Jornal Correio Braziliense

GOVERNO

Economia patina e governo procura avançar com medidas relevantes

Apesar de o arcabouço fiscal ganhar forma, economia patina e governo procura avançar com medidas relevantes

Os primeiros 100 dias do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), divide opiniões na área econômica, porque a atividade não deve decolar e o país deverá crescer pouco, neste ano e no próximo, conforme as projeções do mercado. Diante dessa realidade inevitável, Lula e seus aliados partiram para o ataque ao Banco Central e aos juros, que se tornaram os vilões da vez, e ao mesmo tempo, têm dado sinais trocados na área econômica, atrapalhando o esforço do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em recuperar a credibilidade junto ao setor financeiro, principal credor da dívida pública e, portanto, financiador das promessas que o presidente fez em campanha.

Entre os especialistas ouvidos pelo Correio, apesar das críticas por conta da falta de medidas efetivas nesses 100 primeiros dias, há um consenso de que o ato de Haddad ter finalmente anunciado as linhas gerais do novo arcabouço fiscal foi um sinal de alento para os agentes financeiros, que estavam no escuro desde a posse sobre para onde iriam as contas públicas.

A nova regra que substituirá o teto de gastos — emenda constitucional que limita o aumento da despesa à inflação do ano anterior — impõe um limite para o crescimento de despesas de 70% da taxa de expansão real (descontada a inflação) da receita, com piso de 0,6% e teto de 2,5% e prevê metas de resultado primário (diferença entre receita líquida e despesas) com bandas de 0,25 ponto percentual, para cima e para baixo. Com isso, o governo espera zerar o rombo fiscal em 2024 e ainda voltar a registrar superavit primário (economia para o pagamento dos juros da dívida pública) a partir de 2025.

pacifico - pib

Integrantes do governo e analistas reconhecem que o novo governo está lidando com uma verdadeira "herança maldita" na área fiscal deixada pelo governo anterior, nada comparável ao que petistas reclamavam que tinham herdado dos tucanos em 2003. E, para piorar, Lula insiste em criticar os juros elevados e a autonomia do Banco Central, conquistada em 2021, e sinalizou até querer mudar a meta de inflação — algo arriscado na atual conjuntura, porque vai exigir juros ainda mais altos. Com isso, as projeções de inflação e de juros pioram, o que é ruim para a gestão da dívida pública, pois os credores passam a exigir maior prêmio de risco para comprarem os títulos públicos que o governo precisará emitir para fazer frente às despesas que está criando e jogando no bolso dos contribuintes.

A taxa básica da economia (Selic), atualmente em 13,75% ao ano, é um freio de mão puxado para a atividade econômica, algo que tem incomodado bastante o presidente Lula, porque ele sabe que será difícil para o país crescer neste ano. Mas analistas afirmam que, independentemente de quem vencesse nas urnas em outubro do ano passado, a economia iria crescer pouco mesmo, uma vez que os bancos centrais do mundo todo estão fazendo ajustes na política monetária para controlar as pressões inflacionárias geradas durante e após a pandemia da covid-19, e o Brasil não ficará imune a esse processo de desaceleração global.

O economista-chefe da XP Investimentos, Caio Megale, não vê como o Brasil poderá crescer mais de 1% neste ano e no próximo e destaca o fato de que o Banco Central já faz o trabalho de subir os juros e, agora, é preciso paciência para esperar os efeitos da política monetária. "Com a reabertura pós-pandemia, houve uma euforia forte que acabou gerando inflação. E, agora, veio a necessidade da pisada no freio com a alta dos juros. E isso está ocorrendo no mundo. Estamos em um período de ressaca após o estímulo e a inflação provocados pela pandemia. É preciso essa freada para a economia se reequilibrar. E parte do baixo crescimento que veremos no PIB deste ano é resultado desse freio de arrumação. Os juros precisam ficar mais altos para garantir esse processo de desaceleração", explica. Segundo ele, o Banco Central brasileiro já fez o trabalho sujo de elevar os juros no ano passado. "Agora, é esperar a política monetária fazer efeito e o governo ajustar a política fiscal", destaca.

O impacto da alta dos juros tem efeito defasado na economia, que varia de seis a nove meses. E, pelas projeções da XP, mesmo com o novo arcabouço fiscal, será dificil para o BC reduzir a Selic para menos de dois dígitos até o fim de 2024, quando a taxa básica deverá encerrar o ano em 11%.

Professor da Universidade de São Paulo (USP), Simão Silber não poupa críticas ao desempenho do governo nesse começo do mandato. "O mundo mudou, o Brasil mudou, e Lula não tem o apoio do Congresso de maneira geral. E, portanto, eu diria que, esse balanço de 100 dias é um desencanto, uma frustração", afirma o economista. Para ele, o novo arcabouço é " irrealista", porque depende de muita receita que vai depender do crescimento econômico que, se não houver, "o governo vai ter que aumentar imposto".

Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, avalia que os primeiros 100 dias do governo foram tumultuados tanto na economia quanto na política, porque o Congresso também não consegue chegar a um acordo sobre a formação das comissões. "O governo não veio como a sinalização de medidas iniciais para serem aprovadas. A gente perdeu 100 dias sem aprovar medidas relevantes", lamenta.

Na avaliação dele, pacote apresentado por Haddad, no início do ano, com medidas para reduzir o rombo fiscal deste ano, de mais de R$ 230 bilhões, "não teve uma sinalização de medida concreta para ser colocada", e, por isso, não tranquilizou o mercado e, muito menos, o Banco Central, que acabou mantendo a taxa Selic em 13,75% nas reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom) de fevereiro e março. "Se o governo tivesse mandado, logo em janeiro, o novo arcabouço ao Congresso, daria o entendimento de que a questão fiscal era importante e tinha relevância. Mas o texto ainda não foi entregue ao Legislativo, só agora, em abril. Houve muita perda de tempo nesse sentido", diz. "Logo, nesses 100 dias, não houve medidas legislativas relevantes, propositivas para a economia. E foi uma perda de tempo precioso, porque não sabemos se o governo terá capital político para aprovar medidas relevantes, porque já está desgastado", afirma Vale. Por outro lado, ele destaca que, o fato de o país estar caminhando para uma certa tranquilidade, apesar dos ataques terroristas de bolsonaristas às sedes dos Três Poderes, em 8 de janeiro, é bastante positivo. "É um governo que, minimamente, está tentando se encontrar. Então, tem um lado positivo de que, por mais que esteja demorando, o governo mostra que está tentando se encontrar e se reorganizar. Mas essa demora, de fato, é prejudicial para tudo aquilo que o país precisa aprovar e fazer as reformas necessárias."

Já o economista-chefe da Warren Rena, Felipe Salto, faz um balanço positivo dos 100 dias do governo na área econômica. "Há uma proposta de controle das contas públicas na mesa e as negociações do acordo Mercosul-União Europeia foram retomadas. A ver os próximos passos", afirma. Em relação ao desempenho de Haddad, considera que ele está se saindo bem até o momento, devido "à experiência que acumula nos vários cargos públicos que ocupou a ao background acadêmico".

PIB abaixo da média global

Dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial (Bird) reforçam que o Brasil continuará crescendo menos do que o resto do mundo. Os dois organismos multilaterais, que realizam evento a partir desta segunda-feira (10) até domingo (16), em Washington, têm feito constantes alertas sobre o processo de desaceleração global em curso.

A diretora-gerente do FMI, Kristalina Georgieva, estima que o crescimento da economia mundial fique abaixo de 3%, em 2023, e permaneça em torno de 3%, nos próximos cinco anos. E, pelas projeções do Bird, a América Latina e o Caribe terão expansão menor do que o resto do mundo, de 1,4% neste ano, com o Brasil registrando taxa do Produto Interno Bruto (PIB) menor ainda, de 0,8%. Georgieva foi categórica ao apontar o combate à inflação para salvaguardar a sustentabilidade financeira como um dos principais desafio neste ano, ao lado da necessidade dos esforços dos governos para reduzir os deficits orçamentários, sem descuidar do combate às desigualdades sociais acentuadas com a pandemia da covid-19.

Simão Silber, professor da USP, destaca que o trabalho do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, à frente da equipe econômica não está sendo fácil, porque "ele está debaixo de um tiroteio do próprio PT" e do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Silber não poupou críticas ao fato de o novo arcabouço ser muito dependente de receitas e do crescimento econômico que não virá. Para ele, "na melhor das hipóteses", o PIB vai crescer 1% e não existe a perspectiva de ocorrer um milagre econômico como o de 2003, com um boom dos preços das commodities que ajudou o presidente Lula a ajustar as contas públicas nos dois primeiros mandatos. "Além disso, Lula está em uma posição muito desfavorável no Congresso e, portanto, será mais difícil aprovar qualquer medida de ordem tributária para aumentar receita ou de contenção de despesa", alerta. Na avaliação dele, o arcabouço é "um programa de licença para gastar", porque a despesa do governo "é incontrolável", com Previdência Social, funcionalismo e benefícios respondendo por mais de 90% das despesas que não podem ser cortadas.

Luiz Gonzaga Belluzzo, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), reconhece que os primeiros 100 dias do governo foram marcados por muita tensão entre o governo e o mercado. "Não podemos subestimar as dificuldades que o governo vai encontrar", alerta o economista, crítico dos modelos econômicos de análises utilizados pelos agentes financeiros e pelo Banco Central, que precisam ser atualizados, na avaliação dele. Para Belluzzo, o novo arcabouço é o que foi "possível" para o governo desenhar e conseguir agradar gregos e troianos. "O saldo (dos 100 dias) é positivo, apesar das dificuldades, porque o novo governo trouxe ao debate público temas que são importantes na questão de atendimento aos mais pobres, assim como na questão da educação e dos direitos humanos", afirma.