Diante da desconfiança de agentes econômicos quanto à sustentabilidade do novo arcabouço fiscal e a capacidade do governo de fechar as contas, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem apostado em um pacote de medidas para “corrigir distorções tributárias”. A expectativa da pasta é arrecadar algo entre R$ 110 bilhões e R$ 150 bilhões com medidas adicionais para cumprir as metas estabelecidas para o resultado primário. Haddad participa da reunião ministerial liderada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no Palácio do Planalto, nesta segunda-feira (10/4), às 10h, para marcar os 100 dias de gestão. A expectativa é de que o governo faça uma série de anúncios durante o encontro.
Para fechar a conta, o ministro da Fazenda afirmou que o governo deverá apresentar inicialmente três medidas, nos próximos dias, com a revisão tributária de setores hoje isentos, como o de apostas eletrônicas e e-commerces com sede no exterior, além de pôr fim a subvenções de custeio de empresas.
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Segundo os cálculos do economista-chefe da corretora Warren Rena, Felipe Salto, será necessário um adicional de R$ 100 bilhões de receitas para zerar o deficit fiscal em 2024, como prevê o arcabouço. A nova regra também estabelece crescimento real das despesas em um intervalo de 0,6% a 2,5%, a depender do comportamento das receitas no ano anterior.
Na última quinta-feira (7) o ministro disse que cerca de 500 empresas com “superlucros”, que utilizam de artifícios para não pagarem impostos, já estão na mira do governo. Essas empresas têm incentivos fiscais concedidos por estados, via ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), e serão proibidas de abater esse crédito da base de cálculo de impostos federais, como a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), em casos de atividades de custeio. O impacto estimado é de R$ 80 bilhões a R$ 90 bilhões em receitas.
De acordo com analistas, a tentativa de aumentar a capacidade de gasto para o ano subsequente, que está condicionada ao aumento da arrecadação, indica que haverá forte incentivo para o governo buscar fontes de receitas extraordinárias — que o governo garante que não implicará em um aumento geral da carga tributária.
Segundo o professor de direito tributário da Fundação Getulio Vargas (FGV), Gabriel Quintanilha, o assunto já vinha sendo muito discutido no campo jurídico. “Quando a empresa recebe o benefício fiscal de ICMS, ela tem duas maneiras de contabilizar isso, como subvenção para investimento ou como subvenção para custeio. Na subvenção para investimento há um retorno para a atividade, já na subseção para custeio, a empresa contabiliza o valor para pagar as suas próprias despesas, essa deve ser proibida”, explicou, que frisou que o benefício deve ser mantido em casos de investimentos.
A intenção de taxar plataformas de venda on-line estrangeiras, por sua vez, tem causado grande burburinho nas redes sociais, com os consumidores temendo o aumento de preços de produtos que passaram a ser acessíveis para uma parcela da população por meio desses sites. Até o momento, o que se sabe é apenas que devem ser taxados e-commerces com sede no exterior que burlam regras da Receita Federal e não recolhem os devidos impostos, um movimento que pode garantir arrecadação adicional entre R$ 7 bilhões e R$ 8 bilhões.
Em conversa com jornalistas, na última semana, Haddad sinalizou que pretende taxar especialmente os sites chineses de compras pela internet, que vendem erroneamente de pessoa física para pessoa física. De acordo com tributaristas, plataformas de e-commerce que possibilitam a compra de produtos localizados no exterior, como Shein, Shopee, Ali Express e até eBay e Mercado Livre podem se incluir nesta lista.
Pressão do varejo
Segundo Salvador Cândido Brandão Jr, doutor em direito tributário, essa tributação é fruto de uma longa cobrança de empresários insatisfeitos, que consideram a concorrência desleal. “A intenção apresentada até o momento é de tributar plataformas digitais, grande parte delas localizada na Ásia, devido a um grande volume de compras por consumidores brasileiros, atraídos pelo baixo preço dos produtos e pela dificuldade de fiscalização ou por isenção de impostos. Isso vem gerando desequilíbrio na concorrência com o mercado nacional. A tributação vem sendo pleiteada pelo próprio setor varejista”, afirmou o advogado, que lembrou que a movimentação já vinha sendo articulada pelo governo antecessor.
A criação de um tributo ainda está no campo da discussão. Além disso, as empresas estrangeiras não são totalmente isentas de impostos no Brasil. Atualmente, remetentes pessoas físicas podem enviar encomendas de até US$ 50 sem cobrar taxas para o consumidor final residente no país. Acima deste valor, são cobrados 60% de tributos de importação.
