo está empenhado na construção política, junto ao Congresso, para garantir a aprovação do projeto. Veja os principais trechos da entrevista:

Qual a avaliação do relatório apresentado na Câmara?

O Ministério da Fazenda considerou positivo o relatório. As diretrizes apresentadas estão em linha com as melhores práticas internacionais de tributação sobre o consumo. Ao mesmo tempo, foram feitos ajustes que reduzem as resistências políticas à reforma, tornando mais provável a sua aprovação.

A reforma é fundamental para a indústria?

A reforma tributária é fundamental para o Brasil, não só para a indústria. É um dos principais instrumentos para aumentar a produtividade do Brasil nos próximos 10 a 15 anos. A produtividade está estagnada há algumas décadas por vários motivos, e um deles é o nosso sistema tributário. A indústria é um dos setores mais prejudicados pelo atual sistema tributário. É prejudicado pelo aumento no custo dos investimentos, já que é um setor intensivo em capital. É o mais prejudicado pelo impacto negativo do sistema atual sobre a competitividade da produção, seja no mercado doméstico, seja nas exportações. O modelo atual de tributação é um dos responsáveis pelo processo de desindustrialização do Brasil.

A tributação no destino pode gerar desindustrialização em áreas menos centrais?

Não acredito, porque o que vemos hoje é uma desindustrialização do país como um todo. Hoje se discute sobre uma disputa entre estados em uma base que está encolhendo. O que a reforma tributária faz é substituir o modelo de desenvolvimento baseado na concessão de benefícios fiscais por um modelo baseado na distribuição, para os estados, de recursos de um fundo de desenvolvimento regional. Esse modelo é mais eficiente, explora melhor as vocações regionais. O modelo atual favorece a concessão de benefícios para atrair empresas que não têm vocação para a região. Isso acontece de forma generalizada, inclusive estados desenvolvidos vem dando benefícios para roubar indústrias que iriam para os menos desenvolvidos.

Como fica a Zona Franca de Manaus?

A Zona Franca vai ter um tratamento específico que preservará o modelo atual, enquanto se constrói um modelo alternativo mais eficiente para garantir a geração de emprego e renda.

A educação e a saúde têm resistido?

Os estudos mostram que, mesmo com a adoção de uma alíquota uniforme para bens e serviços, todos os setores da economia serão beneficiados, inclusive os setores de prestação de serviços direto para o consumidor, como a educação e saúde. Há indicações de que o Congresso vai dar tratamento favorecido para alguns setores. Mas, independentemente disso, esses setores já seriam beneficiados pela reforma — menos que outros, mas seriam beneficiados. Com o tratamento favorecido, serão ainda mais favorecidos com a reforma.

Médicos pagam 5%; na reforma pagarão 25%?

Na verdade, os médicos hoje já pagam mais que 5%, até porque eles não recuperam créditos por todos os insumos que adquirem. Eles pagam aluguel, energia elétrica, compram equipamentos, computadores, pagam telefonia. Todos esses custos hoje são tributados e geram crédito para o médico. Agora, vão passar a gerar.

Vai ser complicado recuperar os créditos?

Vai ser extremamente simples, basta vender ou prestar serviço com nota fiscal eletrônica. E registrar os insumos que forem adquiridos, que darão o direito ao crédito. Provavelmente vai ser um dos modelos mais simples do mundo para poder fazer a apuração do valor adicionado e tributação. E isso é possível porque o Brasil já avançou muito no uso de documentos fiscais eletrônicos, ao contrário da maioria dos países desenvolvidos.

E o cashback, como vai ser?

O desenho do cashback ainda está em aberto. Tanto o público-alvo, como qual vai ser o valor a ser devolvido, sobre que base e a forma de devolução. Mas a ideia é que seja muito simples. Há a possibilidade de fazer uma devolução muito rápida de crédito, seja no cartão dos programas sociais, seja numa conta corrente. Comprei num dia, posso receber o cashback no dia seguinte.

A classe média, que não está no CAD Único, vai pagar mais pelo feijão?

Não necessariamente só o público do CAD único terá devolução, pode ser um público bem mais amplo. É o Congresso que vai acabar decidindo se vai querer tratar da desoneração do consumo das famílias de menor renda via desoneração da cesta básica ou via cashback, ou mesmo, uma composição desses dois instrumentos. Todas as simulações indicam um aumento do poder de compra para todas as faixas de renda da população.

