O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e a ministra do Planejamento, Simone Tebet, apresentaram, ontem, as linhas gerais da nova regra fiscal. O texto do projeto de lei complementar a ser encaminhado ao Congresso Nacional será finalizado pela equipe econômica até a Páscoa. O chefe da Fazenda garantiu que a proposta vai “recuperar a credibilidade” do governo na gestão das contas públicas, enquanto a ex-senadora garantiu que o conjunto de regras “é crível”.
Apesar de ainda carecer de detalhes, a proposta repercutiu bem no mercado financeiro e, de modo geral, foi bem recebida em Brasília.
O Índice Bovespa (IBovespa), principal da Bolsa de Valores de São Paulo (B3), fechou em alta pelo quinto pregão consecutivo, com ganhos de 1,46%, aos 103.304 pontos, diante da expectativa de que a nova âncora fiscal vai ter algum mecanismo que limite o aumento desenfreado de gastos públicos. O dólar comercial, por sua vez, apresentou queda de 0,73%, cotado a R$ 5,09, assim como os juros futuros, que também recuaram.
Analistas avaliaram a apresentação da regra fiscal como uma carta de intenções positiva, mas ainda aguardam alguns detalhamentos para precificar ao certo o impacto das medidas e instrumentos que precisarão ser implementados para o cumprimento da nova regra.
O arcabouço prevê que o rombo fiscal seja zerado em 2024 e que as contas voltem ao azul a partir de 2025, algo ainda pouco provável para uma economia que deverá crescer pouco neste ano e no próximo, com a inflação dando sinais de que não deve dar trégua tão cedo. Por enquanto, o Banco Central adotará uma vigilância maior e uma política monetária mais dura até o governo dar sinais claros de que está fazendo a parte dele do lado fiscal.
Muito criticado pelo presidente Lula em razão da política monetária de juros altos, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, elogiou o esforço do governo em concluir a nova regra fiscal. “Tenho bastante convicção de que o ministro Haddad está bem intencionado e temos que reconhecer isso”, disse.
Em nota, o presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Isaac Sidney, afirmou que o setor bancário considerou positivo o conjunto de medidas anunciadas pela equipe econômica sobre as premissas do novo arcabouço fiscal. “Trata-se de um passo importante e meritório, pois procura combinar as prioridades sociais do país com o necessário controle da expansão dos gastos públicos”, destacou.
Ainda que seja necessário conhecer e aprofundar os detalhes, Sidney avalia que a proposta representa um avanço na busca da trajetória sustentável da dívida pública, ao estabelecer limites para a expansão das despesas do setor público combinada com metas de resultado primário ambiciosas, com a previsão de zeragem do déficit primário já em 2024.
“Ao procurar apresentar a proposta de forma ampla para a sociedade, antecipando seu debate para os agentes políticos e econômicos, o Ministério da Fazenda demonstra que se trata de um processo em construção”, disse o presidente da federação. Ele se disse disposto a contribuir com as metas estabelecidas na nova regra fiscal.
Mesmo com muitos pontos em aberto, a regra fiscal foi bem vista pelos analistas. Uma das razões é porque preserva o limite de gastos. “O mercado gostou porque não houve exceção à regra e há uma tentativa de busca de alcançar superavit primário nos próximos anos. Não é a melhor regra possível, mas é o que é possível ter nesse momento”, explicou Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados.
Para ele, o lado positivo do arcabouço é que os gastos foram mantidos dentro do limite da regra. “De qualquer maneira é um ajuste baseado no que se imaginava, que era aumento de arrecadação. Não está claro como o governo vai conseguir isso”, acrescentou.Vale destacou ainda que a equipe econômica não fez estimativas claras de PIB e receita, na apresentação do arcabouço, “Mas o governo não para de atacar o BC fazendo estimativas com quedas de juros. Precisaria ter mais clareza nos parâmetros para sabermos se eles serão mesmo críveis”, alertou.
Na avaliação Rodrigo Simões, economista e professor da Faculdade do Comércio (FAC-SP), o arcabouço pode ser viável, pois os moldes apresentados mostram certa previsibilidade e confiança que será perseguida no controle de gastos. “A nova regra possui também mecanismos de autocorreção, o que coloca os gestores públicos numa posição de clareza e, dependendo da falta de gestão dos recursos públicos, o próprio gestor pode vir a enfrentar dificuldades nos planos de sua própria atuação”, avaliou.
Segundo Simões, o teto de gastos deixava o mercado “no escuro”. “Não tínhamos uma previsibilidade, vez ou outra, o teto sempre era rompido por algum motivo, entre eles políticos e eleitoreiros. Somente saberíamos do real impacto no resultado primário, no futuro, quando eram disponibilizados os estudos de impacto dos gastos públicos”, lembrou.
“Ficávamos tentando prever qual seria o resultado primário e torcíamos para que a despesa coubesse na receita, e isto é que traria impactos negativos para a inflação e prejudicava a política monetária do Banco Central, pois não tínhamos previsibilidade sobre a gestão do recurso público”, acrescentou o professor.
Para Gabriel Meira, sócio da Valor Investimentos, o arcabouço veio “dentro do aceitável, simples e com regras claras”. Contudo, ele também fez um alerta sobre o risco de frustração de receitas no atual cenário de desaceleração da economia. “Achar que o governo vai continuar com a arrecadação em alta é extremamente otimista. Principalmente porque muita coisa do arcabouço depende de uma diminuição da taxa de juros, que é competência do Banco Central que, em teoria, é autônomo”, disse.