O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, garantiu que o atraso na divulgação do novo arcabouço fiscal para abril não vai prejudicar as negociações da nova regra e adiantou que a proposta terá um mecanismo de transição para acomodar gastos e vinculações constitucionais de despesas com saúde e educação, que ainda precisa ser ajustado.
"Isso não prejudica em nada o nosso cronograma. O mais importante é o governo estar em torno de uma proposta", afirmou o ministro, ontem à noite, a jornalistas, na saída do gabinete, após mais uma agenda lotada de reuniões. Pela manhã, em entrevista ao portal 247, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse que só vai decidir sobre o arcabouço fiscal após a viagem dele à China e aos Emirados Árabes Unidos, a partir do dia 26.
"Em função disso, ficou prejudicada uma reunião com ele (Lula) para levar o resultado dos detalhes pedidos (sobre o arcabouço fiscal). Eu acho que (a proposta) está avançada e não vejo razão para preocupação, de verdade", acrescentou.
Haddad bem que tentou, várias vezes, antecipar o anúncio da nova âncora fiscal como forma de sinalizar ao mercado e ao Banco Central — cujo Comitê de Política Monetária (Copom) vem fazendo vários alertas sobre o risco fiscal e se reúne, hoje, para definir o futuro da taxa básica da economia (Selic) — que está comprometido com a responsabilidade nas contas públicas.
A nova regra terá como objetivo recuperar a confiança do mercado na capacidade do governo em equilibrar as contas públicas, pois a âncora fiscal vigente — o teto de gastos — vem sendo ampliada anualmente desde 2019. Neste ano, o aumento das despesas fora do teto previsto na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição contribuiu para que a previsão do rombo fiscal do Orçamento deste ano passasse de R$ 63,7 bilhões para R$ 231,6 bilhões.
Marco das PPPs
Na segunda-feira, o chefe da equipe econômica, que viajará com Lula para a China, ainda tinha esperança de o presidente decidir sobre o arcabouço antes da viagem. Mas, após as reuniões do ministro com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (União-MG), ficou combinanado o adiamento do anúncio da proposta para abril. O prazo limite, segundo Haddad, será o dia 15, mesma data para a entrega do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2023 ao Congresso Nacional.
De acordo com o ministro da Fazenda, a equipe econômica está ajustando o texto do arcabouço e do mecanismo de transição das vinculações constitucionais para atender aos pedidos do presidente Lula. O ministro contou que não participou da reunião da Junta de Execução Orçamentária (JEO), na Casa Civil, marcada para a manhã de ontem, porque ficou esperando por quase uma hora. "Eu tinha outros compromissos. Cheguei às 8h30 e saí às 9h20, porque tinha uma reunião às 9h30", contou, com naturalidade, acrescentando que deixou, como representante, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron.
O informou que os técnicos da pasta também estão trabalhando na conclusão do novo marco regulatório das parcerias público-privadas (PPPs), outro pedido feito por Lula. "Eu pedi para o Tesouro e a para PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) para acelerarem a questão do marco das PPPs, porque a gente pretende apresentar um processo de aceleração do investimento, sobretudo, quando tem a chancela do público e do privado. Isso nos dá conforto para alavancar os investimentos", disse o ministro. Ele não precisou se o anúncio do marco das PPPs ocorrerá junto com o do arcabouço ou em separado. "As concessões não precisam de investimento público, estão fora dessa conta. Mas as PPPs são uma estratégia de alavancagem para os investimentos do país", emendou.
Transição
A proposta do novo arcabouço fiscal para substituir a emenda do teto de gastos não precisará ser feita com mudanças na Constituição, de acordo com o ministro. Ele destacou que a matéria será encaminhada ao Congresso via projeto de lei complementar, que exige a aprovação da maioria absoluta das duas Casas, ou seja, 41 senadores e 257 deputados. "A lei complementar resolve o problema", assegurou. Ele destacou que a Constituição prevê que essa lei desativará automaticamente a regra do teto. Os mínimos constitucionais da receita corrente líquida da União para a saúde e educação são de 15% e 18%, respectivamente.
O arcabouço, contudo, deverá prever um mecanismo de transição para recompor as perdas ocorridas com a regra do teto desde a sua aprovação com as vinculações constitucionais de gastos com saúde e educação. "Tem uma regra na Constituição e na lei do teto de gastos. Nós precisamos verificar se, na transição de um modelo para outro, como vamos acomodar isso também, porque vai voltar a ter vigência da Constituição, tal como ela foi promulgada em 1988. E a regra do teto mudou completamente isso, porque era uma regra muito rígida e retirou muitos recursos da saúde e da educação", afirmou. O ministro explicou que, agora, a equipe está procurando desenhar uma transição para novo arcabouço "que contemple a reposição das perdas dos dois setores". "Todos os gastos vão estar dentro da regra. Então, nossa intenção é uma regra simples que possa ser acompanhada com muita facilidade por nós", acrescentou.
O líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), assim como Haddad, minimizou o fato de Lula ter adiado o anúncio do arcabouço. O parlamentar elogiou a proposta e disse estar confiante na aprovação do Congresso, tanto pela base governista quanto pela oposição. "Não atrapalha (o adiamento). Eu estou muito convencido de que essa proposta não é de governo nem de oposição. É uma proposta do Brasil. Tem uma regra que estabelece que não pode gastar mais do que arrecada, não pode gastar mais que a receita. É uma necessidade da Nação", afirmou.
Ao ser questionado sobre a polêmica do novo teto para os empréstimos consignados para aposentados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que foi reduzido de 2,14% para 1,70% ao mês, Haddad contou que será preciso instalar um grupo de trabalho para, na próxima sexta-feira, apresentar os primeiros resultados para uma taxa intermediária, mas não revelou o valor. Os bancos, que suspenderam as operações, estão pedindo uma taxa de 1,9%, mas é possível, segundo fontes da pasta, encontrar um consenso entre 1,9% e 2%.