Sob intensa pressão do governo de Luiz Inácio Lula da Silva e diante de um cenário global adverso devido à recente quebra de bancos nos Estados Unidos e na Europa, o Banco Central do Brasil decide nesta quarta-feira (22/3) os rumos da taxa básica de juros (Selic), que serve como referência para os juros praticados no país em operações de crédito e financiamento.
Apesar das duras críticas ao elevado patamar da Selic, atualmente em 13,75% ao ano, a expectativa do mercado é que o Comitê de Política Monetária do BC (Copom) não realize cortes na taxa por enquanto, sob a justificativa de que a inflação continua pressionada no país.
O acumulado em 12 meses do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) fechou em 5,6% em fevereiro. Isso significa que a taxa já caiu pela metade desde abril de 2012, quando atingiu o pico de 12,13%.
Apesar disso, segue acima da meta de inflação do Banco Central, que foi fixada pelo governo anterior em 3,25% para 2023 e 3% para 2024, com uma tolerância de 1,5 ponto para mais ou para menos.
"O Banco Central sempre colocou (em seus comunicados) que traria a inflação a todo o custo para a meta estabelecida para ele", ressalta Claudia Moreno, economista do C6 Bank, que acredita que a Selic permanecerá onde está por algum tempo.
Nesse contexto, o BC tende a manter a Selic alta para deixar o crédito caro no país, esfriando o consumo e, consequentemente, freando o aumento de preços – embora alguns economistas, como o prêmio Nobel Joseph Stiglitz, considerem que juros elevados não sejam o remédio adequado para segurar a inflação no momento, já que a disparada global nos últimos anos tem mais relação com problemas de oferta causados pela pandemia e a guerra entre Rússia e Ucrânia.
"Uma coisa que eu acho absurda é a taxa de juros estar a 13,75%, num momento em que a gente tem o juro mais alto do mundo, num momento em que não existe uma crise de demanda, não existe excesso de demanda", afirmou Lula na terça-feira (21/03), fazendo coro ao argumento de Stiglitz.
Além da inflação ainda alta no Brasil, também há uma leitura entre os analistas brasileiros de que a crise deflagrada pela quebra dos bancos americanos Silicon Valley Bank (SVB) e Signature Bank e do banco suíço Credit Suisse (comprado pelo UBS) parece contida pela ação das autoridades européias e americanas, não havendo sinais de uma grave turbulência sistêmica no horizonte com impactos relevantes sobre inflação e atividade econômica no Brasil. O próprio Banco Central Europeu (BCE) optou por uma nova alta da sua taxa de juros, que subiu de 3% para 3,5% na quinta-feira (16/03).
Outro fator que contribui para a manutenção da Selic no atual patamar é a incerteza em torno do novo arcabouço fiscal em elaboração no governo. Esse arcabouço trará novas regras para as despesas públicas, substituindo o chamado teto de gastos, que limita o crescimento dos gastos do governo à inflação do ano anterior.
Isso é considerado importante para o rumo dos juros no país porque, quando o governo reduz o aumento das despesas, isso freia o crescimento do consumo no país, desacelerando a inflação.
Além disso, afirma Moreno, também contribui para reduzir o crescimento da dívida pública, o que gera mais confiança na economia brasileira, valorizando o real. Isso deixa produtos importados mais baratos, diminuindo a inflação.
"Quando você tem uma dívida que é sustentável, uma dívida mais controlada, você passa credibilidade para os agentes econômicos e as pessoas investem mais no Brasil. O câmbio se valoriza e, com isso, você também consegue reduzir inflação mais rápido", nota a economista.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, esperava apresentar a proposta de novo arcabouço fiscal que o governo enviará ao Congresso antes do fim da reunião do Copom, mas Lula adiou o anúncio para abril, evidenciando as dificuldades para fechar as novas regras.
No entanto, mesmo que as novas regras tivessem sido divulgadas, isso não teria impacto nessa reunião, acredita Moreno. Ela lembra que o BC já deixou claro que não levará em conta medidas ainda não aprovadas no Congresso, já que a proposta a ser encaminhada pelo governo poderá ser modificada pelos parlamentares.
O que dizem os críticos dos juros altos?
Desde a última reunião do Copom, no início de fevereiro, quando a Selic foi mantida em 13,75% pela quarta vez seguida, o BC se tornou forte alvo de Lula e do entorno do presidente, que temem o impacto dos juros altos sobre a economia.
A insatisfação vem também do setor produtivo: na segunda-feira (20/03), o presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), Josué Gomes da Silva, disse que as taxas de juros do país são "pornográficas".
"Se não abaixarmos essas taxas de juros, de nada adiantará fazermos políticas industriais", disse em evento do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), no Rio de Janeiro.
Críticas partiram até mesmo de economistas de renome internacional, como Joseph Stiglitz, vencedor do Nobel de economia, professor da Universidade de Columbia (EUA) e antes economista-chefe do Banco Mundial (1997-2000).
Em entrevista à BBC News Brasil no final de fevereiro, ele disse que os bancos centrais do mundo erram ao combater a inflação atual com elevação de juros.
Isso porque, na avaliação do economista, a alta no custo de vida que aflige o mundo hoje é provocada principalmente por restrições na ponta da oferta causadas pela pandemia e pela guerra entre Rússia e Ucrânia, além de mudanças no padrão de consumo também derivadas da crise sanitária.
Assim, no contexto atual, elevar juros – uma medida de política monetária que tem por objetivo aumentar o custo e restringir a oferta de crédito – pode fazer mais mal do que bem, defendeu o Nobel.
"Há um custo enorme em ter taxas de juros altas. Isso coloca o Brasil em desvantagem competitiva, estrangula as empresas brasileiras, enfraquece a economia do país. Então o presidente Lula está absolutamente correto em estar preocupado com essas questões ", disse Stiglitz à BBC News Brasil.
Independência do BC limita impacto das críticas
Na visão de Camila Moreno, a pressão política não atinge a decisão do Copom devido à independência do Banco Central aprovada pelo Congresso em 2021.
Por isso, o BC continua sendo presidido por Roberto Campos Neto, nomeado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, já que seu mandato se encerra apenas em dezembro de 2024.
Campos Neto, que chegou a votar na eleição de 2022 com uma camisa da seleção brasileira, o que foi lido como claro sinal de apoio à tentativa de reeleição de Bolsonaro, passou a sofrer questionamentos sobre sua independência política. Em resposta a essas críticas, ele diz que o BC subiu a Selic durante a eleição, em um movimento que desagradou o governo anterior.
"É verdade que teve um choque de oferta que atingiu a economia brasileira e outras economias. A inflação chegou a rodar a 12% no Brasil. Só que aqui a gente tem um problema de inércia (da inflação) muito elevada. Então, quando a inflação sobe bastante, é difícil fazer com que ela volte pra meta de uma maneira rápida", avalia Moreno.
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