O Brasil não cresce acima de 2% de forma sustentável devido, em grande parte, à falta de uma efetiva reforma tributária, que simplifique e destrave a economia. No começo dos anos 2000, o país despontou como um dos protagonistas do grupo dos países emergentes de crescimento rápido. Mas, na terceira década do novo milênio, registra as menores taxas de expansão do Produto Interno Bruto (PIB).
A necessidade de mudanças no complexo sistema nacional de tributos — que afugenta muitos investidores brasileiros e estrangeiros — é mais do que urgente. Especialistas destacam que uma reforma bem feita poderá alavancar o PIB potencial em até 20% nos próximos 10 a 20 anos.
Ante essa realidade, o Correio Braziliense realizou, ontem, em parceria com a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco Nacional), o seminário Correio Talks: Reforma Tributária: o Brasil quer impostos justos.
O evento teve a presença de parlamentares, autoridades e especialistas. Um dos impactos destacados foi de que, com a reforma no modelo tributário, a renda per capita poderá crescer em torno de R$ 500 por mês e até R$ 6 mil por ano.
Na abertura do evento, o secretário extraordinário da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, destacou que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pretende realizar as mudanças no sistema tributário em duas etapas: primeiramente, pelo consumo; em seguida, pela renda.
Appy ressaltou que, nessa primeira fase, será preciso aproveitar as propostas de emenda à Constituição que estão no Congresso Nacional: a PEC 45/2019, da Câmara dos Deputados, e a PEC 110, do Senado Federal. As duas matérias ficaram paradas no Legislativo durante o governo anterior, que tentou apresentar uma proposta própria, que também não prosperou.
A ideia do novo governo, segundo Appy, é aproveitar o teor das PECs para construir um texto único de uma reforma tributária que, além de simplificar o sistema atual, garanta um crescimento de, pelo menos, 12% no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, em 20 anos.
De acordo com o secretário, alguns estudos indicam que uma boa reforma tributária poderá garantir aumento de até 20% no PIB potencial daqui a cerca de 10 a 20 anos. Na avaliação dele, as duas propostas têm inúmeros pontos em comum, com taxações adicionais sobre produtos que agridem a saúde e o meio ambiente, por exemplo.
A diferença entre as duas, apontada por Appy, é que a PEC 45 propõe um imposto único, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que unifica cinco tributos federais e regionais; e a PEC 100 estabelece um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual, sendo um cobrado pelo governo federal e o outro, pelos entes federativos.
Durante a apresentação de abertura, Appy chamou a atenção para a complexidade do sistema de impostos brasileiros, denominando-o de "manicômio", mesmo termo utilizado pelo ex-senador Roberto Rocha, também convidado ao encontro. Rocha se juntou ao deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), relator da PEC 45, também convidado do CB Talks, e sustentou que a reforma tributária vai melhorar a distribuição de renda no país. "Essa reforma que estamos fazendo tem o papel de cidadania, para construirmos a cidadania do ponto de vista fiscal e social", complementou Ribeiro.
Debate maduro
Na avaliação do deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG), coordenador do grupo de trabalho sobre Reforma Tributária na Câmara, o debate acerca do tema está bastante maduro. Segundo ele, será possível unir parlamentares governistas e da oposição para aprovar a PEC da reforma tributária com ampla maioria. "Creio que teremos mais de 400 parlamentares votando a favor", estimou o parlamentar ao Correio. Para ser aprovada na Câmara, uma PEC precisa de, no mínimo, 308 votos favoráveis. "Essa matéria será uma reforma do Estado e não de governo, e será votada", afirmou.
Na parte relativa à taxação sobre renda, o secretário-geral da Unafisco, Pedro Delarue Tolentino Filho, defendeu a tributação de lucros e dividendos, uma vez que apenas o Brasil, Estônia e Eslováquia não adotam essa cobrança. Pelas contas dele, uma taxação de lucros e dividendos, mesmo de forma parcial, como ocorre em países como México, Chile e Nova Zelândia, permitiria um aumento da arrecadação do governo federal de R$ 80 bilhões a R$ 90 bilhões por ano.
"Esse recurso poderia ser utilizado para atualizar a tabela do Imposto de Renda Pessoa Física e até contribuir para reduzir um pouco o Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ), fazendo um mix", sugeriu Delarue. "Sem tributar dividendos e lucro das empresas, o governo perde duas vezes", frisou. Delarue também lembrou, que, ao não tributar dividendos e lucros pagos aos acionistas, o governo descumpre um dos princípios basilares da Constituição: a isonomia.
Quatro perguntas para Bernard Appy
O senhor falou que o governo apoia as propostas de reforma tributária do Congresso. Qual das duas — a PEC 45 ou a PEC 110 — deve caminhar mais?
Na verdade, as duas se aproximaram muito. O resultado final vai ser uma composição das duas, acredito eu, com um texto único. O próprio grupo de trabalho da Câmara, neste momento, está trabalhando com as duas PECs como referência. O objetivo é importante, porque se não fizer isso, elas não são muito diferentes. Foram diferentes no começo. Hoje são muito mais próximas.
Mas o imposto dual e o imposto único se diferenciam nas duas propostas. O senhor acha que vai caminhar para qual solução?
Vai ser uma decisão do Congresso. Mas a nossa avaliação é que, politicamente, tem mais chance de avançar o IVA dual do que um IVA único. Do ponto de vista das empresas, o ideal seria um IVA único, mas ter dois IVAs com a mesma legislação. A diferença é muito pequena, não tem realmente um impacto muito relevante do ponto de vista das empresas. Politicamente, o IVA dual parece-me ser mais factível por conta das questões federativas.
O senhor comentou sobre a segunda etapa da reforma tributária, sobre a renda. O ministro Haddad tem falado um pouco sobre isso também…
Essa reforma da renda vai vir. Ainda não estou antecipando detalhe. O ministro falou algumas coisas que estão vindo agora para a redução de distorções. Isso pode vir antes, mas o grosso dessa reforma vem em seguida.
Quando? Depois da viagem presidencial para a China ou ainda neste semestre?
Não sei. Pode ser. Não tenho, tenho como dar o timing agora, porque ainda não está decidido (o cronograma).