Lisboa — Enquanto governo e operadores do mercado financeiro gastam seu tempo num debate nada produtivo em torno da taxa básica de juros (Selic), que está em 13,75% ao ano, empresários e banqueiros preferem direcionar o discurso para o social. Há uma preocupação crescente entre eles sobre a necessidade de o país debelar a fome, que afeta 33 milhões de brasileiros. “Não dá mais para adiar esse problema. Nós estamos de barriga cheia”, disse Geyze Diniz a uma plateia de 200 endinheirados que lotaram o salão nobre do Four Seasons Ritz, o mais caro hotel da capital portuguesa, em que a diária mais barata custa 1.020 euros, o equivalente a R$ 5.712, mais de quatro vezes o salário mínimo no Brasil (R$ 1.320).
Mulher do empresário Abílio Diniz e presidente do Conselho do Pacto contra a fome, um Organização Não Governamental (ONG), que ajudou a fundar, Geyze pediu a palavra porque, como afirmou ao Correio, precisava marcar posição. Não é possível, no entender dela, saber que mães estão dando água para os filhos e os colocando para dormir de dia a fim de enganar a fome. “Isso é inaceitável”, ressaltou. Para ela, não dá para ficar esperando que o governo, sozinho, resolva os graves problemas das desigualdades sociais no país. “A sociedade civil tem papel importante nesse processo. Temos de ser parceiros do governo para tirar o Brasil do mapa da fome”, assinalou.
Geyze contou que tem estudado muito o tema fome. E seria fácil resolver a questão nutricional com farináceos, como fazem as organizações humanitárias. Mas é preciso ir adiante, permitir que as pessoas, independentemente da renda, possam se alimentar de forma saudável. Na avaliação dela, além das ações públicas, é possível tirar o Brasil do mapa da fome combatendo o desperdício de comida. “Jogamos fora mais de oito vezes o necessário para alimentar os 33 milhões de brasileiros que passam fome. O que podemos fazer, então, para reverter esse quadro? Não é simples, mas precisamos agir”, assinalou a empresária, ciente de que muitos que estavam na plateia do seminário Lide Brazil Conference reclamam do aumento da pobreza, mas só se preocupam em blindar seus carros.
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Mercado de consumo
Presidente do Conselho de Administração do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, foi incisivo ao dizer que os empresários não podem ficar inertes aos problemas sociais do país: “Nós, empresários, não somos meros espectadores. Somos partícipes desta construção, temos uma dívida social”, afirmou, ao cobrar uma Lei de Responsabilidade Social, proposta que vem sendo defendida pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF). “Essa lei é tão importante quanto a fiscal. Precisamos construir métricas de desempenho para as políticas públicas. Somos nós os melhores direcionadores de investimentos. Precisamos ser um porto seguro com estabilidade, com menos desigualdade”, disse.
O banqueiro destacou que casos como o dos índios ianomâmis, que estão morrendo de fome, por terem as terras e os rios destruídos pelo garimpo ilegal, fazem todos refletirem. Há, na visão dele, pontos que tornam o Brasil uma fortaleza para enfrentar suas mazelas. “Temos o bônus de solvência de um sistema financeiro saudável, o bônus do agronegócio, em que a sustentabilidade é fundamental, e o fato de no Brasil, a dívida externa não ser um problema”, afirmou. Nesse contexto, a questão social se sobrepõe. E todos devem dar sua contribuição.
Segundo o presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Isaac Sidney, fala-se tanto em responsabilidade fiscal, mas também é preciso agir para alcançarmos objetivos sociais. “Queremos mais estabilidade para a dívida pública, mas devemos perseguir mais igualdade social”, frisou. Para ele, o caminho mais viável para se reduzir o fosso que separa ricos e pobres é o crescimento sustentado, pois gera empregos e amplia a renda. “O Brasil precisa se reencontrar com o crescimento”, assinalou, defendendo a queda dos juros. “Os bancos não precisam de juros altos para lucrar”, enfatizou.
O discurso social foi endossado pela empresária Luiza Trajano, dona do Magazine Luiza: “A desigualdade social é uma responsabilidade de todos”. Ela apresentou dados para justificar a necessidade de inclusão de brasileiros no mercado de consumo: 74% dos lares não têm secador de cabelos; 79% não têm aspirador de pó; 83% não têm cafeteira; 85% não têm batedeira; 91% não têm espremedor de frutas; e somente 15% têm máquina de lavar automática. “Isso, num país de 214 milhões de habitantes”, lembrou.
“Vou ao sertão há mais de 12 anos. É muito triste as pessoas terem de dormir para não ter sede, andar 10 km para pegar uma condução. Sem igualdade social, não se desenvolve o país. E essa responsabilidade é de todos nós, não é só dos políticos. Por favor, vamos sair do diagnóstico. Não aguento mais ouvir falar que educação é tudo. Falamos isso há 30 anos. Temos de partir para fazer acontecer. Erra, redireciona, mas vamos fazer acontecer”, disse.
Do alto de seus 86 anos, o empresário Abílio Diniz, do grupo Península e acionista do Carrefour, considera-se um “otimista” que acredita no potencial do Brasil. “O desemprego caiu de 12% para 8%, crescemos 3% no ano passado. Apesar de tudo, o país continua crescendo e podemos trazer muitos investimentos para o Brasil. Se tivermos segurança política e jurídica, o dinheiro virá”, afirmou. “Fico feliz de ver empresários e representantes da área pública falando da importância da redução da miséria e da pobreza, e que esses investimentos também cabem ao setor privado”, resumiu o ex-governador João Doria.
A repórter Denise Rothenburg viajou a convite do Lide
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