Entrevista

"Perdemos metade dos servidores", diz novo presidente do INSS

Ainda interinamente, novo responsável pelo Instituto falou dos desafios para reduzir a longa espera por serviços. Estratégia inclui nomeação de concursados e formalização de acordos com outros entes do Estado, como o Ministério da Saúde

Henrique Lessa
postado em 05/06/2023 03:55 / atualizado em 05/06/2023 06:18
 (crédito: Joédson Alves/Agência Brasil)
(crédito: Joédson Alves/Agência Brasil)

O novo presidente do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), Glauco André Fonseca Wamburg, ainda interinamente na função, conversou com o Correio sobre a dificuldade da instituição em cumprir a meta prometida pelo ministro da Previdência, Carlos Lupi, em controlar a fila de espera pela concessão de benefícios.

Entre as razões para o quadro caótico, mostrado pelo Correio em uma série de reportagens, está a perda de mais da metade dos servidores do Instituto nos últimos 10 anos. A solução esperada é o ingresso, até o próximo mês, de mais de mil aprovados no concurso público realizado ainda no governo Bolsonaro.

Atualmente, cerca de 1,8 milhão de segurados aguardam pela análise de pedidos ao INSS. A maior parte relacionada à perícia médica federal, que contabiliza mais de 1 milhão de agendamentos. Desde 2019, o setor não faz mais parte do INSS, e a associação dos médicos peritos da previdência vem declarando guerra à maioria das iniciativas do atual ministro.

Mesmo sem a gestão dos médicos, o presidente do Instituto aposta que as medidas prometidas pelo Ministério de implementar convênios com o SUS e outros órgãos, além da implementação da teleperícia, serão suficientes para dar vazão às demandas represadas.
Apesar da situação, Glauco aponta que a fila ainda é gerenciável. O que se deve à digitalização e ao ganho de eficiência, frutos do investimento feito pelo INSS nos últimos anos.

Acompanhe os principais trechos da entrevista.

O INSS sabe o tamanho exato da fila de espera por atendimento?

O Instituto trabalha com os benefícios que estão sobre a sua regência. Os benefícios de incapacidade, que dependem da realização de perícia médica, o número é apurado pela perícia médica federal, mas nós temos os números. A questão é que na hora de somar os nossos números com os números da perícia médica, essas informações não estavam batendo.

Dessa forma, o INSS vai conseguir reduzir a fila?

A gente teve um processo de digitalização dos nossos canais de acesso. Antigamente o canal era a agência, ela era a sede da fila. Desenvolvemos um sistema de atendimento remoto, o 135, e colocamos a fila num plano digital. Agora não se vai mais para a porta da agência. É agendado quando você será atendido. Com isso, a fila virou eletrônica. Antes tínhamos como controlar ou reprimir a demanda. Perdemos isso. Tantas pessoas quantas quiserem, conseguem requerer ao INSS, e isso não acompanhou a nossa capacidade de análise. Ao contrário, nos últimos 10 anos, perdemos mais da metade da nossa capacidade de servidores. Dobramos a quantidade de tarefas e reduzimos a nossa capacidade de análise. Outro fator que pesou na construção da fila foi o incremento nas demandas do INSS com a reforma da previdência e com a pandemia.

Como a pandemia impactou?

Ampliou o número de requerimentos de benefícios por incapacidade. Tivemos, também, uma grande quantidade de requerimentos formulados, pensões por morte, benefício de prestação continuada, enfim, as pessoas estavam impedidas de atuar economicamente e buscaram alternativas. Esse incremento da demanda na pandemia aconteceu em todas as políticas públicas de distribuição de renda. No governo passado, para gerir essa fila, fizeram o pagamento do bônus pelo extraturno, que expirou em 31 de dezembro. No novo governo, ainda não conseguimos as condições para a reativação disso, mas contamos com a expectativa de ingresso de mais mil concursados que virão para o INSS em pouquíssimo tempo. Acredito que tomem posse este mês.

