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Haddad critica juros altos e cria dúvida no mercado sobre interferência

Ao comentar a quebra de bancos nos Estados Unidos, ministro da Fazenda diz que, no Brasil, o sistema financeiro tem "muita gordura para queimar". Copom se reúne na próxima semana e, para analistas, deve manter a Selic em 13,75% ao ano

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, aproveitou a nova crise de bancos norte-americanos para voltar a criticar o nível dos juros no Brasil. Ao comparar as instituições financeiras brasileiras com as do resto do mundo, o ministro disse que, por aqui, há muita "gordura" para queimar.

"Estamos em um momento de turbulência internacional e diria que tem uma gordura no Brasil que nos permite, tomando as providências que estão sendo tomadas, e que vêm sendo reconhecidas pelo Banco Central nas atas que ele divulga, ter um espaço que o mundo não tem", afirmou o ministro, ontem, durante evento realizado pelos jornais Valor Econômico e O Globo.

O comentário foi feito pelo ministro após ser questionado sobre os impactos da quebra de dois bancos dos Estados Unidos, o Silicon Valley Bank (SBV), da Califórnia, e o Signature Bank, de Nova York. A derrocada das instituições gerou temores de que o mundo mergulhe em uma nova crise financeira, como a desencadeada em 2008, após a falência do Lehman Brothers, quarto maior banco dos EUA na época.

Na avaliação de Haddad, o sistema financeiro brasileiro é robusto do ponto de vista de governança e de regulação interna, cumprindo "com folga" os acordos internacionais de Basileia, na Suíça — as regras de sustentabilidade financeira do BIS, o banco central dos bancos centrais. "Se a gente harmonizar a política fiscal e a monetária, conseguiremos ancorar e navegar em mares internacionais revoltos, porque a nossa condição garante isso", acrescentou.

O ministro voltou a afirmar que o projeto do novo arcabouço fiscal está pronto e que pretende entregá-lo ainda nesta semana ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que deve encaminhá-lo ao Congresso antes do início da viagem que fará à China, no próximo dia 24. A proposta é aguardada pelo mercado financeiro e pelo Banco Central como uma das condições para o início de um novo ciclo de queda dos juros.

O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central tem reunião na próxima semana, nos dias 21 e 22. O presidente Lula, sempre que pode, critica o atual patamar da taxa básica de juros (Selic) que está em 13,75% ao ano, o mesmo desde agosto de 2022. Descontada a inflação, o Brasil está no topo do ranking global de juros reais.

A expectativa do mercado, no entanto, é de que o Copom não deve começar a reduzir os juros na próxima reunião, porque vai esperar a apresentação do arcabouço fiscal e a aprovação da medida pelo Congresso, que pode, inclusive, modificar a proposta.

Para o ministro, as projeções para a inflação brasileira deste ano continuam "bem comportadas", mesmo com a reversão das "medidas demagógicas" do governo anterior, como a desoneração de combustíveis e de impostos estaduais, que vão custar R$ 26,9 bilhões à União, segundo acordo fechado na semana passada com governadores.

A mediana das estimativas do mercado do boletim Focus, do Banco Central, voltou a subir nesta semana, passando de 5,90% para 5,96%, bem acima do teto da meta determinada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), de 4,75%.

O ministro também criticou o fato de o Brasil trabalhar com um sistema de metas de inflação que funciona com base no ano-calendário. Segundo ele, isso limita o espaço para que o Banco Central acomode eventuais choques econômicos.

Haddad defendeu a aprovação da reforma tributária e do novo arcabouço fiscal para que o país recupere a confiança dos investidores e a atividade econômica volte a ter uma expansão mais robusta. "Não podemos continuar crescendo 1% ao ano, este país não merece isso. Precisamos encontrar o caminho para retomar o desenvolvimento, porque é isso que vai dar brecha para investir mais em saúde e educação", afirmou.

Mercado teme interferência

Ao voltar a criticar os juros, ainda que de forma mais velada, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, deixa agentes financeiros em dúvida se o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) quer interferir na política monetária pelo Banco Central, órgão que, desde 2021, passou a ter autonomia legal. Apesar das negativas de Haddad sobre o assunto, as incertezas acabam aumentando, de acordo com o ex-ministro da Fazenda Mailson da Nóbrega, sócio da Tendências Consultoria.

Na avaliação do ex-ministro da Fazenda, o governo tem que manter silêncio em relação à política monetária. "Quanto mais ele fala, mais deteriora as expectativas (do mercado). O que Lula ganhou com os ataques ao Banco Central? Aumento dos juros futuros e piora nas expectativas de inflação. Lula ganhou zero nessa cruzada. Só perdeu", avaliou Maílson, em entrevista ao Correio.

De acordo com o ex-ministro, diante da aproximação da segunda reunião do ano do Comitê de Política Monetária (Copom), que ocorrerá na próxima semana, "novamente é hora de Haddad e Lula ficarem calados". "Essa é uma regra de ouro que se adota em todo mundo. O presidente da República e o ministro da Fazenda não falam de taxas de juros, porque a impressão que passam é de que o governo quer intervir, e isso gera incertezas", explicou.

Durante a campanha eleitoral, Lula afirmou que não pretende se reeleger e vem sinalizando, desde a vitória, que quer fazer de Haddad seu sucessor nas próximas eleições. Haddad tem dado sinais de que tenta agradar as bases políticas do governo com um discurso parecido com o de Lula, afirmando que há espaço para o Banco Central reduzir juros sem ter apresentado o aguardado novo arcabouço fiscal — que o mercado e o BC consideram uma pré-condição para iniciar um novo ciclo de baixa dos juros.

"Um bom ministro da Fazenda não tem que contentar as bases. E isso de ministro da Fazenda virar presidente da República só aconteceu em raros momentos do Brasil", ressaltou Mailson, citando como exemplos, Rodrigues Alves, que foi ministro de Floriano Peixoto e Prudente de Moraes; Getulio Vargas, que foi ministro da Fazenda de Washington Luís, e Fernando Henrique Cardoso, que chefiou a equipe econômica de Itamar Franco, que implementou o Plano Real. "Como dizia (Mário Henrique) Simonsen, salvo esses casos, o ministro, se é popular, é porque está fazendo alguma coisa errada", emendou, em referência ao ex-ministro da Fazenda do governo do general Ernesto Geisel. "O ministro da Fazenda é aquele que diz não para tudo em um país que não é rico, onde tudo falta, e a classe política é patrimonialista e pró-gasto", sentenciou.

Com uma visão diferente, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que segue uma linha mais desenvolvimentista, vê com preocupação o discurso do Banco Central para justificar a manutenção da taxa Selic em 13,75% ao ano para "ancorar as expectativas" de inflação.

"Nessa tentativa de ancorar as expectativas dos mercados financeiros em relação a inflação e juros, o Banco Central corre o risco de afundar os preços dos ativos, como aconteceu com os bancos dos Estados Unidos que quebraram", alertou. "Os juros do crédito estão elevados, as empresas estão cada vez mais endividadas, e não é possível fazer uma avaliação binária. É preciso olhar a questão conjuntural", acrescentou.

De acordo com Belluzzo, os especialistas também precisam olhar para o impacto da alta dos juros na economia e como ela afeta o crédito e os ativos de dívida, os títulos públicos, que sofrem desvalorização quando a Selic sobe.

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