Após a inflação oficial medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) encerrar 2022 com alta de 5,79%, acima do limite de tolerância da meta, de 5%, o Banco Central foi obrigado a escrever uma carta explicativa sobre o descumprimento de sua missão determinada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) pelo segundo ano seguido.
Neste ano, a carta assinada pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, é endereçada ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, pois o CMN deverá voltar para a sua composição original após a extinção do Ministério da Economia. O ministro da Fazenda exercia a função de presidente do Conselho, integrado também pelo ministro do Planejamento e pelo presidente do Banco Central.
No documento de 20 páginas, Campos Neto deu ênfase para a preocupação do Comitê de Política Monetária (Copom) em relação à questão fiscal, citando a palavra fiscal sete vezes, em um cenário em que o mercado está apreensivo à espera do novo arcabouço fiscal prometido por Haddad. Além disso, deixou a porta aberta para novas altas na taxa básica da economia (Selic), atualmente em 13,75% ao ano, ao reforçar o alerta que não hesitará em retomar o ciclo de aperto monetário, interrompido em agosto, “caso o processo de desinflação não transcorra como esperado”.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou os dados do IPCA na manhã desta terça-feira (10/1), mostrando que o custo de vida acelerou de 0,41% para 0,62% entre novembro e dezembro, dado acima das estimativas do mercado, de 0,46% medidas pelo boletim Focus, do BC.
No documento, o presidente do BC apontou vários motivos para o descumprimento da meta de inflação em 2022, como a inércia da alta de 10,06% de 2021 e as pressões inflacionárias por conta da alta internacional dos preços das commodities em meio à guerra da Ucrânia, iniciada em fevereiro do ano passado. E, apesar de as desonerações dos impostos sobre combustíveis terem contribuído para a desaceleração do IPCA ao longo do ano, o presidente do BC destacou a preocupação com as incertezas da questão fiscal, que atrapalham o trabalho do Comitê.
Segundo o texto da carta, o Copom ressaltou na sua reunião mais recente que, “em seus cenários para a inflação, permanecem fatores de risco em ambas as direções”. Entre os riscos de alta, o destaque ficou para a maior persistência das pressões inflacionárias globais e “a elevada incerteza sobre o futuro do arcabouço fiscal do país e estímulos fiscais adicionais que impliquem sustentação da demanda agregada, parcialmente incorporados nas expectativas de inflação e nos preços de ativos”. Entre os riscos de baixa, destacou queda adicional dos preços das commodities internacionais em moeda local, desaceleração da atividade econômica global mais acentuada do que a projetada; e a manutenção dos cortes de impostos projetados para serem revertidos em 2023. “A conjuntura, particularmente incerta no âmbito fiscal, requer serenidade na avaliação dos riscos”, acrescentou.
“Em particular, o Comitê reiterou os diferentes canais pelos quais a política fiscal pode afetar a inflação não só por meio dos efeitos diretos na demanda agregada, como também via preços de ativos, grau de incerteza na economia, expectativas de inflação e taxa de juros neutra”, destacou o texto assinado pelo presidente do BC.
De acordo com o documento, o Comitê avaliou que mudanças em políticas parafiscais ou a reversão de reformas estruturais “que levem a uma alocação menos eficiente de recursos podem reduzir a potência da política monetária”. “Além disso, ressaltou-se que a existência de capacidade ociosa na economia e a confiança sobre a sustentabilidade da dívida são fatores determinantes para uma política fiscal expansionista atingir os impactos almejados sobre a atividade econômica”, emendou.
Campos Neto ressaltou que o BC tem tomado as devidas providências para que a inflação atinja as metas para a inflação estabelecidas pelo CMN, de 3,25%, para 2023, e de 3%, para 2024 e para 2025, mas reconheceu que o centro da meta só deverá ser alcançado em 2024, pois as projeções para o IPCA deste ano, de 5%, estão acima do teto da meta, de 4,75%. E, por conta disso, na última reunião do ano, considerando os cenários avaliados, o balanço de riscos e o amplo conjunto de informações disponíveis, o Copom decidiu manter a taxa básica de juros em 13,75%.
“O Comitê entende que essa decisão reflete a incerteza ao redor de seus cenários e um balanço de riscos com variância ainda maior do que a usual para a inflação prospectiva, e é compatível com a estratégia de convergência da inflação para o redor da meta ao longo do horizonte relevante, que inclui os anos de 2023 e de 2024”, escreveu Campos Neto. "De acordo com o Comunicado e a Ata da sua reunião mais recente, o Comitê se manterá vigilante, avaliando se a estratégia de manutenção da taxa básica de juros por período suficientemente prolongado será capaz de assegurar a convergência da inflação. O Comitê reforça que irá perseverar até que se consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas”, acrescentou.
Ao concluir a carta, o presidente enfatizou que os passos futuros da política monetária poderão ser ajustados e "não hesitará em retomar o ciclo de ajuste caso o processo de desinflação não transcorra como esperado”.