A elevada taxa básica de juros, a Selic, que atualmente está em 13,75% ao ano, virou alvo de reclamações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A principal queixa é que a taxa nesse patamar dificulta o acesso ao crédito, tanto para as famílias quanto para as empresas. Os ataques ao presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, colocaram a política monetária na berlinda, com repercussões no Congresso Nacional e no mercado. De acordo com analistas, a lógica do aumento de juros é necessária para conter as pressões inflacionárias.
Segundo um levantamento feito pelo MoneYou e pela Infinity Asset Management, o Brasil tem a maior taxa de juros reais do mundo, se descontada a inflação. O país se mantém na liderança desde maio do ano passado. A alta da taxa de juros globalmente ocorre pela disparada da inflação. Embora cada país tenha suas particularidades, a pressão inflacionária também tem causas comuns e carrega uma herança recente da pandemia e da guerra entre Rússia e Ucrânia, que ainda devem perdurar.
A pandemia, por exemplo, forçou os governos e bancos centrais a implementarem pacotes fiscais e monetários para evitar falências e desemprego. Ao mesmo tempo, houve aumento de custos no processo de recuperação econômica, já que os preços de diversas commodities dispararam, em especial do petróleo e dos alimentos. Assim, oferta e demanda entraram em desequilíbrio e os preços foram pressionados.
Segundo o economista Hudson Bessa, professor da Faculdade FIPECAFI, este é um fenômeno global, ao qual o Brasil não está imune. "A crise das cadeias globais, as restrições de oferta e o excesso de liquidez no mundo causaram um surto inflacionário. O Brasil não está imune a isso e sofreu com esses mesmos impactos. Também tivemos nossos problemas internos, como forte crise hídrica, por exemplo, que deixou o país com bandeira vermelha e causou uma disparada na inflação brasileira", lembra.
Com o propósito de conter a inflação, o Banco Central alterou a política monetária subindo a taxa de juros no Brasil. Essa decisão afeta os preços, e diminui o consumo e os investimentos das famílias e empresas brasileiras. Dessa forma, a queda na demanda por bens e serviços tende a reduzir a inflação.
Bessa destaca que a lógica da política restritiva é tornar o dinheiro 'mais caro', reduzindo o consumo e, assim, consequentemente, a pressão sobre os preços. "O BC só reagiu aumentando a taxa de juros para poder reancorar as expectativas e fazer a inflação voltar a estar próxima da meta. É necessário fazer uma restrição de demanda para que a gente consiga reduzir a inflação", explica.
A inflação terminou o ano passado em 5,79%, mais baixa do que os 10,06% registrados em 2021, mas ainda acima do teto da meta do BC, que é de 5%. Mesmo com alguns sinais de desaceleração, sobretudo a partir de algumas medidas tomadas pelo governo, como a desoneração de impostos sobre combustíveis e energia elétrica, a queda ainda não é suficiente para sustentar um corte na taxa de juros.
O pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV/Ibre) e sócio da consultoria BRCG, Lívio Ribeiro, destaca que o país rompeu a taxa de juros neutra há pouco tempo. "Nós só passamos dos níveis de neutralidade na virada de 2021 para 2022, ou seja, não estamos tanto tempo assim nesse terreno. Os impactos ainda serão observados. O processo de queda da inflação está nublado por essas políticas fiscais que cortaram impostos e ela ainda está muito disseminada. A política monetária opera com defasagem e por mais que a inflação tenha desacelerado, ainda assim está além da meta", avalia.
Uma série de fatores internos e externos explicam a manutenção da taxa em níveis tão elevados. Entre os principais motivos estão a tendência de alta de juros em economias desenvolvidas, a volatilidade do câmbio, a inflação ainda acima do teto da meta e as incertezas fiscais que existem no país. Segundo Ribeiro, as críticas do governo à autoridade monetária nada ajudam na redução das expectativas.
"Ao fazer esse tipo de ataque ao BC, o canal de incerteza aumenta, o que diminui a potência da política monetária. Não podemos esquecer também, em paralelo, que o governo ampliou os gastos por meio de um pacote fiscal que ainda não tem um arcabouço concreto. Não é à toa que as projeções estão sendo revistas para a manutenção desse juro por mais tempo", afirma o pesquisador.
Metas da inflação
Em meio ao impasse do governo contra a gestão de juros conduzida pelo BC, o mercado aguarda a reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN), marcada para a próxima quinta-feira, que será a primeira sob a gestão do novo governo. A expectativa é de que seja inserida na pauta a possibilidade de antecipar a definição das metas de inflação, esperada para junho. Segundo Eduardo Correia, professor de economia do Insper, ao tentar fazer qualquer tipo de intervenção na taxa básica de juros, o presidente Lula pode cometer erros que custaram caro no passado.
"Os juros são um remédio amargo e não tem como resolver na base da canetada. A presidente Dilma (Rousseff) fez isso em 2012, antes da autonomia do Banco Central, e deu errado. Reduzir a taxa de juros para estimular a economia teria um efeito a curto prazo, mas elevaria muito mais a inflação, sem gerar um processo de desenvolvimento e crescimento sustentável da economia. A experiência passada ensina que é ruim o que o presidente quer fazer", avalia o analista, que considera perigosa uma meta de inflação mais alta sem que o governo apresente uma regra fiscal crível para substituir o teto de gastos.
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