TECNOLOGIA E DIREITO

Propriedade industrial: demora nas patentes prejudica a bioeconomia

Estudo da Embrapa aponta que implementação do setor pode gerar, anualmente, um faturamento industrial de US$ 284 bi

A bioeconomia é um mercado em aquecimento no terceiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Na última semana, ao assinar o decreto que retira a gestão do antigo Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA) — agora Centro de Bionegócios da Amazônia, da Zona Franca de Manaus —, e entregar para a Organização Social (OS) Fundação Universitas de Estudos Amazônicos (FUEA), o presidente segue o previsto na gestão passada e, com isso, sinaliza um dos rumos tecnológicos que o país tomará nos próximos anos.

A ação permitirá que o organismo, antes sucateado, passe a captar mais recursos públicos e privados para o desenvolvimento de pesquisas, mas, principalmente, de novos formatos de negócios com produtos naturais da Floresta Amazônia. De acordo com levantamento inédito feito pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em 2023, a implementação do setor na economia brasileira pode gerar, anualmente, um faturamento industrial de US$ 284 bilhões, até 2050.

Editoria de Arte - PRI-0805-PATENTES


Os novos horizontes, no entanto, esbarram em um gargalo de âmbito jurídico, que também é o mecanismo responsável por assegurar as inovações na área de tecnologia no Brasil: as patentes.
O instrumento trata do direito de propriedade temporária sobre uma invenção ou um modelo de utilidade. Ele é concedido pelos países às pessoas físicas e jurídicas, responsáveis pela criação de um item, sendo garantida a exclusividade na exploração comercial da referida tecnologia por período determinado. No caso de bioprodutos, as patentes protegem o patrimônio genético, que pode ser, por exemplo, o extrato retirado de plantas ou a composição para a fórmula de medicamentos fitoterápicos e naturais.

Legislação

“As leis nacionais — que tratam de onde está sendo retirada a obra-prima para o produto — ditarão o que pode ou não ser protegido. Chamamos de patrimônio genético. No Brasil, a lei é mais restritiva em termos de proteção de produtos em biodiversidade”, explica Sérgio Bernardo, coordenador geral de patentes do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi), responsável pela área de biotecnologia.

“Não se consegue a proteção para plantas; o que conseguimos é patentear um produto que tenha o extrato dela. Por exemplo, lança-se um produto trifásico natural, com castanha-do-pará, é feita uma composição para isso. Essa composição é que vai ser depositada [inscrita] para o Inpi”, afirma.

No Brasil, há uma antiga briga em relação ao tempo para análise de patentes. O advogado e especialista em Propriedade Intelectual, Direito Empresarial, Contratual e Eletrônico, Pedro Tinoco, destacou que trata-se de um processo complexo e moroso, que pode levar anos para ser concluído, motivo pelo qual é necessário o titular estar preparado.

“É importante ainda contar com apoio jurídico especializado, para que todas as formalidades exigidas no depósito da patente sejam cumpridas e a condução do registro seja realizado de forma adequada, visando o acompanhamento do processo perante o Inpi e a defesa dos direitos do inventor em caso de disputas ou infrações”, esclareceu.


Prejuízos

Uma tímida sinalização do Inpi havia surgido em meio à pandemia da covid-19, porque o órgão responsável pelo fornecimento de patentes no país seguiu a ordem mundial de emergência sanitária e diminuiu o tempo padrão de análise para alguns temas, entre eles, os de “inovações verdes”. Invenções que trouxessem melhoria ambiental passariam a ter prioridade e menor tempo de espera na conclusão do processo. Ou seja, o que levava de três a quatro anos passou a ser entregue de oito a nove meses. Além disso, o órgão informou que outras estratégias para dar celeridade tem sido “a contratação de pessoal, o reforço de infraestrutura, a melhoria de processos e procedimentos e o uso de inteligência artificial”.

A questão é que sem as patentes o biomercado pode ficar desprotegido. Mas, com elas, no formato que é realizado hoje, o impulsionamento governamental pode não ocorrer no mesmo ritmo, principalmente para o mercado nacional. Segundo o estudo Inpi Mapeamento de tecnologias desenvolvidas a partir de bioinsumos da Amazônia, os maiores depositantes hoje no país são universidades, fundações e instituições de pesquisa (83%). As empresas são apenas 17% desse contingente, sendo a Natura a principal.


Cupuaçu

“De um modo geral, no mercado nacional temos baixa procura, especialmente quando vai para a área da parte tecnológica. Isso não vem de desinteresse, mas não há um campo ainda muito desenvolvido para ter empresas trabalhando com o biotech. Por esse motivo, locais que fazem pesquisa e desenvolvem tecnologia de pesquisa são os maiores depositantes. A maior quantidade de empresas vem de outras partes do mundo”, avalia o coordenador do Inpi.

Os fatores apresentados, associados à falta de conhecimento prático para lidar com as patentes, podem levar países a se aproveitarem de iniciativas ambientais para o registro de bens e insumos tradicionais de outras nações, alertou o advogado especialista em Direito Digital, Proteção de Dados, e Propriedade Intelectual, Matheus Puppe.

“Um exemplo de controvérsia é o caso da patente do cupuaçu, fruto amazônico cujo nome foi registrado por uma empresa japonesa em 1998, gerando protestos no Brasil”, relembrou o especialista. “A bioeconomia apresenta um enorme potencial para alavancar a economia e promover a sustentabilidade. No entanto, o sistema de patentes precisa ser constantemente revisto para se adaptar de maneira dinâmica às novas iniciativas e exigências dos mercados. Caso contrário, podem restringir o acesso a produtos e serviços essenciais, como medicamentos e alimentos e dificultar a transferência de tecnologia para países em desenvolvimento”, completou.