Jornal Correio Braziliense

São Paulo

Raul Velloso: A hora e a vez de Ricardo Nunes

Um exemplo relevante de quem está fazendo o dever de casa é o da prefeitura de São Paulo, cujo equacionamento previdenciário é um dos mais avançados do país. só assim será possível abrir espaço nos orçamentos para promover a recuperação dos investimentos públicos

Os investimentos públicos totais em infraestrutura caíram de 5,4% do PIB no final dos 1980 para 0,6% do PIB em 2022 — ou seja, nove vezes, com óbvio e forte efeito depressivo sobre o PIB. A causa básica está na disparada dos deficits previdenciários, algo pouquíssimo percebido. Tendo comentado o forte legado de Wellington Dias, com o seu Piauí, nessa área, cabe agora destacar a herança do trabalho que, iniciado por Bruno Covas, se segue com seu sucessor, Ricardo Nunes, atual prefeito de São Paulo, em contraste, por exemplo, com a do próprio Estado de São Paulo. A pergunta básica a fazer é: em quantos anos os investimentos tenderiam a ser zerados em cada caso por conta especialmente do desastre previdenciário?

Voltando ao Piauí. Sem ajuste previdenciário, os investimentos já teriam zerado ali em 2022. Graças ao que vem sendo feito, a média anual de 2022 até meados dos anos 2030 é de investimentos previsíveis, ao redor de R$ 1,3 bilhão por ano. Já no estado de São Paulo, visto de 2019, o pico de R$ 30 bilhões de investimentos da gestão Serra, a preços deste ano, tenderiam a zero já ali em 2026, não fossem os ganhos extraordinários de receitas obtidos mais recentemente, que empurraram o problema temporariamente para a frente.

E no caso da Prefeitura de São Paulo, onde estão disponíveis novos estudos atuariais que consolidam um período de 70 anos? Os resultados, aqui, impressionam bastante. Primeiro, porque, a preços de 2019, os investimentos deste ente tinham aumentado sistematicamente entre 1998 e 2014, passando de R$ 2,3 bilhões para R$ 5,6 bilhões anuais, implicando um crescimento médio real de 5,7% ao ano, ante os menos expressivos 3,1% observados no caso do nosso PIB. Dali até 2017, houve queda real total de 60,7%, com os investimentos retornando, em termos reais, praticamente ao mesmo valor observado em 1998.

De 2017 em diante, contudo, tem-se o agravamento do problema previdenciário, e se abriram dois caminhos possíveis para a Prefeitura de São Paulo. Se a prefeitura não tivesse aprovado qualquer reforma desse sistema, e sem receitas novas, os cálculos mostram que seus investimentos teriam de cair do pico de R$ 9,1 bilhões, observado em 2022, para apenas cerca de R$ 2 bilhões na primeira metade dos anos 2040.

Contudo, com base nas reformas já aprovadas e em fase de implantação, os investimentos paulistanos poderão se situar entre R$ 8 bilhões e R$ 10 bilhões em todo o período considerado nos cálculos atuariais — ou seja, entre 2026 e 2097, algo realmente surpreendente. É por isso que o importante esforço de reforma da previdência conduzido por Ricardo Nunes, em São Paulo, deve ter sequência nos próximos anos, para viabilizar o plano de investimentos que já pode começar a pôr em prática.

Aprovadas soluções tipo arcabouço fiscal, na forma como este apareceu na mídia,estar-se-á criando espaço para investimentos públicos nos níveis que o Brasil precisa? Dificilmente. A proposta prevê que o gasto se situe em 70% da arrecadação (seja ela qual for) e obedeça simultaneamente ao limite de crescimento médio de 2,5% ao ano. Imaginando que a arrecadação possa subir à vontade (como sempre tende a acontecer por aqui), provavelmente a taxa de 2,5% será o limitador relevante. Ainda assim, mesmo com uma maior flexibilidade do lado dos gastos, se os gastos obrigatórios (tipo previdência, pessoal, saúde, educação etc.) crescerem às altas taxas dos últimos tempos, dificilmente haverá espaço para expandir os gastos do importante segmento de infraestrutura às taxas que se impõem.

Plano defensável

Nesse contexto, mais importante do que deixar o gasto com os investimentos fora do controle é ter um plano efetivamente defensável para eles. Se ele for realmente defensável (por exemplo, com altas taxas de retorno social e/ou volume coerente com a correta meta de crescimento do PIB), sua subordinação a algum tipo de teto não será tão relevante assim.

A saída mais eficaz é a que venho pregando há algum tempo. Trata-se de abrir espaço orçamentário relevante e firme, conforme os casos explicados anteriormente. Dado que, hoje em dia, com base em números observados em 2021, o principal gasto obrigatório, Previdência, representa 51% do gasto total da União, e o dispêndio com a principal prioridade do governo, Assistência Social, 16,4%, totalizando, apenas esses dois itens, 68,2% do total (quando, em 1987, um ano antes da atual Constituição, esses números eram, respectivamente, de 19,32 e 9,1%, fazendo 28,3% do total). A saída, então, é uma só: trata-se de equacionar ou zerar o deficit atuarial ou previdenciário dos regimes próprios, missão essa, aliás, cuja obrigatoriedade foi colocada em 2019 na própria Constituição (Cf. § 1º. do Artigo 9º. da EC 103/19), mas pouquíssimos entes têm se dedicado a enfrentá-la.

Para concluir, um exemplo altamente relevante de quem está fazendo o dever de casa é o da Prefeitura de São Paulo, cujo equacionamento previdenciário é um dos mais avançados do país. Só assim será possível abrir espaço financeiro nos orçamentos para promover a recuperação dos combalidos investimentos públicos. Ou, de resto, para destinar parte da sobra ao resgate de parcela da dívida pública, ainda que apenas potencialmente.