PREVIDÊNCIA

Fila do INSS: peritos apontam falta de gestão na Previdência

Médicos dizem que há "descaso" com atendimento aos segurados e falhas nos sistemas da Dataprev. Reportagem do Correio Braziliense mostrou que há pessoas esperando há mais de um ano pela liberação de benefícios

Dos mais de 1,8 milhão de pedidos de benefícios na fila de espera do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), 1,05 milhão aguardam para agendamento de perícia médica. Muitos segurados, conforme mostrou reportagem publicada na edição desta quarta-feira (24/5) do Correio, estão há mais de um ano na expectativa de uma decisão da Previdência sobre suas demandas — enquanto o ministro da Previdência, Carlos Lupi, corre para cumprir a promessa de diminuir para 45 dias, até o fim do ano, o tempo máximo de espera para a concessão de benefícios.

O INSS nega responsabilidade pela demora, alegando que não gerencia mais a perícia, hoje "terceirizada" ao Ministério da Previdência. A associação dos médicos peritos, por sua vez, acusa a gestão de Lupi de "descaso". É que mostra a segunda de uma série de quatro reportagens do Correio sobre o problema, publicada na edição desta quinta-feira (25/5).

"Está grande (a fila da perícia), porque não há gestão. Desde que o novo governo tomou posse, a gente está sem diretor, e o ministro da Previdência, aparentemente, abandonou a gente. Ele fica dando declarações polêmicas para a imprensa, nas redes sociais, mas não está agindo. Para piorar, desde fevereiro, estamos tendo crises constantes com a Dataprev. Março foi o mês mais crítico, ficamos vários dias sem sistema para trabalhar", diz Francisco Cardoso, vice-presidente da Associação Nacional dos Médicos Peritos da Previdência Social (ANMP).

"No governo anterior, por mais que fossem difíceis as condições, a gente tinha um comando, tinha uma operação, e isso está largado", acrescenta Cardoso. "O ministro Lupi não está fazendo nada, por isso, a fila voltou a ficar grande. De 2016 em diante, essa fila foi controlada. Antes da pandemia a gente atendia em oito dias, em Brasília era em 24 horas. Com a pandemia, a coisa complicou, mas a gente conseguia manter a fila em 30 ou 40 dias" aponta Cardoso.

Tempo médio de espera

Segundo dados do próprio ministério, o tempo médio de espera em alguns estados chega a quase 200 dias, ou seja, mais de seis meses. Tocantins é o campeão de espera dos segurados por uma perícia médica, chegando a 198,89 dias para agendar o atendimento. Já Roraima, com uma espera média de 13 dias, tem o menor prazo.

Mas os dados apresentados são médias, não os prazos máximos. Como o Correio mostrou na edição de quarta-feira (24/5), alguns segurados chegam a ficar mais de um ano na fila de atendimento, como no caso da cozinheira Rose Cler, 61 anos, moradora de Brasília, que aguarda há um ano e cinco meses, e do ferroviário Eliezer Andrade, que espera há mais de dois anos pela perícia para garantir a sua aposentadoria. Por trabalhar em condições de insalubridade, ele teria direito a ir para a inatividade após 25 anos de trabalho.

Auxílios 

A perícia médica é central para a concessão do auxílio por incapacidade, seja a temporária (o auxílio-doença) seja a permanente (aposentadoria por invalidez). Esses benefícios são garantidos ao trabalhador quando ele é afastado das atividades em função de problemas de saúde.

Outro auxílio que depende de perícia para ser concedido é o Benefício Social de Prestação Continuada (BPC), voltado para cidadãos carentes que tenham mais de 65 anos ou que, em qualquer idade, sejam portadores de alguma deficiência de natureza física, mental, intelectual ou sensorial de longo prazo que impossibilite o trabalho.

Com a transferência, em 2019, dos médicos peritos do INSS para o Ministério da Previdência, segundo fontes que falaram reservadamente, a média diária de procedimentos de cada profissional diminuiu, ampliando a fila de espera. Outro fator apontado é que, com a mudança, o Instituto perdeu a gestão das equipes de médicos, agora "terceirizadas" ao ministério. A média de atendimentos chegou a 15 por dia, mas, após a mudança e com a pandemia, o número caiu para nove, apontam as fontes.

