Anunciada na semana passada, a proposta de novo arcabouço fiscal só será encaminhada ao Congresso Nacional após o feriado da Páscoa. Mesmo sem o detalhamento necessário para tratar o rombo das contas públicas, a nova regra elaborada pelo governo precisa solucionar, entre outras, uma questão de fundo: onde obter mais receitas sem aumentar a carga tributária.
O aumento da arrecadação é um dos parâmetros do novo arcabouço para limitar o crescimento das despesas, além ser um fator importante para honrar os compromissos assumidos pelo governo Lula. O Bolsa Família de R$ 600, o reajuste do salário mínimo acima da inflação, a nova tabela do Imposto de Renda e outras despesas pressionam as contas públicas.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem falado que não pretende aumentar a carga tributária e que prepara um pacote de medidas para aumentar a arrecadação. Ela podem acrescentar até R$ 150 bilhões ao caixa do governo.
As medidas em estudo, entretanto, não devem constar do texto do projeto de lei complementar que será encaminhado ao Congresso na semana que vem. De acordo com a ministra do Planejamento, Simone Tebet, essas propostas ainda serão discutidas pelo ministro Haddad com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
"O incremento da receita, algumas dependem de ato normativo, outras dependem de alteração da lei. Então, vai ter uma cesta de opções para se chegar a um incremento de receitas sem aumentar a carga tributária", disse Tebet.
Ontem, a ministra atuou, pela primeira vez, como integrante do Executivo no Grupo de Trabalho (GT) da Reforma Tributária. Até então, ela havia participado das discussões do colegiado como senadora pelo Mato Grosso do Sul.
A ministra definiu o novo arcabouço fiscal como a "bala de bronze", e que a verdadeira "bala de prata" será a reforma tributária. "O arcabouço fiscal é a 'bala de bronze' para dar credibilidade necessária e ir adiante para os juros começarem a cair e poder o Brasil voltar a crescer e gerar emprego, dentro dessa ótica monetária. Mas a verdadeira 'bala de prata' é a reforma tributária", definiu.
Segundo a ministra, o maior obstáculo do debate tributário é o "problema federativo". "A questão sempre parava, quando estava na ponta da agulha, na questão do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Nós temos estados que consomem, e temos estados que produzem. É claro que há estados que consomem mais, outros produzem mais do que consomem", explicou, deixando claro que o governo federal está atento ao problema.
Segundo Tebet, o novo arcabouço fiscal está perto de ser concluído. "O texto (do arcabouço fiscal) vai estar pronto até amanhã (quarta-feira). Já saiu do planejamento na parte orçamentária. Agora a palavra final é do ministro Haddad", explicou. Segundo Tebet, a publicação do novo texto deverá ficar para a próxima semana "para evitar narrativas equivocadas".
Apesar das intenções do governo, analistas consideram improvável as contas públicas saírem do vermelho a partir de 2024, como pretende o Ministério da Fazenda. Para Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, o rombo fiscal deste ano será de 1% do PIB, não sendo possível evitar um novo deficit em 2024.
Pelas estimativas de Vale, para o governo conseguir estabilizar o crescimento da dívida pública bruta a fim de cumprir as metas de resultado primário que o governo quer, o superavit primário necessário no novo arcabouço deveria ser de 4,4% do PIB, neste ano, e de 2,4% do PIB, no ano que vem.
"As metas são difíceis de alcançar. Zerar já vai ser bem difícil, o que significa que não vai ser possível estabilizar a dívida", alerta Vale, que estima crescimento de 1% no PIB deste ano. Segundo ele, pensar em estabilizar a dívida pública nos próximos anos demandaria esforço fiscal muito maior.
"O governo vai precisar detalhar melhor os números. Como está, o arcabouço vai demandar uma forte expansão de arrecadação que o governo terá que ser mais explícito como conseguirá. Sem falar que ajudar apenas por arrecadação e não gastos já tem as dificuldades naturais", acrescentou.