Apesar da pressa do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em definir a proposta do novo arcabouço fiscal, dificilmente ele conseguirá apresentar o texto ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva antes da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central (BC), na próxima semana, dizem interlocutores da pasta. Na reunião, nos dias 21 e 22, o Copom deve decidir o nível da taxa básica de juros, atualmente em 13,75% ao ano. O governo gostaria que a taxa fosse reduzida, e a nova regra fiscal é um dos argumentos para convencer o BC a caminhar nessa direção.
Antes de Lula, porém, será preciso que Haddad apresente o arcabouço para a Junta Orçamentária, de acordo com o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa. A Junta é composta pelos ministérios da Casa Civil, da Fazenda; do Planejamento e Orçamento; e da Gestão e Inovação em Serviços Públicos. Costa afirmou ontem que a reunião deve acontecer "ainda nesta semana", mas não disse a data. Com isso, a apresentação do arcabouço ao presidente Lula será feita "posteriormente" e, na sequência, encaminhada ao Congresso.
Haddad, disse confiar que a definição do novo arcabouço ocorra antes da viagem de Lula à China, prevista para os dias 27 a 30 deste mês, mas o presidente deverá embarcar antes, no dia 24. "Ele acabou de pedir para remarcar, então deve ser esta semana", afirmou.
Ontem, antes da reunião ministerial no Planalto, Haddad entregou o texto ao vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio Exterior e Serviços, Geraldo Alckmin, e afirmou que a reação do vice "foi muito boa".
No mercado, ainda há muita incertezas sobre os parâmetros da nova âncora fiscal. A avaliação é de que será difícil para o Banco Central sinalizar qualquer redução dos juros no próximo Copom. Interlocutores da equipe econômica sinalizaram que a nova regra deve buscar um equilíbrio fiscal de médio prazo, com alguma combinação entre recomposição de receitas e crescimento real dos gastos.
Na avaliação do ex-ministro da Fazenda Mailson da Nóbrega, somente após a aprovação do arcabouço pelo Congresso, "provavelmente em junho", o BC terá algo concreto para incluir no modelo de projeções de inflação, a fim de ancorar as expectativas e iniciar um movimento de queda dos juros. Portanto, a pressa de Haddad em querer apresentar a proposta antes do Copom não iria mudar nada.
"Enquanto o arcabouço não for aprovado não vejo nenhuma chance de o Copom baixar os juros. Por enquanto, trata-se apenas de uma declaração de intenções e não tem valor para basear uma decisão de política monetária. O risco de o Congresso ceder aos lobbies e modificar a proposta não é pequeno", avaliou Mailson.
Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, tem a mesma avaliação. E torce para que a proposta tenha o mínimo de interferência de gente de fora do Planejamento e da Fazenda. "O grande risco é tirarem muita coisa da regra do gasto e ela perder credibilidade", acrescentou.
Já o economista e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Luiz Gonzaga Belluzzo, considera que há espaço para o BC reduzir os juros a partir da próxima semana. "Tem gordura, sim, para, para queimar. Se a Selic continuar no patamar atual, vai ferrar com a economia", alertou.
Em relação ao novo arcabouço, Belluzzo disse esperar que o governo faça uma "proposta razoável", que ajude o país a recuperar o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), algo que não ocorrerá se o governo resolver fazer um ajuste fiscal no meio das turbulências globais. "A economia está em processo de declínio e se a economia cai ou cresce pouco, não gera receita para o superavit primário. E quando a economia capota, a receita fiscal cai", afirmou.
O consenso entre analistas é que é preciso uma regra crível, que não fique sendo alterada anualmente, como ocorreu com o teto de gastos desde 2019, no início do governo Jair Bolsonaro (PL). O especialista em contas públicas e economista-chefe da Ryo Asset, Gabriel Leal de Barros, diz que o governo deve construir um arcabouço adequado, sem pressa. "Não adianta correr para apresentar algo que não ancore o mercado e frustre as expectativas dos agentes econômicos, agudizando a própria trajetória fiscal que se deseja estabilizar", observou.
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