A informação é refutada pela Associação. "Essa informação está errada. Se dependesse do governo e do INSS, nós faríamos 30 perícias por dia, mas, no Brasil, ainda existem leis trabalhistas e o direito de greve (...) Toda média é menor que a meta individual, porque você conta vários fatores: tem perda de agenda por falta, perda de agenda por sistema, mas a gente estava calculando a média entre 11 a 12 perícias por dia", afirma Francisco Cardoso. Ele confirmou, no entanto, que "muito tempo atrás" a média era de 15 atendimentos, apontando como uma das razões para a queda de produtividade a constante instabilidade dos sistemas da Dataprev, que obriga o cancelamento de perícias agendadas.

Valdo Virgo - BRA-Perícia INSS

Agendamentos cancelados

Cardoso diz que os dados da Associação apontam que os médicos tiveram 2.310 agendas por dia em abril, totalizando a média de 10,1 perícias por servidor. Ele cobra, também, que 900 médicos peritos estariam sem agenda para o atendimento. Destes, segundo ele, 250 estariam em férias, 100 em cargos de gestão e 550 "sem nenhuma explicação para estar fora da agenda".

Outro motivo apontado para a demora seria a perda de agendamentos. Segundo Cardoso, cerca de 20% deles são perdidos pela ausência do segurado ou por reagendamento.

De acordo com Adroaldo da Cunha Portal, secretário do Regime Geral de Previdência Social do Ministério da Previdência, o quadro de médicos peritos abrange 3.400 profissionais, dos quais 2.900 estão efetivamente em atuação, número que considera insuficiente.

"É o problema da má distribuição dos peritos pelo país. Eles trabalham, e trabalham muito. O problema é que a demanda é muito alta, essa fila gigante é um passivo que se formou ao longo do tempo", alega Portal. Nas contas dele, os profissionais realizam, em média, 12 perícias por dia. Portal só vislumbra a possibilidade de resolver a fila com a edição de uma medida provisória — esperada para as próximas semanas — que deve liberar recursos para o pagamento de hora extra para os peritos trabalharem um turno a mais.

"Nossa meta com o trabalho extra de peritos, quando a medida provisória for editada, é aumentar de 400 mil para 600 mil as perícias médicas por mês" diz o secretário. Portal diz que, até o mutirão de horas extras, o esforço do Ministério tem sido evitar que a fila saia do controle. Apesar dos números do próprio ministério apontarem um crescimento da fila desde janeiro, ele garante que o novo governo recebeu esse mesmo número.

O secretário reconhece a existência de problemas nos sistemas de informática fornecidos pela Dataprev, com interrupções frequentes, mas minimiza o impacto dessas falhas. "A Dataprev, pelas suas dificuldades, acaba derrubando o sistema com alguma frequência, mas em um universo de 400 mil perícias realizadas em março, apenas 16 mil delas foram canceladas por falhas de sistema. É um número grande, mas não é significativo para o tamanho da fila", afirma.

Convênios

Uma das estratégias do ministro Carlos Lupi para diminuir os prazos de atendimento da Previdência é a realização de convênios com outros órgãos do governo e a validação automática de atestados médicos de profissionais do SUS, sem necessidade de perícia. Segundo Lupi, a medida deve facilitar a vida dos segurados que enfrentam, além das filas dos serviços de saúde para tratar suas enfermidades, precisam esperar pelo serviço de perícia médica.

As medidas, antecipadas pelo ministro em entrevista concedida ao Correio em abril, devem, no entanto, enfrentar forte resistência dos médicos peritos. Segundo Francisco Cardoso, da ANMP, as medidas não devem ter o aval do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já que podem levar a uma ampliação das fraudes no sistema. "Se o Lupi quiser ir por esse caminho, tudo bem, a gente vai até ajudar a divulgar, vamos até publicar anúncios na mídia, para avisar o Brasil todo que pode pegar o atestado do SUS para conseguir o benefício. Não vai durar 30 dias", ironiza Cardoso.