A suspensão das vendas de carne bovina para a China pode causar prejuízo de US$ 500 milhões por mês ao setor, de acordo com as estimativas da Associação de Exportadores Brasileiros (AEB). Os embarques foram interrompidos temporariamente, desde ontem, após a confirmação de um caso de Encefalopatia Espongiforme Bovina (EEB) — também conhecida como "mal da vaca louca" — confirmado em um animal no município de Marabá (PA).
O país asiático é o principal destino da carne bovina brasileira, absorvendo 57% das exportações. Segundo dados da Associação Brasileira dos Frigoríficos (Abrafrigo), em 2022, as exportações para a China geraram receita de quase US$ 8 bilhões, o que representa mais de 60% do total faturado pelo setor no mercado externo.
A suspensão obedece a um protocolo sanitário assinado pelos dois países em 2015, que estabelece um autoembargo nas vendas, automaticamente, diante da ocorrência de um caso de vaca louca. Quando as exportações são suspensas por esse motivo, o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) envia dados às autoridades chinesas para que a situação de risco seja analisada, e as vendas de carne, liberadas. O processo, no entanto, pode se arrastar por meses.
Apesar do cenário incerto, o especialista em gestão de negócios Rica Mello acredita que o bloqueio deve ter impacto maior a curto prazo. "O embargo é muito considerável. Da última vez, o bloqueio demorou três meses e esse prazo pode se repetir. Sendo assim, a Austrália, que é outro grande exportador de carne e compete com o Brasil, deve sair ganhando nos próximos meses. Já vimos um reflexo imediato disso nas ações (dos frigoríficos)", afirmou.
A doença, que é fatal para bovinos e humanos, é provocada pelo consumo de ração produzida à base de carne e ossos de outros animais. No Brasil, porém, a alimentação do plantel é predominantemente à base de pasto, o que diminui os riscos. Os casos relatados até agora, no país, foram de origem atípica, que ocorrem de forma esporádica e espontaneamente em animais mais velhos.
De acordo com o Mapa, o animal identificado com a doença tinha nove anos e estava em uma pequena propriedade em Marabá. "O animal, criado em pasto, sem ração, foi abatido e sua carcaça incinerada no local. O serviço veterinário oficial brasileiro está realizando a investigação epidemiológica que poderá ser continuada ou encerrada de acordo com o resultado", informou a pasta, em nota.
O resultado do teste foi encaminhado para análise do laboratório de referência da Organização Mundial de Saúde Animal (OMSA), em Alberta, no Canadá, onde será identificada a tipificação da doença. Segundo a Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Pará (Adepará), os indícios apontam que seja uma forma atípica da doença, que surge espontaneamente na natureza em animais mais velhos, não causando risco de disseminação ao rebanho e ao ser humano.
O economista Diego Hernandez destacou que o impacto a médio e longo prazos vai depender da análise clínica laboratorial, que indicará se é um caso atípico ou clássico. "Já tivemos aqui casos atípicos causados pela idade avançada dos animais. Em 2019, tivemos uma liberação mais rápida, já em 2021 a liberação foi mais demorada. O mercado acaba precificando o pior cenário, mas o Brasil tem uma abundância de estoque favorável. Diante da alta demanda da China, acredito que, se comprovado que o caso é atípico, eles não devem demorar muito para fazer a liberação", disse.
Cooperação
Ontem, o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, recebeu o embaixador da China no Brasil, Zhu Qingqiao, para prestar esclarecimentos sobre o caso. Diante da importância do mercado asiático, as informações acerca da apuração estão sendo acompanhadas pelos dois países para a mais ágil adoção das medidas necessárias pelos governos.
Na ocasião, o ministro reforçou o compromisso do governo com "transparência, determinação e agilidade" na resolução do caso. "O governo do Brasil preza muito pelo respeito aos países parceiros. Queremos continuar garantindo o suprimento de produtos de alta qualidade e sabemos das nossas obrigações e deveres, fazendo isso com total transparência, determinação e agilidade", disse Fávaro.
Segundo a pasta, o embaixador chinês destacou que "aprecia o fato de o Brasil ter cumprido prontamente o protocolo sanitário" assinado com o país.
Por não alimentar o gado com ração animal, o Brasil é considerado território de risco insignificante para a ocorrência do mal da vaca louca, segundo classificação da Organização Mundial de Saúde Animal (OIE). Nas últimas décadas, houve registros apenas de casos isolados da doença, que foram devidamente controlados e eliminados. As últimas ocorrências de doença da vaca louca foram registrados no país em 2021, em frigoríficos de Belo Horizonte (MG) e de Nova Canaã do Norte (MT). A China suspendeu as compras entre setembro e dezembro daquele ano.
Mercado
Após registrarem queda expressiva na véspera, as ações das empresas do setor de frigoríficos apresentaram recuperação, fechando ontem no campo positivo. Os papéis da Minerva (BEEF3) avançaram 3,51%, a R$ 11,80, após chegar a cair 2,72% na mínima do dia, enquanto JBS (JBSS3) avançou 5,53%, a R$ 18,90. Na mesma linha, os ativos da BRF (BRFS3) tiveram um dia volátil, mas fecharam com ganhos de 1,56%, a R$ 6,50; a queda máxima foi de 3,44% no dia.
De acordo com analistas, a recuperação indica que o mercado está precificando que a suspensão deve durar pouco. "Isso já aconteceu outras vezes e, comprovado o caso atípico, o Brasil retoma as exportações e consegue recuperar essa perda pontual ao longo do ano. Ainda é cedo para dizer os efeitos sobre a exportação brasileira, tende a ter um impacto maior no campo especulativo, a curto prazo", avaliou Welber Barral, sócio da BMJ e ex-secretário de Comércio Exterior.
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