Em viagem oficial à China, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) criticou a predominância do dólar nas operações comerciais, e defendeu uma espécie de moeda única para transações entre os países que compõem o bloco do Brics: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. "Por que não podemos fazer nosso comércio lastreado na nossa moeda? Por que não temos o compromisso de inovar? Quem é que decidiu que era o dólar a moeda, depois que desapareceu o ouro como paridade?", questionou Lula.
O presidente falou sobre a predominância do dólar na economia global durante a cerimônia de posse da ex-presidente Dilma Rousseff no comando do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), o banco do Brics, em Xangai, na primeira etapa de sua terceira visita de Estado ao país asiático.
O presidente defendeu o uso de outras moedas para transações comerciais do bloco. "Nós precisamos ter uma moeda que transforme os países numa situação um pouco mais tranquila. Porque hoje um país precisa correr atrás de dólar para poder exportar, quando ele poderia exportar em sua própria moeda, e os bancos centrais certamente poderiam cuidar disso", declarou Lula.
Em 2009, a ideia de uma moeda única para os países do Brics partiu da China. O tema chegou a ser discutido na reunião do bloco em 2010. Na época, o objetivo era adotar uma solução em substituição ao dólar para países emergentes realizarem operações comerciais entre si.
Apesar de o projeto não ter evoluído, alguns países seguiram interessados. Para a Rússia, por exemplo, uma moeda alternativa seria uma maneira de driblar sanções impostas pela Organização Mundial do Comércio (OMC). Nos últimos anos, o país já vem reduzindo bruscamente o uso do dólar em favor do rublo, que sofreu forte desvalorização no mercado global após a invasão da Ucrânia.
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"Paciência"
Durante o evento em Xangai, Lula reconheceu que uma moeda única é um processo difícil e até pediu para que Dilma tenha calma no compromisso de encampar a sugestão dentro do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB em inglês). "É necessário ter paciência. Mas por que um banco como o dos Brics não pode ter uma moeda que possa financiar a relação comercial entre Brasil e China, e entre os outros países do Brics? É difícil, porque tem gente mal acostumada, e todo mundo depende de uma única moeda", pontuou o chefe do Palácio do Planalto.
A China vem se empenhando em abrir espaço para o yuan no comércio global. Mas há dúvidas se a divisa chinesa poderia ser uma alternativa nas transações comerciais, pois o yuan responde por apenas 1,3% das operações globais. O dólar, por sua vez, corresponde a 45,4% e o euro, por 33,3%. Ou seja, as duas divisas concentram quase 80% do volume total de trocas, conforme dados do site Statista.com.
O economista e professor de Finanças do Insper Otto Nogami destaca que a implementação de uma nova moeda para trocas entre dois países depende de ambos. Mas para que uma moeda venha a ser utilizada em nível mundial, é preciso ter um governo confiável por trás.
"O governo chinês tenta fazer o yuan um contraponto ao dólar norte-americano, mas isso implica ter que reduzir o volume de euro e de dólar no mundo em termos econômicos. Resta saber se os grandes grupos estariam dispostos a aceitar essa mudança. O pontapé pode ser dado entre os países do Brics, mas ainda há uma distância muito grande para essa mudança", avalia.
O presidente José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), levanta dúvidas sobre uma moeda para as transações comerciais entre os países do Brics. Segundo ele, tanto o real quanto o yuan são moedas que "não conversam" com o resto do mundo. "Esse assunto é velho e não decolou. E não dá para saber se haverá vantagem para o exportador, porque não há muita informação sobre o modelo. O que está por trás é o interesse político da China, porque tanto o Brasil quanto a China possuem reservas elevadas e não precisam de uma nova moeda conversível para viabilizar divisas", afirmou.
O consultor Roberto Luis Troster, ex-economista-chefe da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), fez um alerta sobre a diferença entre a moeda única — que é mais difícil de implementar — e a moeda comum para transações comerciais, algo que também vem sendo feito também dentro do Mercosul.
"Escolher uma moeda comum nas relações bilaterais é algo simples. Basta os dois países chegarem a um acordo. Agora, operacionalizar uma moeda única, que permita a conversibilidade, é um processo muito mais complexo e muito mais trabalhoso e leva anos, como ocorreu com o euro", explicou.
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