O ministro chegou a chamar de “contrabando” os sites que burlam impostos, no entanto, Brandão Jr alertou que na verdade se trata da prática de descaminho. “Não se trata de contrabando. Isso é um equívoco. Seria contrabando se os produtos de origem estrangeira fornecidos fossem proibidos no Brasil, ou que sua importação fosse proibida ou que dependesse de registro ou autorização de algum órgão público, apesar de internamente ser possível sua comercialização. Pode até existir alguns casos de contrabando, mas a grande maioria se trata de descaminho, crime relacionado com a importação de mercadorias sem o pagamento dos impostos devidos na entrada”, afirmou.
O tributarista acredita que haverá pouco impasse na implementação da taxação, já que se trata de um pleito do próprio setor de varejo brasileiro. “O que deve ficar claro é que não se trata de aumento de impostos, já que não há tributação nesses produtos, mas, sim, de aplicar os mesmos impostos já aplicados para as empresas brasileiras”, destacou.
Segundo ele, uma solução melhor seria desburocratizar a atividade empresarial e simplificar a tributação sobre o consumo para que as empresas brasileiras se tornem mais competitivas. “A reforma da tributação sobre o consumo, que o governo pretende implementar, pode ter êxito neste aspecto. Mas, de fato, ao produto estrangeiro tem que ser aplicada a mesma carga tributária aplicada para os produtos nacionais”, acrescentou.
Sites de apostas
No caso da taxação dos sites de apostas esportivas, a discussão parece estar mais evoluída. O mercado de "bettings", que movimenta bilhões e atualmente é isento de qualquer tipo de taxação em solo brasileiro. O ministro da Fazenda já vem mantendo um diálogo com o setor, que é a favor da regulamentação, e sinalizou que a taxação poderia ser implantada por meio de medida provisória ainda neste mês. A expectativa é de que a tributação traga algo em torno de R$ 12 bilhões a R$ 15 bilhões por ano aos cofres públicos.
Para o advogado tributarista Marcos Correia Piqueira Maia, sócio do escritório Maneira Advogados, a regulação deve conceder segurança, transparência e previsibilidade tanto para as empresas de apostas quanto para os apostadores. “Evidentemente, editando-se regras claras, que protejam todas as partes envolvidas e permitam a fiscalização, novos players, nacionais e internacionais, poderão se interessar em investir no país, gerando mais recursos e, logicamente, mais arrecadação para os cofres públicos”, disse.
A regulação, de acordo com o advogado, fará com que essas empresas, hoje sediadas no exterior, se consolidem no mercado brasileiro. “O governo pretende criar os instrumentos necessários para exigir o pagamento de tributos de todas as empresas do setor, independentemente se são brasileiras ou estrangeiras. A carga fiscal deve ser suportada por todos os agentes, de forma a se evitar desequilíbrios”, afirmou.
A tributação foi bem recebida pelo setor de jogos, que há décadas tenta legalizar e ampliar o mercado privado de apostas no país. Espera-se que a taxação seja aplicada sobre o lucro bruto das empresas e licenças para que possam operar. Os jogadores também teriam os ganhos tributados no Imposto de Renda, mas a pasta não decidiu qual será a faixa de isenção nem o percentual que será cobrado sobre os prêmios. Um contraponto pode ser o percentual sobre o prêmio dos apostadores que, de acordo com especialistas, pode desestimular o setor.
Resistência no Congresso
Segundo Haddad, somente a taxação de e-commerces pode ser feita a partir de um movimento da Receita Federal. O restante dependerá do envio de projetos de lei ou medidas provisórias para o Poder Legislativo. O economista Murilo Viana, especialista em contas públicas, lembrou que todas essas medidas de caráter tributário, de certa forma, já foram discutidas em determinado momento, mas nunca houve consenso para a sua implementação.
A tentativa de tributação de fundos exclusivos, por exemplo, chegou a ser incluída em medida provisória editada pelo governo Temer, mas encontrou forte resistência no Congresso e perdeu validade, o que demonstra o tamanho do desafio que o governo Lula terá pela frente.
“Vale observar que os lobbies empresariais são super fortes no Congresso Nacional e que a adoção de medidas econômicas impopulares tendem a gerar resistências significativas dos congressistas. Soma-se a essas considerações o fato de o governo não ter uma ampla base no legislativo federal e de poder encontrar resistências especialmente por parte do presidente da Câmara, Arthur Lira”, destacou Viana, ao reconhecer que todo aumento de carga tributária é impopular, ao menos para a parcela que está sofrendo as consequências diretas.
“As mudanças anunciadas agora, por sua vez, geram insegurança jurídica ao investimento realizado, encarecendo o chamado ‘Custo Brasil’. Não por menos é de fundamental importância que projetos de leis, especialmente de grande potencial econômico, passem por crivos mais rigorosos de análises de impacto fiscal e social, antes de serem aprovadas pelo legislativo”, acrescentou o economista.
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