O mercado financeiro digeriu mal o tom duro do comunicado do Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central, sobre a decisão do colegiado de manter a taxa básica da economia (Selic) em 13,75%. Apesar do consenso sobre a decisão, a sinalização do BC de que poderá elevar os juros se as pressões inflacionárias persistirem deixou os agentes ressabiados, porque a maioria esperava um discurso mais apaziguador.
Como era esperado, a nota desagradou ao governo e ao PT. Em visita ao Complexo Naval de Itaguaí (RJ), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva renovou as críticas ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. "Não tem explicação para nenhum ser humano a taxa de juros no Brasil estar em 13,75%", disse. "Como presidente da República, eu não posso ficar discutindo cada relatório do Copom. Eles que paguem o preço pelo que estão fazendo. A história julgará cada um de nós", acrescentou. Gleisi Hoffmann, por sua vez, pediu a saída de Campos Neto da autarquia.
Para piorar o humor do mercado, o cabo de guerra entre os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e Arthur Lira (PP-AL), da Câmara, sobre a votação das medidas provisórias, deu contornos de uma crise institucional em Brasília.
Esse caldeirão abalou a Bolsa de Valores de São Paulo (B3) ontem. O Índice Bovespa (IBovespa), principal indicador da B3, perdeu o patamar de 100 mil pontos pela primeira vez no ano e chegou a desabar mais de 3% ao longo do dia. Em meio ao aumento da tensão entre governo e BC e no Congresso, o dólar disparou mais de 1%, fechando o dia cotado a R$ 5,290 para a venda, refletindo o aumento da percepção de risco dos investidores.
No fim do pregão, o IBovespa encerrou o dia com queda de 2,29%, a 97.926 pontos. Foi o menor nível desde 18 de julho de 2022, de acordo com Einar Rivero, head comercial do TradeMap. Segundo ele, as incertezas na economia e na política foram responsáveis pela forte oscilação da Bolsa ontem.
Levantamento feito por Rivero, a pedido do Correio, revelou que, somente ontem, as perdas das empresas listadas na Bolsa brasileira foram maiores do que o valor de mercado de um único banco, o Bradesco (R$ 60,27 bilhões). Ao todo, o prejuízo somou quase R$ 76 bilhões, com Petrobras e Vale liderando as perdas. Juntas, essas duas empresas tiveram uma desvalorização de R$ 16,17 bilhões.
O derretimento da Bolsa brasileira, enquanto as bolsas de Nova York operaram no azul, teve como principal fator o comunicado do Banco Central, segundo analistas. Eles lembraram que o Copom manteve a polêmica frase de que "os passos futuros da política monetária poderão ser ajustados e não hesitará em retomar o ciclo de ajuste caso o processo de desinflação não transcorra como esperado."
Esse trecho estava presente nos comunicados anteriores, inclusive das reuniões do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que pressionou fortemente as contas públicas para tentar se reeleger. Assim, além da ausência de uma política fiscal como um dos principais riscos para alta da inflação, dois pontos deixaram o tom do comunicado mais duro.
"O mercado, de alguma maneira, esperava que o Copom fosse arrefecer um pouco o discurso. Mas o comitê elevou o tom e sinalizou que os juros devem permanecer mais altos por mais tempo. Isso derrubou a Bolsa, principalmente setores sensíveis ligados a uma restrição maior do crédito e varejo, como a Magazine Luiza", destacou Anand Kishore, gestor de renda variável da Daycoval Asset.
Diante do comunicado mais duro do Copom, o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, acredita que haverá chances de redução da Selic somente a partir do terceiro trimestre. Para ele, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, precisará apresentar um bom arcabouço fiscal e crível, pois o teto de gastos — emenda constitucional que limita o aumento de despesas à inflação do ano anterior —, única âncora fiscal vigente, vem sofrendo alterações desde 2019.
A solução, segundo ele, seria sinalizar um compromisso de melhora do resultado fiscal maior do que as autoridades andam mostrando, em vez de querer antecipar a troca de comando do BC, que teve a autonomia aprovada em 2021, como defende a presidente do PT.
O consultor André Perfeito, ex-economista-chefe da Necton Investimentos, avaliou que o cenário de tensão na Bolsa refletiu "os medos de que a dinâmica institucional entre Planalto e Banco Central vai se deteriorar, e esse mal-estar não deverá se dissipar no curto prazo".