O tempo de espera por atendimento aumentou, desde o início do ano. Seria incapacidade da nova gestão?
A fila é estoque. A gente recebe, em média, meio milhão de requerimentos por mês. Mas não concordo que essa seja a posição dos peritos. Essa é a posição do doutor Francisco (Francisco Cardoso, vice-presidente da Associação Nacional dos Médicos Peritos da Previdência Social — ANMP), que representa a ANMP, não a integralidade dos peritos médicos federais. E essa afirmação não bate com os relatórios da transição que serviram de base para o desenvolvimento das políticas dos 100 primeiros dias.

Por quê?

Na prática, o bônus fazia com que houvesse +50% de produtividade, mas terminou em 31 de dezembro. Quando estamos falando de janeiro para cá, de um eventual crescimento das filas, é o efeito do fim de uma política que não era a solução do problema, mas continha a situação. O dado hoje é que temos menos da metade da capacidade de trabalho que tínhamos há 10 anos. Ao mesmo tempo, o dobro de requerimentos de uma década atrás. A demanda multiplicou e a capacidade de trabalho, número de servidores, reduziu. Não fecha a conta, mesmo desenvolvendo um trabalho de automação, de desenvolvimento tecnológico, que hoje é a grande solução que ainda mantém a fila administrável. A fila hoje é de 1,8 milhão, como realizamos 500 mil atendimentos por mês, não é tão absurda assim. Mas para conseguir manter os números administráveis, contamos com o processo de automação. Não fosse isso, essa fila já teria explodido.

A associação de peritos diz que o gargalo está nos sistemas do INSS gerenciados pela Dataprev. Como o senhor avalia a situação?

A perícia, ao longo dos últimos anos, vem desenvolvendo sistemas próprios. Existem sistemas que trabalham apenas com os benefícios por incapacidade, que são os benefícios manuseados pelos médicos peritos. Nós tivemos, no último governo, uma política de desconstrução da Dataprev. O objetivo era privatizar a empresa, isso fez ela ser elencada no rol das privatizações. Temos sim dificuldades em relação à atualização de vários sistemas. Temos algumas dificuldades em relação às equipes que estão hoje mobilizadas para nos atender, mas a Dataprev está em pronta recuperação. O novo governo entende que ela é estratégica, e hoje integra o Ministério da Gestão e Inovação.

Mas e os segurados que esperam mais de um ano?

Pelas informações que temos, a fila da perícia médica não está atingindo esses patamares tão altos. Está alta, mas não mais de um ano. O número mais alto que a gente tem hoje não bate, ao todo, 280 dias, que é no Norte do Brasil. Tem uma grande dificuldade, que não é só do INSS, mas de todo sistema que envolve a fidelizar a presença de médicos em áreas que não sejam urbanas e com elevado grau de desenvolvimento. Nesses lugares existe uma maior ampliação da fila.
Também estamos pensando quais as outras alternativas.

Quais?

Buscamos medidas estruturantes, para isso não se repetir no futuro. Não adianta resolver o problema da fila agora e, daqui a um ano, a gente tem uma nova fila criada. Há pouco tempo tivemos uma experiência piloto, com participação do Tribunal de Contas da União (TCU), relacionada à teleperícia, que pode ser uma possibilidade de solução. Já que eu não consigo fixar os médicos lá, eles poderem fazer as perícias de forma remota. Mas é óbvio que não vai dar para atender a 100% dos casos.

E o AtesteMED?

Eu não tenho esse grau de detalhamento das informações porque essa é uma política da perícia médica. Mas durante a pandemia, o AtesteMED foi adotado como uma medida alternativa para buscar socorrer as cidades onde você não tinha um perito. Não é algo que a população esteja acostumada. A população está habituada a passar por perícia médica presencial. Nesses casos, já no requerimento, o segurado faz a opção de subir os documentos para o sistema e o processo segue o caminho presencial ou não. No entanto, a gente não vem tendo um aproveitamento desse sistema, o número não é tão significativo como se esperava. Tem uma grande quantidade de análises que não são consideradas, muitas vezes em razão da qualidade da digitalização dos documentos. Os documentos sobem, e os médicos, ao analisarem, não conseguem chegar às informações que deveriam estar ali, por conta da qualidade.

