A bioeconomia tem evoluído a passos cada vez mais largos. Nessa esfera, a Embrapa tem sido responsável por desenvolver ideias e projetos que têm como objetivo o avanço da ciência e a melhoria das condições de vida de diversas populações, como, por exemplo, a dos povos originários, que vivem na região amazônica.
Sobre esse assunto, o diretor executivo de Pesquisa e Inovação da Embrapa, Guy de Capdeville, concedeu entrevista para o CB.Agro - programa do Correio em parceria com a TV Brasília - e explicou como que projetos que envolvem, por exemplo, o desenvolvimento de materiais genéticos, estão atuando de maneira benéfica para as populações da região Norte do país.
A entrevista foi conduzida pelo editor de Política e Economia do Correio, Carlos Alexandre de Souza. Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:
Qual o conceito de bioeconomia, falando especificamente da Amazônia?
Nós temos dois modelos de bioeconomia, vamos dizer assim. Uma que é aquela bioeconomia mais tradicional, da produção de alimentos, da conversão desses alimentos em ativos de valor agregado, a comercialização desses desses produtos. E existe uma bioeconomia mais moderna, uma bioeconomia que nós chamamos de ‘bioeconomia de renováveis’. E ela entra muito dentro do conceito de economia circular. Onde, não somente estamos usando os recursos naturais, para a produção de ativos de interesse da sociedade, mas a gente está pegando esses recursos genéticos dentro de um ambiente que pode, então, ser transformado para substituir aqueles produtos que nós usamos no nosso dia a dia, como combustíveis, como moléculas químicas que substituam aqueles de origem fóssil.
Um exemplo?
Por exemplo, produtos químicos que nós poderíamos usar no controle de pragas. Hoje nós usamos moléculas sintéticas e existem moléculas que são produzidas por recursos genéticos, por fungos, por diferentes micro-organismos, por plantas, que poderiam ser extraídos, escalonados e usados como agentes de controle de algumas pragas, de algumas doenças da agricultura brasileira.
Quando se fala em Amazônia, há uma discussão antiga, que é o chamado 'paradoxo'. É uma região tão rica e, ao mesmo tempo, existe muita miséria. Como que vocês olham para essa questão?
Bom, nós temos que considerar que, primeiro, esse ambiente, esse bioma, na realidade, quando a gente fala da região amazônica, principalmente dentro do contexto da chamada Amazônia Legal, que envolve nove estados na região norte do país, nós temos várias unidades de pesquisa ali fazendo trabalhos, em várias temáticas. De sustentabilidade, de conservação, de exploração dos recursos, mas qual é a ideia principal que nós temos? O nosso discurso é preservar o bioma amazônico. Como que a gente pode explorar esse bioma e trazer soluções para a sociedade, principalmente para essa sociedade que vive nesse ambiente, de forma que a gente possa, de fato, alterar o nível sócio-econômico dessas populações, trazendo soluções que possam ser exploradas no mercado, pelo que nós chamamos de indústria de base biológica.
São indústrias, ou são comércios, ou são indústrias de transformação, que tem no seu cerne, o conceito da sustentabilidade ambiental. Então eles estão preocupados com o uso de água, eles estão preocupados com não derrubar a floresta, mas, ao mesmo tempo, dentro desse ambiente, existem inúmeras possibilidades de nós explorarmos ativos.
No passado havia muito uma visão exploratória, ou quase predatória, em relação à Amazônia. Quando se fala em sustentabilidade, é uma nova mentalidade, não?
Sem dúvida nenhuma. Por exemplo, nós estamos vendo agora, a crise dos ianomâmis. Na Embrapa, nós organizamos a nossa equipe, juntamos todas as nossas unidades na região norte e começamos a pensar o desenvolvimento de um plano que vai ajudar a remediação ambiental daquele dano que está causado ali e, ao mesmo tempo, desenhar um formato para que nós possamos trazer segurança alimentar para aquelas populações. Eu não estou me referindo só aos ianomâmis, não. Eu estou me referindo aos povos originários, de maneira geral, que eu entendo que existam, talvez, até milhares de tribos nessa região, como um todo, que poderiam se beneficiar disso.
Sobre isso, do que se trata o ‘Sisteminha’?
