O projeto que estabelece novas regras fiscais em substituição ao teto de gastos não garante o comprometimento do governo com o equilíbrio das contas públicas, na avaliação de especialistas ouvidos pelo Correio. Segundo a economista Monica de Bolle, pesquisadora sênior do Peterson Institute for International Economics (PIIE), think tank sediado em Washington, a proposta enfraquece a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), pois elimina uma importante ferramenta de punição dos governos quando eles começam a gastar mais do que o previsto no Orçamento: o contingenciamento de despesas.
"O parágrafo sexto do artigo 7º do projeto diz que o descumprimento da regra não constitui infração. Ao final, esse texto ainda propõe substituir o artigo 9° da Lei Complementar 101/2000, a Lei de Responsabilidade Fiscal, que trata da questão do contingenciamento. Ou seja, é um afrouxamento, uma desfiguração da LRF", lamentou a economista, em entrevista ao Blog do Vicente.
Monica de Bolle reforçou a crítica à falta de governança no novo arcabouço fiscal, que, segundo ela, corre o risco de ser descumprido logo na largada. "Se não tem governança, você precisa de mecanismos punitivos. Por isso, a Lei de Responsabilidade Fiscal instituiu o contingenciamento", acrescentou. Para ela, se a LRF fosse respeitada à risca, não haveria a necessidade do novo arcabouço, bastando um decreto presidencial determinando as metas de resultado primário (receitas menos despesas, sem contar juros).
O novo arcabouço também não foi bem recebido por Alberto Ramos, economista-chefe da área de pesquisas do banco Goldman Sachs para a América Latina.
A nova regra limita o aumento de despesa a 70% do crescimento da receita, e tem uma meta de deficit zero em 2024 e de resultados positivos a partir de 2025. Na avaliação de Ramos, essa nova estrutura fiscal só vai conseguir estabilizar a dinâmica da dívida pública se houver um aumento substancial de impostos.
"O teto de gastos é uma regra que mantinha o crescimento da despesa primária do governo central constante em termos reais. Dado o novo conjunto de regras que regem e limitam o crescimento do gasto primário, acreditamos que a trajetória de resultado primário proposta pelo governo exigirá um aumento significativo da já elevada carga tributária (com potenciais implicações negativas para o crescimento, investimento e inflação)", alertou o economista em relatório aos investidores.
De acordo com Ramos, além disso, a trajetória de resultado primário (0,5% do PIB em 2025 e de 1% do PIB em 2026) não estabiliza a dinâmica da dívida pública.
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Queda na Bolsa
Diante das incertezas em relação ao novo arcabouço e do receio de novas altas de juros nos Estados Unidos e na Europa, o Ibovespa, principal índice da Bolsa de Valores de São Paulo (B3), fechou em queda de 2,12%, ontem, a 103.912 pontos. O dólar comercial, por sua vez, voltou a operar acima dos R$ 5, engatando a terceira sessão de alta. A moeda norte-americana terminou o dia com ganho de 2,22%, a R$ 5,08.
"O mercado reagiu mal ao texto do arcabouço e, como o dia estava negativo no exterior, os agentes do mercado ficaram um pouco mais ressabiados", destacou Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos. Também pesaram no ânimo dos investidores as declarações do presidente do Banco Central, Roberto Caspos Neto, de que a inflação está resistente, indicando que os juros permanecerão altos por mais tempo.
Cruz ressaltou que uma das principais críticas ao arcabouço é a falta de medidas críveis para que a nova regra seja cumprida com eficácia, apesar de haver pontos positivos, como o fato de as receitas usadas para a base de cálculo do crescimento das despesas não serem infladas com arrecadações extraordinárias, como dividendos e privatizações. "O arcabouço não é tão rígido quanto o esperado e um dos pontos criticados é o fato de o enforcement ser muito baixo", disse.
Segundo o economista Rodrigo Correa, estrategista-chefe e sócio da Nomos, o intervalo de crescimento real das despesas é o mecanismo mais problemático do novo arcabouço fiscal. "Mesmo em anos de queda da arrecadação, estaremos com o pé no acelerador nos gastos do governo que poderão crescer 0,6% acima da inflação. Em uma recessão grave, isso vai piorar o equilíbrio orçamentário e nos fará demorar muito mais tempo para voltar ao equilíbrio, aumentando em tais anos o endividamento do país", afirmou. (Colaborou Rafaela Gonçalves)
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