O que está sendo feito para sanar o problema?

O ministro Carlos Lupi vem empenhando todas as forças no sentido de realizar acordos de cooperação para compartilhamento desses dados, inclusive com o Ministério da Saúde, para que a gente consiga obter os dados de atestados direto da fonte, de uma forma legível, de uma forma inteligível e tornar, assim, mais eficiente o processo do AtesteMED.

Sobre isso, a associação cobrou que o INSS disponibilize equipamentos para os segurados realizarem essas digitalizações. Como está o processo?

O doutor Francisco (da ANMP), em uma reunião, disse que entendia correto nós disponibilizarmos servidores para realizar essa atividade para os segurados. Eu expliquei para ele que seria o mesmo de nós colocarmos um médico perito disponível para fazer a perícia. Hoje, os nossos servidores estão mobilizados para análise da fila, feita de forma digital na sua grande maioria. Se eu tiro um servidor dessa atividade, coloco ele para ajudar o segurado a digitalizar o documento, eu vou aumentar a fila, ao invés de diminuir. Essa foi a conversa. Mas estamos fazendo acordos de cooperação técnica com diversos municípios do Brasil. Esses acordos são mais de dois mil no país, também com associações, sindicatos, cooperativas e até governos estaduais e a OAB. Vai na linha do que o ministro Lupi fala, de que a fila é da sociedade brasileira. Não é só uma fila do INSS, ou uma fila da perícia médica. É uma demanda da sociedade e, por isso, buscamos envolver todos os entes públicos parceiros e a sociedade civil organizada.

Entre os acordos, estaria a validação automática de atestados dos SUS?

A grande dificuldade é o batimento dos dados, quando colocamos dois sistemas para conversar, permitindo o compartilhamento entre eles para que se possa aproveitar as informações que cada um tem. Quando se abre os dados para compatibilização, também se abre uma nova possibilidade para vazamento de dados, e isso preocupa muito. Trata-se de uma das maiores preocupações legais de todas as instituições públicas. O ministro Lupi tem se dedicado, exatamente, para permitir que possamos realizar convênios com o Ministério do Desenvolvimento Social, com a Saúde e com o Desenvolvimento Agrário, para não precisarmos revisitar informações que já constem em bancos de dados oficiais. Com o compartilhamento desses dados, a gente vai tratar como verdade aquilo que já foi apurado no âmbito de outra pasta ou de uma outra política. Isso vai gerar um impacto positivo na análise dos benefícios, porque vamos evitar fases do processo e tornar ele mais rápido e eficiente.

Quais as suas expectativas para a gestão do Instituto?

Estamos evoluindo bastante, primeiro em motivar os servidores que estão muito impactados por esse cenário histórico do INSS. O instituto chegou a um grau de dificuldades com a falta de servidores, e a gente conseguiu um concurso público no governo Bolsonaro. Isso é um marco, conseguimos mil vagas num governo bastante austero à abertura de concurso público. Nós chegamos a uma situação perto do limite da nossa capacidade, e isso, naturalmente, desmotivou os servidores. Uma categoria que não tem aumento há muito tempo e que perdeu seis mil servidores apenas em 2019, com aposentadorias. A gente viu as agências sendo esvaziadas e um crescimento da visão do INSS como o algoz do processo. Então, rearticular a boa vontade e a motivação desses servidores é o primeiro grande desafio que a gente vem tentando resolver. Com a chegada desses novos trabalhadores, vamos ter muita ajuda em relação à fila.

Há outros desafios?

Outro de nossos principais desafios é o empoderamento dos cidadãos acerca dos seus próprios direitos. É garantir que o segurado tenha condições de, cada vez mais, ser o gestor do seu próprio processo previdenciário. Isso é um processo longo. Nós não temos ainda essa cultura disso no Brasil. O nosso processo hoje é 100% digital e estamos criando formas para que ele seja mais simplificado e eficiente.

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