Estudo realizado pela LCA Consultoria aponta que 62% dos 1,2 milhão de profissionais da enfermagem no setor privado recebem abaixo do valor estabelecido pela Lei nº 14.434, que confere salários de R$ 4.750 para enfermeiros. O tema, que se arrasta há trinta anos, está em debate no novo governo, que criou um grupo de trabalho no Ministério da Saúde (MS) para consolidar as propostas e definir uma fonte pagadora para o montante estimado de R$ 16 bilhões.
O imbróglio levou o Supremo Tribunal Federal (STF) a suspender a vigência da legislação, mesmo após a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que direciona recursos para o setor público e para as entidades filantrópicas e prestadores de serviços, desde que atendam a, pelo menos, 60% de pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS).
“Conforme assumido com a enfermagem brasileira, não será na semana que vem que este projeto seguirá para sanção presidencial, mas sim tão logo garantirmos o respectivo financiamento”, disse a relatora da proposta, a deputada federal Carmen Zanotto.
A questão parecia ter chegado ao fim no ano passado, com a aprovação da lei pelo Congresso Nacional. Publicada em agosto de 2022, a legislação confere 50% do valor a técnicos de enfermagem e 35% a auxiliares e parteiras.
Em setembro, a lei foi suspensa pelo ministro do STF, Luís Roberto Barroso, ao manifestar parecer favorável em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) movida pela Confederação Nacional de Saúde, Hospitais e Estabelecimentos e Serviços (CNSaúde), que apontava a falta de uma fonte pagadora para o cumprimento do piso, o que levaria o setor a realizar demissões e extinguir leitos.
Após a decisão, o Congresso aprovou uma Proposta de Emenda à Constituição que viabiliza o pagamento do piso da enfermagem (PEC 42/2022), promulgada em dezembro pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL). A medida direciona recursos do superávit financeiro de fundos públicos e do Fundo Social para custear o piso salarial nacional da enfermagem no setor público, nas entidades filantrópicas e de prestadores de serviços, com um mínimo de atendimento de 60% de pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS).
Contudo, a proposta não vingou, uma vez que o ministro atendeu às novas alegações da CNSAúde e amicus curiae para o não cumprimento do piso por empresas de saúde privadas, alegando falta de recursos.
Na tentativa de resolver o problema, o Ministério da Saúde criou um grupo de trabalho formal para debater uma resolução com representantes do Fórum Nacional de Enfermagem, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems). Com o término do prazo de discussões na última sexta-feira (27), o colegiado deverá apresentar um relatório sobre o assunto.
No último dia 19, a ministra da Saúde Nísia Trindade Lima se reuniu com parlamentares e com o Fórum Nacional da Enfermagem, formado por oito entidades. A coordenadora do Fórum, Líbia Bellusci, destacou os resultados. "A reunião foi muito produtiva e saímos com grandes expectativas de que o governo federal solucione o pagamento do piso. Estaremos dialogando e cobrando diariamente. A enfermagem terá sua merecida valorização", afirma.
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Cenário
De acordo com o estudo realizado pela LCA Consultoria, o impacto do piso no setor de saúde pode variar de R$ 16,3 bilhões a R$ 23,8 bilhões por ano, o que representa uma fatia de 11% até 16% do orçamento do Ministério da Saúde (R$ 146,4 bilhões) previsto para 2023. O presidente da FBH, Adelvânio Francisco Morato, explica que a variação apontada pelo estudo ocorre por ainda não haver um entendimento sobre como o piso será aplicado em relação às horas trabalhadas em comparação com jornada tradicional da CLT de 44 horas. Por exemplo, se o piso para um enfermeiro com carga de 36 horas semanais é de 82% do valor de R$ 4.750 por mês ou se receberia o valor integral, independentemente da quantidade de horas.
Para o presidente, muitos hospitais fecharão as portas, uma vez que, a partir do levantamento, unidades de menor porte não têm recursos para cobrir o cumprimento do piso institucionalmente, num cenário em que 62% dos profissionais de enfermagem estão no setor privado, com 27% deles nos estabelecimentos com fins lucrativos. “Há muito debate na Câmara sobre fontes de custeio para os hospitais públicos e filantrópicos, mas quase não se fala sobre a situação da rede privada”, ressalta.
Embora São Paulo, Minas e Rio respondam por 48% do total de vínculos, o Nordeste será a região mais impactada, onde os salários deverão ser reajustados em 40% para 84% dos profissionais. Estados como Maranhão e Pernambuco chegam a ter 90% dos vínculos abaixo do piso estipulado. A situação é melhor no Sudeste, onde 37% dos trabalhadores já recebem de acordo com o PL 2564/20.
O salário pago a técnicos de enfermagem é um dos exemplos. Na região Nordeste, estes profissionais ganham cerca de R$ 2.266, quando deveriam receber R$ 3.325, caso a lei estivesse vigente. A situação é similar no Norte e no Centro-Oeste, onde os salários são de R$ 2.526 e R$ 2.890, respectivamente. No Sudeste, região com maior concentração de enfermeiros, o valor é de R$ 2.979. A região Sul é a única a pagar salários acima do corte, no valor R$ 3.369.
Para as entidades que questionam o valor estabelecido, o maior problema é que o piso de enfermagem não considerou as discrepâncias regionais que existem no Brasil.
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