Depois de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) postergar a divulgação do novo arcabouço fiscal para depois da viagem à China, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, acompanhou o presidente e vários ministros nas constantes críticas ao atual patamar de juros no país. Para ele, é possível aproveitar a “gordura” das taxas cobradas pelo sistema financeiro para promover medidas para o desenvolvimento do país.
“Estamos na expectativa de convergência da política monetária para que possamos utilizar essa gordura de juros elevados em benefício de um programa sustentável de desenvolvimento, com baixa inflação”, disse ele, nesta terça-feira (21/3), em uma apresentação virtual em um evento do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), no Rio de Janeiro, em parceria com a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e o Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri).
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A fala de Haddad ocorreu logo após Lula afirmar, em entrevista ao portal 247, que o novo arcabouço fiscal será divulgado apenas após a viagem dele à China. A visita de Estado de Lula ao país asiático ocorre entre 26 e 31 deste mês, e o chefe da Fazenda fará parte da comitiva presidencial, que terá uma delegação recorde, com mais de 240 empresários, segundo informações do Itamaraty.
“Seria estranho, eu anuncio e vou embora. Haddad tem que anunciar e ficar aqui para responder, debater, dar entrevista, falar com sistema financeiro, com a Câmara dos Deputados, Senado e outros ministros", afirmou Lula. Ontem, Haddad disse que a expectativa era de que Lula anunciasse o novo arcabouço fiscal antes da viagem. Na entrevista, Lula minimizou a pressão que o ministro da Fazenda vem sofrendo e negou problema dentro do partido. “Tenho certeza de que Haddad vai ajudar a resolver a questão da economia. É uma questão de tempo", afirmou o presidente. Para o ministro, esse adiamento não deve atrapalhar o avanço do desenho do novo arcabouço fiscal.
Durante a apresentação no evento do BNDES, Haddad destacou que o governo pretende anunciar um conjunto de medidas regulatórias para alavancar o crescimento sustentável e o investimento privado. Nesse sentido, garantiu que o governo vai investir “pesadamente” no desenho do novo marco regulatório das Parcerias Público-Privadas (PPPs), e em medidas para melhorar o crédito no Brasil e defendeu uma maior participação do BNDES nos projetos. As duas propostas ainda precisarão ser aprovadas pelo Congresso Nacional, segundo ele, sem dar muitos detalhes. E a expectativa do ministro é conseguir aprovar essas medidas até o segundo semestre deste ano.
Haddad contou ainda que, no momento, a equipe econômica está debruçada sobre a avaliação da qualidade dos investimentos, mapeando projetos para a transição ecológica para que o plano de investimento esteja de acordo à matriz energética com um programa de investimento robusto, com condições de atrair empresas para o desenvolvimento sustentável. “Esse mapeamento com medidas desdobradas será para o país não ter qualquer tipo de desenvolvimento, mas um aderente ao que o mundo espera de um país como o Brasil”, afirmou.
Copom
As falas de Haddad ocorrem no primeiro dia da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central. As apostas de analistas do mercado são de que o BC manterá a taxa básica da economia (Selic) em 13,75%, mesmo patamar desde agosto de 2022, mesmo se o governo apresentasse o arcabouço antes da reunião.
Ao comentar sobre o arcabouço fiscal, Haddad deu poucas dicas sobre o modelo, que vem tentando guardar a sete chaves. “Desde o ano passado, apresentamos um cronograma de medidas que pudesse nos tirar do curtíssimo prazo, que eu espero que se encerre com a aprovação do arcabouço fiscal, que substitui o atual, que na minha opinião, funcionou muito mal”, afirmou. “Podemos substituir por uma regra mais inteligente e mais flexível, que conduza o país sem risco de uma trajetória de descontrole de juros e de dívida”, acrescentou, sem dar maiores detalhes.
Agenda
Durante a palestra, o ministro Haddad defendeu uma agenda de longo prazo para o desenvolvimento do país e, indiretamente, criticou o mercado financeiro, ao qual chamou de “imediatista”, porque olhando para os resultados de curto prazo. “O país precisa sair dessa armadilha de curtíssimo prazo em que estamos envolvidos. Precisamos sair dessa discussão, com todo mundo olhando para tela do computador para saber se o dólar aumentou um centavo e se a Bolsa caiu. O Brasil é maior do que isso”, disse.
De acordo com o ministro, essa agenda para o desenvolvimento do país no médio e no longo prazos precisará conciliar três pontos: a questão social, para combate da pobreza e da desigualdade, a questão ambiental que, segundo ele, “se tornou uma pauta incontornável” e a questão da sustentabilidade das contas públicas. Na avaliação do ministro, essa agenda está em curso e tem o novo arcabouço fiscal como um dos principais itens, assim como a reforma tributária, que faz parte da agenda de longo prazo.
“Eu penso que estamos criando um ambiente favorável no Congresso Nacional para apresentar as medidas, no primeiro semestre, para reencontrar o caminho do desenvolvimento e usar o segundo semestre para aprovar as medidas que darão sustentabilidade ao programa de governo do presidente Lula”, afirmou. Nesse sentido, Haddad citou algumas medidas que foram anunciadas e começam a entrar em vigor no dia 1º de maio, como o novo salário mínimo, a nova tabela do Imposto de Renda e o Desenrola, programa de solução de litígios entre credores e devedores que ainda não tem o desenho totalmente concluído. “Muitas famílias saíram endividadas da pandemia e precisam de um programa para voltarem ao mercado de consumo com um crédito, se Deus quiser, mais barato do que atual”, afirmou.