Jornal Correio Braziliense

Arbitragem

Atuação de árbitros em litígios empresariais motiva processo no STF

Especialistas alertam que mudanças legais podem comprometer o sistema brasileiro de arbitragem, mercado que movimentou mais de 60 bilhões em 2022.

Entidades envolvidas com a arbitragem, sistema privado de solução de litígios, foram ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra uma ação do União Brasil (ADPF 1.050) que, segundo especialistas, pode comprometer a atividade no país. O partido pede que o Supremo consolide o entendimento de que os árbitros devem informar às partes qualquer motivo que possa colocá-los sob impedimento ou suspeição em casos de litígio. E que a falta dessa comunicação torna o árbitro impedido automaticamente, a qualquer momento.

O Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr) entende que a ação do União Brasil pode desacreditar o sistema brasileiro em relação ao resto do mundo. Já o advogado do União Brasil, Ricardo Martins Junior, argumenta que o problema é que “os tribunais têm divergido sobre o fato de o ‘dever de revelar’ ser atribuído ao árbitro”.

“A gente quer que o Supremo estabeleça os critérios para esse dever. A discussão de fundo é quem deve prestar essas informações. É o próprio árbitro? Ou a parte tem de ir atrás?”, pergunta o advogado. Questionado sobre a motivação do União Brasil para ingressar com a ação, Martins afirma que o escritório atua apenas tecnicamente nas demandas do partido.

Alegações de impedimento de árbitros são utilizadas em muitas ações judiciais que pedem a anulação de processos arbitrais. Relator da ação, o ministro Alexandre de Moraes negou liminar pedida pelo partido para que fossem suspensos todos os processos de arbitragem em curso no país até que o STF firme um entendimento sobre a questão.

Solução rápida

A arbitragem surgiu no Brasil em 1996 como promessa de solução rápida para desafogar o sistema judicial brasileiro. Em mais de 20 anos o sistema, usado principalmente na resolução de conflitos entre empresas, cresceu nos valores mediados pelos árbitros, apesar de não lidar com muitos casos.

Em 2022, estiveram em disputa valores superiores a R$ 60 bilhões, concentrados em cerca de 1.000 processos arbitrais. Por sua vez, o Judiciário contabilizou 80 milhões de processos em trâmite no ano de 2021, segundo o Relatório Justiça em Números, divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Na petição de ‘amicus curiae’ — em que o CBAr solicita a participação no processo —, a entidade aponta que “o árbitro é titular do dever de revelação, o que não significa que as partes não tenham um dever ou ônus de colaboração com o processo”. Mas ressalta que eventual falha não pode implicar em parcialidade automática e, havendo recurso da parte insatisfeita, o Judiciário precisa resolver caso a caso. A petição  é assinada pela ex-presidente do STF e vice-presidente da Câmara de Arbitragem da Fiesp, Ellen Gracie.

Para o presidente da CBAr, advogado André Abbud, “a arbitragem está regulada em uma lei de 1996, atualizada em 2015, que é baseada em um modelo feito pela ONU e adotado por mais de 100 países e segue, portanto, padrões aceitos e praticados internacionalmente”.

Multinacionais

Segundo ele, o pedido do União Brasil pode fragilizar o mercado de arbitragem no Brasil fazendo as empresas, em especial as multinacionais, migrar para câmaras arbitrais fora do país. “Separar o Brasil das regras e práticas adotadas internacionalmente comprometeria o funcionamento da arbitragem no país. Esse é o grande risco que a gente quer evitar”, ressalta o especialista.

Para César Pereira, sócio do escritório Justen, Pereira, Oliveira e Talamini, cada caso é um caso quanto ao impedimento de árbitros e não cabe ao STF “estabelecer parâmetros abstratos e rígidos”.

“São raríssimos os casos de anulação de sentenças arbitrais. O Brasil é um caso de sucesso na arbitragem, inclusive nos litígios envolvendo a administração pública. Essa é a maior demonstração de que o sistema funciona bem”, assinala Pereira.

A arbitragem também tem sido usada na administração pública, em especial em contratos de concessão de projetos de infraestrutura, como estradas e aeroportos, o que, segundo Pereira, dada a agilidade na mediação de conflitos, torna mais atrativo a investidores estrangeiros fazer negócios no Brasil.

“Todos esses pedidos fariam que o Brasil se decolasse das práticas e das normas adotadas mundo afora, se isso acontecer, simplesmente as empresas vão parar de fazer a arbitragem no Brasil”, afirma o advogado André Abbud.

Outra entidade que se manifestou contra o pedido do União Brasil foi o Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), que em sua petição alerta para o risco de o sistema brasileiro ser desmontado. “Embora a petição inicial indique o sucesso da arbitragem no Brasil, o que ela almeja não é aprimorar o instituto, mas atacá-lo, impor-lhe parâmetros inéditos, afastando o arcabouço legal brasileiro de todos os congêneres no mundo” aponta o IBDP.

Os especialistas ouvidos pelo Correio não souberam explicar as razões de um partido político ter ajuizado essa ação junto ao STF, e mostram preocupação quanto ao que consideram uma tentativa de ataque a um mercado que tem crescido no país e apontado como fundamental para tornar mais atrativas as licitações de concessões e investimentos mediante parcerias público-privadas no Brasil.