Qual o melhor modelo, na sua opinião?

O Ministério está estudando várias experiências internacionais. Então, a decisão final sobre qual vai ser o modelo vai depender de outras decisões que vão ser tomadas pelo Congresso, se vai ter ou não desoneração da cesta básica, para aí o Ministério da Fazenda decidir qual o melhor modelo de cashback. É um tema que vai ser definido depois da aprovação da reforma.

Quais as maiores dificuldades de negociação no Congresso?

Acho que tem dois tipos de negociação. Um primeiro item são as questões setoriais, em que se trata em definir quais bens e serviços vão ter um tratamento diferenciado para poder viabilizar a aprovação da reforma. O segundo item são questões federativas que ainda estão em aberto, como o financiamento do fundo do desenvolvimento regional, o modelo de transição dos benefícios fiscais concedidos, uma série de questões que ainda vão ter que ser resolvidas na negociação para poder viabilizar a aprovação da reforma.

Todo mundo acha fundamental a reforma, mas se ela não sair?

(Suspiro) A gente acredita que ela vai sair. Ela é importante para o país. Se não sair, o país vai continuar crescendo pouco. Não é uma boa opção. Mas não se deve colocar o carro à frente dos bois. Tem um trabalho de construção política a ser feito. O próprio ministro Haddad está entrando nas negociações pessoalmente.

A ministra Tebet está envolvida nessas negociações?

A ministra Simone Tebet tem tido uma postura muito positiva de apoio e de ajuda na construção política da reforma tributária.

Qual a expectativa de prazos?

Acho que a melhor hipótese é ter a aprovação na Câmara dos Deputados ainda nesse semestre legislativo, quer dizer, até meados de julho, antes do recesso parlamentar, e a aprovação no Senado Federal no segundo semestre. Esse é o cenário com o qual trabalhamos.

Então, quando o IVA começaria a valer?

Seria em 2025, depois de aprovar a lei complementar. Aí você ainda precisa de um período, por exemplo, de um ano para começar a preparar, ajustar sistemas das empresas, do governo. Nas duas PECs, na 45 e na 110, tem uma adesão inicial mais rápida para a substituição do PIS-Cofins, a parcela federal do IVA. Todo esse modelo é desenhado de forma a manter a carga tributária, não tem aumento de carga tributária na reforma.

Começando em 2025, a transição acaba quando?

Na verdade, tem duas transições, para os contribuintes, para as empresas, deve terminar, em princípio, pela PEC 45 em 2030, pela PEC 110 em 2031. Esse é o prazo no qual todos os tributos atuais PIS, Cofins, IPI, ICMS, ISS seriam extintos e só sobrariam os dois novos tributos, os IVAs. Tem uma outra transição, que é na distribuição da receita para estados e municípios. Essa é muito longa. É uma transição para suavizar o efeito na arrecadação de estados e municípios.

Essa transição terminaria quando?

Essa duraria 40 ou 50 anos, mas isso não tem a menor importância do ponto de vista dos contribuintes, das empresas.

A União aportaria esse valor?

Não. A arrecadação do novo imposto é feita de forma centralizada e um sistema gerido conjuntamente pelos estados municípios fará a distribuição da receita. Então, não tem recursos da União. Com esse modelo de transição e o impacto positivo da reforma sobre o crescimento, as projeções mostram que, em 20 anos, basicamente todos os estados e municípios arrecadariam mais do que se arrecadação deles crescesse proporcionalmente ao PIB sem a reforma.

As capitais perdem com a reforma?

No IVA, o que pertence a cada ente é proporcional ao consumo, pois o imposto é cobrado no destino. Cidades que têm hoje uma arrecadação per capita muito grande entre ISS, contraparte do ICMS, vão reduzir a arrecadação, enquanto cidades que têm uma arrecadação per capita muito pequena vão aumentar. Se eu pegar a cidade com a maior receita per capita do Brasil, e aquela que tem a menor, a diferença é de 200 vezes. Na reforma essa diferença cai para 15 vezes. Você reduz as desigualdades. Com a reforma, metade das capitais aumentam a participação no bolo tributário.

Qual o efeito sobre o crescimento?

A nossa estimativa é de que a reforma possibilitará um aumento do PIB potencial do Brasil entre 12% e 20% em 10 a 15 anos, o que é um efeito muito relevante.

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