reestruturação fiscal

Governo cria programa de renegociação de litígios junto ao Carf

O novo programa envolvendo o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) consiste em conceder descontos e maiores facilidades para pessoas físicas e micro e pequenas empresas quitarem débitos

Rosana Hessel
postado em 12/01/2023 19:45 / atualizado em 13/01/2023 00:12
 (crédito:  Ed Alves/CB)
(crédito: Ed Alves/CB)

Uma das medidas para a reestruturação fiscal anunciadas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, está na criação de um programa envolvendo o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) que, durante o governo Jair Bolsonaro (PL), vinha perdendo ações e ampliando as despesas do governo federal.

As novas atribuições do Carf serão criadas por meio de uma das três medidas provisórias que foram assinadas, nesta quinta-feira (12/1), pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e vai marcar o lançamento do programa “Litígio zero”, de acordo com o ministro. Nesse sentido, o programa conta com uma espécie de Refis para pessoas físicas e jurídicas renegociarem débitos que estão sendo contestados junto ao Carf. Atualmente, o estoque de valores dos processos no tribunal é de R$ 1,087 trilhão, quase o dobro da média entre 2015 e 2019, de R$ 600 milhões. A meta é reduzir esse volume de contenciosos ao máximo possível.

O novo programa consiste em conceder descontos e maiores facilidades para pessoas físicas e micro e pequenas empresas quitarem seus débitos junto ao Fisco, segundo o secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, que negou que o programa seja um novo Refis. Uma das novidades do plano é o fato de as empresas que tiverem prejuízo poderem abater integralmente as perdas em um único ano sobre o estoque de débitos junto à União. Atualmente, o limite para cada ano chega a 30% das perdas.

“Pela primeira vez o governo vai permitir prejuízo fiscal para compensação de parcelas do débito, mas apenas neste programa extraordinário, com adesão limitada”, alertou. Segundo ele, as empresas com prejuízos nos anos anteriores poderá pagar o Imposto de Renda “com um pequeno desconto”, e utilizar o estoque de perdas para quitar entre 52% e 70% do débito.

Pessoas físicas e micro e pequenas empresas que quiserem quitar o débito com a União terão um descontos de 40% a 50% sobre o valor total do débito, incluindo juros e multas. O prazo para pagamento será de até 12 meses para pagar. O prazo para adesão ao programa de transação começa em 1º de fevereiro e termina em 31 de março, podendo ser feito de forma eletrônica no portal e-Cac da Receita Federal.

De acordo com Barrerinhas, existem mais de 30 mil processos com o perfil de renda ou faturamento de até 60 salários mínimos, que somam R$ 720 milhões no Carf e mais de 170 mil processos nas delegacias da Receita, totalizando R$ 3 bilhões.

Outra medida prevista para o programa anunciada pelo ministro e o secretário é o fim do recurso de ofício para valores de até R$ 15 milhões. Com isso, o contribuinte vence na primeira instância e o litígio acaba definitivamente e haverá a extinção automática abaixo de mil salários mínimos passarão a ser julgados nas delegacias. Hoje, o corte é de 60 salários mínimos (R$ 78,1 mil). A expectativa da pasta é de uma redução de mais de 70% dos processos que entram no Carf e representam menos de 2% do valor total.

Além do programa de redução de litígios no Carf, as demais medidas anunciadas por Haddad, segundo ele, se forem 100% efetivas poderão reduzir o rombo fiscal deste ano, previsto em R$ 231,55 bilhões para um superavit primário de R$ 11,13 bilhões, ou seja, um impacto fiscal de R$ 242,68 bilhões.

O ministro prevê uma receita de R$ 50 bilhões com o programa neste ano, mas a planilha da apresentação estima uma arrecadação extraordinária e permenante de até R$ 70 bilhões.

De acordo com Barreirinhas, apesar de indicarem aumento da dívida pública, as medidas “caminham para uma estabilização da trajetória da dívida”, entre 75% e 80% do Produto Interno Bruto (PIB), podendo haver um início de queda até 2025. “O efeito mais consistente das medidas poderá ficar na estabilidade da dívida, o que coloca o país em uma situação mais mais sustentável em termos de endividamento público em termos de médio e longo prazo”, frisou.


Voto de qualidade

Outra medida que inclui a volta do voto de qualidade do Carf, que é composto por representantes do governo e da sociedade civil, e, quando havia empate, a decisão era sempre favorável ao contribuinte. O retorno desse voto de minerva, que é sempre indicado pela Fazenda, está provocando reações negativas no mercado.

A Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), que representa mais de 450 empresas, que respondem por 20% do PIB e 88% do valor do mercado de capitais, criticou a medida e lembrou que a constitucionalidade do voto. “O Carf é um órgão técnico que julga recursos dos contribuintes contra atos administrativos da Receita Federal. A atribuição de um eventual aumento na arrecadação decorrente da alteração no processo decisório demonstra uma compreensão equivocada. Não é possível estimar ganhos de arrecadação dessa medida a menos que se pressuponha interferência nos julgamentos, o que seria uma desvirtuação ainda maior do órgão, nem indicar essa alteração como uma solução para o crescente problema fiscal do país”, destacou a entidade, em nota enviada ao Correio.

Para a Abrasca, a retomada do voto de qualidade irá, mais provavelmente, ter um efeito de aumentar o contencioso, ao contrário do prometido pela medida. “Ela forçará os contribuintes de todos os portes a recorrem ao Judiciário em casos em que especialistas em tributação do próprio Fisco e dos contribuintes consideram duvidosos”, acrescentou. A entidade informou que gostaria de participar de uma agenda construtiva que deveria envolver uma avaliação da produtividade do Carf e um debate sobre formas de fortalecê-lo.

Mas as críticas não ficaram restritas ao voto de qualidade e a nova versão de um Refis. Apesar de elogiar a dispensa de recurso de ofício em processos de até R$ 15 milhões, a Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), informou que a a medida que limita o acesso ao Carf aos processos de valor superior a mil salários mínimos "traz enorme preocupação".

"A limitação de valores acima de mil salários mínimos retira a possibilidade de milhares de contribuintes de discutir seus processos em um tribunal paritário. Nesse contexto, a Firjan ressalta a necessidade de um esforço conjunto de todos os poderes e da sociedade brasileira para a aprovação de reformas estruturantes e para a definição de um novo arcabouço fiscal, ou seja, de regras que definam a sustentabilidade das contas públicas", acrescentou a entidade.


Nesse contexto, a Firjan ressalta a necessidade de um esforço conjunto de todos os poderes e da sociedade brasileira para a aprovação de reformas estruturantes e para a definição de um novo arcabouço fiscal, ou seja, de regras que definam a sustentabilidade das contas públicas.

 

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