Negócios

Americanas tenta contornar crise pedindo mais prazo para lidar com dívidas

Empresa quer mais tempo para apresentar lista de credores. Maiores acionistas afirmam que desconheciam rombo de R$ 20 bi

Marcos Braz*
postado em 24/01/2023 03:55
 (crédito:  Marcelo Ferreira/CB/D.A. Press)
(crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A. Press)

A Americanas pediu mais 48 horas de prazo para apresentar à Justiça a lista completa com mais de 16,3 mil credores da empresa e a "discriminação específica do passivo" de cada um deles. Os advogados da companhia argumentam, em petição enviada à 4ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, que o prazo de 48 horas dado na sexta-feira para que a lista se tornasse pública não terminou ontem, mas vai até amanhã, quarta-feira.

Responsável pelo caso, o juiz Paulo Assed Estefan não teria especificado quando começava a contagem dos prazos, segundo a equipe jurídica da varejista, o que gerou divergências de interpretação entre advogados. O protocolo é que uma empresa, ao pedir recuperação judicial, já anexe ao processo a lista completa de credores. Mas como a Americanas requereu antecipadamente uma tutela cautelar preparatória de recuperação judicial, anexou apenas o que seria a "primeira parte" da lista, sem apontar todos os funcionários e fornecedores que têm dívidas a receber da companhia, nem os valores devidos a cada um.

A Lei de Recuperação e Falências (nº 11.101, de 2005), determina que os prazos nesse tipo de processos devem se dar em dias corridos, o que também consta de decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) nesse mesmo sentido. Mas, no pedido enviado ao juiz, os advogados da Americanas argumentam que a contagem em dias úteis se baseia no parágrafo 1º do artigo 224 do Código de Processo Civil, que diz: "os dias do começo e do vencimento do prazo serão protraídos para o primeiro dia útil seguinte, se coincidirem com dia em que o expediente forense for encerrado antes ou iniciado depois da hora normal ou houver indisponibilidade da comunicação eletrônica". Na sexta-feira, foi feriado na cidade do Rio de Janeiro, sem atividade forense.

Manobras

Enquanto a equipe jurídica trabalha pela extensão do prazo de entrega da lista, os principais acionistas das Lojas Americanas negam que tenham tido conhecimento antecipado dos problemas na empresa, que surpreendeu o mercado ao revelar um rombo de R$ 20 bilhões no balanço. Em carta divulgada à sociedade no último fim de semana, os bilionários Jorge Paulo Lemann, Marcel Herrmann Telles e Carlos Alberto Sicupira, da 3G Capital, afirmaram que sempre pautaram sua atuação na ética e nos princípios da boa governança.

"Jamais tivemos conhecimento e nunca admitiríamos quaisquer manobras ou dissimulações contábeis na companhia. Nossa atuação sempre foi pautada, ao longo de décadas, por rigor ético e legal. Isso foi determinante para a posição que alcançamos em toda uma vida dedicada ao empreendedorismo, gerando empregos, construindo negócios e contribuindo para o desenvolvimento do país", diz a carta.

Os empresários também pontuaram, no documento, o fato de a Americanas contar com a auditoria do grupo Pricewaterhouse Coopers (PwC). Segundo eles, essa empresa é "uma das maiores e mais conceituadas do ramo". "Ela (PwC), por sua vez, fez uso regular de cartas de circularização, utilizadas para confirmar as informações contábeis da Americanas com fontes externas, incluindo os bancos que mantinham operações com a empresa. Nem essas instituições financeiras nem a PwC jamais denunciaram qualquer irregularidade", argumentam os bilionários.

Além da Americanas, o grupo 3G Capital é o principal acionista de companhias como a empresa do ramo de bebidas Ambev e a rede de fast food Burger King. Na carta, Jorge Paulo Lemann, Marcel Herrmann Telles e Carlos Alberto Sicupira informam que um "comitê independente" irá apurar os fatos e buscar explicações sobre o rombo contábil. Esse grupo de análise, também irá "avaliar a eventual quebra de simetria no diálogo entre os auditores e as instituições financeiras". Ao final da nota, os empresários lamentam "profundamente" as perdas sofridas pelos investidores e os credores da Americanas e reforçam o "empenho em trabalhar pela recuperação da empresa, com a maior brevidade possível".

Ações de bancos caem

Principal índice da Bolsa de Valores de São Paulo (B3), o Ibovespa caiu 0,27% ontem, aos 111.737 pontos. Mais uma vez, as ações de bancos foram novamente o destaque negativo da sessão, penalizadas pela exposição ao rombo bilionário da Americanas. Embora o índice tenha sustentado ganhos ao longo do dia, embalado pelo aumento dos preços de petróleo, declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre o papel do BNDES reforçaram para o mercado o temor com a política econômica do governo, e levaram a Bolsa brasileira à segunda baixa seguida

Após encontro com o presidente da Argentina, Alberto Fernández, Lula disse a empresários do país que o banco de fomento voltará a financiar projetos de engenharia para ajudar países vizinhos e empresas brasileiras que operam no exterior. A política foi adotada nos governos petistas e é mal vista pela maior parte do mercado. Na esteira das declarações, o Ibovespa tocou a mínima de 111.541 pontos, em queda de 0,45%. Durante a manhã, chegou à máxima de 113.061 pontos ( 0,91%).

"As falas de Lula sugerem uma intervenção estatal direta nas empresas, e isso deixa o mercado em polvorosa, porque volta o filme antigo da Petrobras, dos fundos de pensão, na cabeça do investidor", disse o economista-chefe da Frente Corretora, Fabrizio Velloni.

Principal responsável pela baixa do Ibovespa, o setor financeiro caiu 2,04%, pressionado pela exposição dos bancos ao rombo bilionário das Americanas. Críticas feitas na semana passada pelo presidente à autonomia formal do Banco Central também incomodam. Os papéis do Bradesco PN (-4,23%) e Santander (-4,08%) representaram, respectivamente, a maior e a terceira maior baixa do índice.

Em contrapartida, o aumento dos preços de commodities continuou a favorecer os papéis de empresas ligadas ao cenário externo. Os contratos futuros do petróleo fecharam com sinais divergentes, em um pregão marcado pela volatilidade com o fechamento dos mercados na China, Coreia do Sul e Taiwan, devido ao feriado de Ano Novo Lunar. Mesmo assim, a subida de 0,64% do Brent para março amparou os ganhos da Petrobras ( 2,31% ON, 1,59% PN), que ajudou a limitar as perdas do Ibovespa.

*Estagiário sob a supervisão de Odail Figueiredo

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