O ‘Sisteminha’ é uma tecnologia que nós desenvolvemos onde nós combinamos a produção de proteína, por exemplo, peixe, galinha, caprinos, ou, até mesmo, gado, combinado com produção de grãos e combinado com produção de frutas. Então esse sistema é montado em um formato onde a produção de alimentos está sendo feita passo a passo. Ou seja, eu tenho uma produção aqui, agora, que está no ponto de colheita, e a outra já está encaminhando para, daqui uma semana, você poder colher dela, outra parcela já está indo para outra semana, então a gente cria esse fluxo de produção. E esse é um tipo de tecnologia simples, extremamente barata e que pode ser facilmente adotada por comunidades que vão garantir a elas uma boa produção.
A comunidade participa desse processo, ou ela é, simplesmente, beneficiada?
A ideia é levar essa tecnologia para que eles, com o nosso apoio, obviamente, eles implantem, eles produzam, eles colham. Então nós vamos ensiná-los a fazer isso. Nós vamos dar os primeiros peixes, as primeiras sementes, enfim. E vamos ensiná-los a fazer, ensinar a adubar, ensinar a conduzir esse ‘sisteminha’ ao longo do tempo que eles precisarem.
Isso já está sendo executado?
Isso já foi desenvolvido há mais de vinte anos. Muitas propriedades, principalmente no Nordeste, adotam esse ‘sisteminha’. Mas na região norte isso é menos intenso. Até porque, a região nordeste é muito mais árida, tem muito menos água, muito menos plantas, muito menos diversidade, do que a gente tem no bioma amazônico. Lá, as populações conseguem, ainda, se alimentar do que está naturalmente disponível.
E como tem sido a aceitação das comunidades, em relação a essa proposta?
Nós começamos a ver esse problema dos ianomâmis agora, no meio do ano. Então é algo bastante recente. O que nós estamos fazendo? Nós estamos construindo um plano, porque o nosso objetivo é levar isso ao Ministério da Agricultura, pra que o nosso ministro, Carlos Fávaro, com a sua equipe, possa fazer contato com todos os demais ministérios que deverão estar envolvidos - Ministério dos Povos Originários, Ministério do Meio Ambiente, Ministério da Saúde -, porque, no caso dos ianomâmis , o que está acontecendo neste momento é, (estamos) salvando a vida deles, é uma ação emergencial. Tem a questão do garimpo, que precisa ser resolvida e o que nós estamos propondo é que, para uma próxima etapa, nós tenhamos uma estratégia para remediar aquele ambiente que está totalmente destruído, contaminado com Mercúrio, reflorestamento, eventualmente, e depois, trazer essas soluções.
É muito importante nesse processo todo pensar em uma interação. O que estava tendo até agora era um enfrentamento, como não um extermínio, né?
Por isso que nós estamos fazendo, nós estamos desenhando esse plano na Embrapa e estamos levando isso ao Ministério da Agricultura, para que nós possamos coordenar esse trabalho, através do nosso ministro, com todas as demais participantes. O nosso ministro tem se aproximado muito da ministra Marina Silva, porque ele defende um agro trabalhado na lógica de sustentabilidade ambiental. Nós não precisamos destruir a floresta. Nós temos milhões de hectares de pastagens degradadas, que podem ser recuperadas.
Existe aquela imagem de que potências estrangeiras estariam agindo ali de forma subterrânea para se aproveitar da riqueza amazônica. E aí entra a questão das patentes. Como é que está sendo tratado hoje em dia?
Esse acesso ilegal acontece. Isso é algo difícil de ser controlado. É aquela história: milhares de micro-organismos cabem na ponta de uma agulha. Então você pode ter um ‘tubinho’, que você vai levar uma amostra, uma semente, uma coisa que passa despercebido. Não tem jeito. Então isso é pirataria, essencialmente.
E o que tem sido feito, então?
Nós temos feito ações de desenvolvimento científico, em parceria com o setor produtivo. Então, o setor produtivo já é o nosso parceiro, seja na ideação, na concepção de uma ideia, para se avançar na pesquisa para depois se desenvolver e elevar isso para uma escala comercial, seja lá qual for o produto desenvolvido, e, quando a gente formaliza esse parceria, a gente define claramente as regras para proteção e uso, então, para o patenteamento.
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