Mercado editorial

Livrarias físicas reconquistam espaço pós-pandemia e setor mostra crescimento

Período pós-pandemia registra, especialmente nas cidades menores, desejo de crescimento do setor. Tendência é que megalivrarias deem espaço a locais mais compactos e espalhados pelo país

Raphael Pati*
postado em 15/01/2023 03:30
 (crédito: Divulgação)
(crédito: Divulgação)

Um grande prazer para os leitores assíduos é entrar em uma livraria e se deparar com estantes repletas de obras literárias dos mais diversos gêneros e estilos. O leitor adicto, que gosta de sentir texturas e cheiros de suas obras prediletas, sofreu com o isolamento social sem poder fazer suas tradicionais visitas a esses espaços. Até porque, no período da pandemia, muitas livrarias tiveram que fechar as portas — algumas delas, definitivamente — e as que restaram precisaram se recuperar ou até mesmo se reinventar para continuarem funcionando.

No cenário atual, as livrarias voltam a ganhar espaço, não só nas grandes cidades, como também nas menores. A Associação Nacional de Livrarias (ANL) mostra que, desde 2021, houve a abertura de mais de 100 estabelecimentos físicos no Brasil. A expectativa é de, nos próximos anos, alcançar a quantidade registrada em 2013, quando havia 3.029 livrarias abertas no país. A ANL estima que o número atual é de, mais ou menos, 2.700 lojas.

Mas, não faz muito tempo, o cenário era desalentador. Enquanto as lojas virtuais, como a Amazon e o Magazine Luiza, dobravam a porcentagem das suas participações no faturamento do mercado editorial — de 12,7% em 2019, para 24,8% em 2021 —, as livrarias físicas encolheram sua parcela nessa receita, de 50,5% em 2018, para 30% em 2020.

Além disso, o mercado editorial, como um todo, apresentou redução de 8,8% de 2019 para 2020. Os dados são da Pesquisa Produção e Vendas do Setor Editorial realizada no ano passado pela Câmara Brasileira do Livro (CBL). Ao todo, no primeiro ano da pandemia, foram impressos 314 milhões de exemplares (82% em reimpressão e 18% de novos títulos), uma redução de 20,5% na tiragem total de livros.

Mesmo que tenha se agravado na pandemia, a crise do setor de livrarias físicas começou um pouco antes. "Tivemos problemas com a economia do Brasil em 2015 e 2016, e depois um problema pontual com duas redes, que tiveram recuperação judicial em 2018. Quando o mercado estava se recuperando, houve os fechamentos por causa da pandemia", lembra o presidente da Associação Nacional de Livrarias (ANL), Marcus Teles.

Retomada

As duas grandes redes de lojas — a Cultura e a Saraiva — entraram em recuperação judicial no final de 2018, após o atraso de pagamento a funcionários. Na época, a estratégia de competir com os preços mais baratos da Amazon na internet não deu muito certo e as duas empresas mergulharam em uma crise financeira.

O CEO da Saraiva, Marcos Guedes, conta que o plano de recuperação foi aprovado no final de 2019, quando o setor de livrarias já estava em ritmo de ascensão e com boas perspectivas de crescimento. Mas ninguém contava que viria uma pandemia para atrapalhar os planos. A alternativa para a Saraiva foi a redução de lojas e de funcionários, além de simplificar a organização dos estabelecimentos.

"Ela saiu de 73 lojas para 35 lojas em todo o Brasil. Essa decisão foi tomada para preservar o caixa e a companhia. A minha decisão foi reorganizar a empresa, simplificar a operação para fortalecer. Simplificar no sentido de parar de vender CDs de música, games, e focar, basicamente, em livraria e papelaria e manter as lojas existentes", explica Guedes.

Atualmente, a Saraiva se encontra na fase final de sua recuperação judicial. Em novembro, ela anunciou a retomada do plano de expansão e a expectativa é abrir 10 unidades até o final deste ano. A rede também pretende investir no setor cultural, com a retomada da agenda de eventos nas lojas, com rodas de leituras para crianças e lançamentos de livros.

Além disso, uma das principais propostas da Livraria Saraiva é atrair investidores para ressuscitar a marca Siciliano. Com objetivo de retomar a confiança do mercado, a companhia vai relançar a marca que já foi uma das principais livrarias do país, adquirida pela Saraiva em 2008.

A ideia é começar um plano de expansão para cidades do interior do país, onde ainda há muito espaço para crescimento. Segundo a Unesco, o Brasil, até recentemente, dispunha de uma livraria para cada 96 mil habitantes. Para a organização, o ideal seria que houvesse uma para cada 10 mil, o que reforça o grande potencial de crescimento do setor.

"Existe um certo espaço para o setor crescer no país. A carência de livrarias não é em São Paulo ou no Rio, mas é nas cidades médias e pequenas. A ideia é criar uma rede de livrarias para conseguir fazer com que o editor que está na cidade grande consiga falar com o que está nas cidades pequenas e que consiga levar o seu livro para o Brasil inteiro", destaca Guedes.

Lojas menores

Uma das principais mudanças após a pandemia e a crise no setor foi a queda no número de 'megalivrarias' — que poderiam até ultrapassar os 3 mil m², como era o caso das unidades da Livraria Cultura no Iguatemi Brasília e no Casa Park, que tiveram que fechar as portas recentemente. "A gente chegou a ter cerca de 10 megalivrarias acima de 1 mil m² e agora deve ter a metade disso. Então houve mais uma perda de área de grandes livrarias do que de fechamentos", destacou o presidente da ANL, Marcus Teles.

Para Rui Campos, sócio da Livraria da Travessa, o término da fase das megalivrarias é uma oportunidade para o surgimento de livrarias menores, que podem chegar a mais lugares do país. "A época das megalivrarias foi passando e hoje você vê dezenas de livrarias sendo abertas no Brasil. Ainda não é o que a gente precisa. Precisamos espalhar mais pelo interior e pelas cidades médias e pequenas, mas a gente tem visto o surgimento de muita coisa nova", acredita.

"Não existe uma livraria igual à outra. Cada livraria tem uma estratégia, tem uma curadoria, e nenhuma é desimportante. É importante no mundo do livro que haja muita diversidade, tanto em relação a livrarias, quanto a títulos disponíveis. O mercado livre precisa ser muito 'bibliodiverso'", completa o sócio.

Muito visitada e conhecida em Brasília, a Livraria Sebinho, na 406 Norte, além de vender livros, é um espaço cultural que promove eventos literários, musicais e possui uma área de bistrô. Durante a pandemia, a loja teve de ficar fechada por mais de quatro meses, sem receita nenhuma. A proprietária Cida Caldas conta que o período não foi fácil, mas também disse que a volta dos clientes trouxe muito alívio.

"O que a gente percebeu é que, no pós-pandemia, as pessoas estavam necessitadas de sair, de frequentar os lugares que gostavam, foi muito tempo em casa, então percebi que houve um retorno muito grande dos clientes, que contavam inclusive isso, 'ai, nossa, que saudade que eu estava de vir para a livraria, de escolher o livro, eu próprio", relata.

Para este ano, a ideia do Sebinho é retomar a agenda cultural, após quase quatro anos sem eventos frequentes. "O Sebinho tem vários eventos culturais que ocorrem aqui, como lançamento de livros, algumas datas comemorativas que fazem parte da livraria, como o Bloomsday, como o Dia D, que é o aniversário de Carlos Drummond de Andrade, aniversário da Clarice, entre outros. Então o nosso objetivo é dar um gás maior a esses eventos de cunho cultural", afirma.

*Estagiário sob a supervisão de Carlos Alexandre de Souza

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