Após encontro com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o economista-chefe da corretora Warren Rena, Felipe Salto, afirmou que o governo deve entregar uma nova regra fiscal crível, com controle de gastos e trajetória da dívida pública. Segundo o ex-secretário de Fazenda de São Paulo, isso mantém um pouco a essência do que era o controle via teto de gastos lá atrás. "Mas de uma maneira mais transparente e com maior flexibilidade", afirmou.
Especialista em contas públicas, Salto foi assessor de assuntos econômicos e fiscais do senador José Serra e o primeiro diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão vinculado ao Senado, criado com o objetivo de aumentar a transparência das contas do governo.
Durante reunião com Haddad, o economista entregou ao ministro uma proposta para agregar ao novo arcabouço fiscal. De acordo com Salto, o governo tende a rever gastos tributários e a nova âncora levará em conta os ganhos de arrecadação, diferentemente do teto de gastos original, que só podia crescer pela inflação. "Eles tendem a construir um arcabouço que permita ao governo também usufruir de eventuais ganhos superlativos, que venham acima do esperado, ultrapassando as estimativas da arrecadação", contou. Confira a entrevista a seguir:
Qual a maior urgência entre as pautas econômicas hoje?
O mais importante é a definição do novo arcabouço fiscal para que dê uma sinalização clara na direção do compromisso com a sustentabilidade da dívida pública e, mais do que isso, também o compromisso com o controle das contas públicas. O Ministério da Fazenda tem dado declarações e entrevistas nessa direção, o que é positivo. Claro que isso ajudaria também a que se iniciasse um ciclo de afrouxamento monetário e redução dos juros, que seria bom para a economia.
Como avalia a decisão do governo de antecipar a entrega do novo arcabouço fiscal? Existe alguma ideia ou pista do que está sendo preparado? O que podemos esperar desse novo conjunto de regras?
A antecipação do arcabouço foi uma excelente decisão, mostra que o ministro Haddad está no caminho certo, o que vai produzir um efeito relevante para o mercado. O que o ministério vem sinalizando, e que o próprio secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, e o secretário de Política Econômica, Guilherme Mello, andaram falando, é que a estrutura deve ser ser uma combinação de coisas, como controle da despesa e trajetória da dívida pública. Isso mantém um pouco a essência do que era o controle via teto de gastos lá atrás, mas de uma maneira mais transparente e com maior flexibilidade. Eu vejo de maneira positiva.
O secretário do Tesouro deu declarações no sentido de que o arcabouço deve ter despesas com alta menor que receitas. Como isso pode ser apresentado?
Eu diria que o Ceron está mostrando que eles tendem a construir um arcabouço que permita ao governo também usufruir de eventuais ganhos superlativos, que venham acima do esperado, ultrapassando as estimativas da arrecadação. Diferente do teto original, que só podia crescer pela inflação, quando você tiver uma dinâmica de receita um pouco melhor isso tem que ser contemplado, até porque ajuda na dívida pública.
Qual a maior preocupação do mercado em relação à proposta de arcabouço que pode vir?
Acho que o mercado está em compasso de espera, mas precisa também começar a ler com maior cuidado as sinalizações que têm sido dadas. O próprio ministro Haddad e seus secretários estão na direção correta. Eventuais turbulências vão sendo geradas no campo político, às vezes geram ruídos que dificultam essa interpretação, mas a minha avaliação é de que, se vier um arcabouço em março com essas características, vai ser positivo.
Como o governo pode compensar esse aumento de gastos recentes com o anúncio do aumento do salário mínimo, tendo em vista que a reforma tributária ainda é uma incógnita que não podemos contar a curto prazo?
Há espaço no orçamento, mas claro que o deficit público primário estimado seria afetado. Existe a possibilidade, por exemplo, de compensar com a própria reoneração dos combustíveis, que seria bem mais do que suficiente para isso, e também uma parte dos gastos discricionários. Inclusive, a sobra calculada no teto de gastos para esse ato, que é de R$ 1,945 trilhão, pode não ser totalmente gasta, o que torna o reajuste do salário mínimo equacionável.
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A reforma tributária tem sido tratada com otimismo pelo governo, que espera vê-la aprovada ainda este ano. Qual a viabilidade disso?
Entendo que a reforma tributária é um tema muito complexo que depende, inclusive, de questões setoriais. Há disputa entre o setor de serviços e a questão da indústria, mas o Bernard Appy (secretário especial da reforma tributária do Ministério da Fazenda) é muito experiente, e tanto a PEC 45 quanto a PEC 110 avançaram bastante. O que a gente precisa ter presente é que é um tema fundamental, o debate está avançando e não será fácil de aprovar. Até por isso é importante avançar logo com a regra fiscal, para depois centrar fogo na discussão da reforma tributária.
Quais devem ser os principais entraves da reforma?
O principal entrave é o federativo, a disputa dos estados, municípios e União, e essa necessidade de ter aumento de arrecadação. Claro, com a desaceleração da economia, isso é muito premente e eu já havia previsto isso no ano passado, quando o então ministro Paulo Guedes estava dizendo que os estados estavam em uma situação muito boa e que não precisavam de ajuda. Mas, na verdade, as medidas da lei complementar 194 dos combustíveis prejudicaram muito a situação dos estados. Agora, eu vejo uma inflexão neste sentido com Haddad. A outra trincheira de batalha é a dos setores de produção, serviços, agronegócio e a indústria, que também vão querer discutir em detalhe os efeitos fiscais de cada uma das medidas que compõem a PEC ou a proposta que for a mais consensual. O próprio Appy falou que será um texto construído a partir do que já está em tramitação.
De que maneira a aprovação de um pacote fiscal pode acalmar o mercado e pôr fim aos ruídos recentes, como o da guerra dos juros?
O ruído dos juros acontece em qualquer governo. Você pega o governo Fernando Henrique, quando havia muito a discussão da taxa de câmbio, nos governos que se seguiram, o governo Lula e depois o governo Dilma (Rousseff) e (Michel) Temer. Essa questão do juro é muito sensível socialmente e politicamente, então é preciso separar o joio do trigo. É natural que o presidente da República fale sobre juros, mas, ao mesmo tempo, se a independência do Banco Central for sendo respeitada e a autoridade monetária continuar o seu trabalho, muito que bem, o Ministério da Fazenda vai avançando no fiscal e vai construindo ao longo do tempo essa necessária harmonia entre o lado fiscal e o lado dos juros, o lado monetário.
Como o senhor avalia os movimentos do governo petista na área econômica até então?
Neste momento estou otimista, eu acho que vem boas notícias do lado fiscal e acho que, do lado monetário, o Banco Central vai seguir fazendo o seu trabalho. Existe sempre o risco, que tem que ser mapeado, mas a situação não é tão ruim que não possa ser transposta. Tivemos muitos problemas no governo anterior e agora há uma janela de oportunidade para corrigi-los.
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