Entrevista | Fernando Honorato | Diretor de Pesquisas do Bradesco

"Difícil ficar otimista com o PIB", diz diretor de pesquisas do Bradesco

Executivo espera uma preocupação fiscal da equipe econômica definida por Luiz Inácio Lula da Silva, mas considera o endividamento das famílias e os juros altos em 2023 como obstáculos para uma retomada econômica mais vigorosa

Rosana Hessel
postado em 01/01/2023 03:55
 (crédito:  Carlos Vieira/CB)
(crédito: Carlos Vieira/CB)

A economia brasileira deverá crescer 1% em 2023, pelas novas projeções do Bradesco, da estimativa anterior para o Produto Interno Bruto (PIB), de 0,5%, mas isso não quer dizer que a atividade estará ganhando fôlego. Pelo contrário, alerta o diretor de Pesquisas e Estudos Econômicos da instituição financeira, Fernando Honorato. Ele reconhece que a taxa básica de juros (Selic), atualmente em 13,75%, seguirá em patamares elevados e ajudará a desacelerar o PIB. "O nível de endividamento das famílias, multiplicado pela nova taxa de juros, vai cobrar um preço em termos do consumo. Então, é por isso que é difícil ficar muito otimista com o PIB de 2023", explica Honorato, em entrevista ao Correio. O especialista ressalta que o cenário externo não deverá ajudar muito na retomada da atividade, que está em processo de desaceleração, pois entrará em uma nova recessão global no ano que vem. Sobre o novo governo, Honorato avalia que o mercado está exagerando um pouco com a desconfiança em relação à piora do quadro fiscal. Ele aposta que o futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e o restante da equipe econômica entendem as consequências que um desarranjo fiscal pode proporcionar na economia: inflação e juros mais altos. A seguir, os principais trechos da entrevista.

O Brasil e o mundo enfrentarão um cenário bastante adverso em 2023. O que esperar diante das primeiras sinalizações dos futuros ministros?

O ambiente externo, como você notou, será bastante diferente do que foi nos últimos anos. Será a primeira recessão por razões econômicas desde 2008. A última recessão global, de 2020, foi na pandemia, mas por razões de saúde pública. Agora, por razões econômicas, vai ser a primeira desde 2008, e em um ambiente com taxas de juros bem mais altas. Não vemos esses níveis de juros desde o começo dos anos 2000, final dos anos 1990. E, certamente, nós não vemos essas taxas de juros positivas desde 2008 também. E isso tem muitas implicações para os países emergentes.

Por quê?

Basicamente, diria que é um mundo que tem menos demanda por bens e serviços e um mundo em que as commodities vão estar em preços mais deprimidos do que estavam ao longo de 2022. Isso já está claro quando se olha para petróleo, soja, metais. Engraçado que as commodities agrícolas caíram bem menos do que as industriais, metálicas e energéticas, mas também sofreram um pouco. Esse é o tipo de ambiente em que os investidores costumam ficar mais restritivos, porque as taxas de retorno e de risco, lá nos Estados Unidos, serão bem mais altas. E vamos ter uma escassez maior de liquidez, que será menor ainda para os emergentes porque, tipicamente, aumenta a aversão ao risco. Então, é esse ambiente que o Brasil e todos os emergentes enfrentarão no ano que vem. E ainda tem a questão da China, que não está exatamente resolvida.

Vocês melhoraram de 0,5% para 1% a previsão de crescimento do PIB brasileiro em 2023, o que parece mais otimista do que o mercado. Que fatores levaram a essa revisão?

No caso do PIB, a nossa revisão vem essencialmente de dois fatores. De um lado, teve a própria revisão do IBGE, que elevou o nível da economia como um todo. Foi absolutamente metodológico. Não tem nada de política econômica, porque mudou o nível do PIB. Ao fazer isso, quando a gente olha, no quarto trimestre, a economia está perdendo força. Mas ela está perdendo força um pouco mais devagar do que prevíamos antes, e isso faz com que o carregamento estatístico (carry over) eleve o PIB. Isto é, mesmo crescendo perto de zero na margem ao longo de 2023, ele cresce 1%, na média. Então, eu diria que, essencialmente, com efeito estatístico, porque o efeito econômico, não é como nós falávamos, ele tem duas fontes muito claras de desaceleração da economia brasileira. A primeira é o mundo, incluindo China, os preços das commodities em queda e as próprias incertezas em torno da guerra na Ucrânia. E no caso brasileiro, a taxa Selic, que está lá em 13,75% ao ano, com um juro real de 8%. É um juro bastante restritivo, e, portanto, faz a economia desacelerar também.

Há outros fatores?

Tem um pedaço da expectativa de crescimento de 2023 vindo da manutenção de alguns dos gastos públicos, como Auxílio Brasil ou outro programa que será mantido. Mas isso não é tão importante na nossa conta, porque estamos estimando que a despesa em relação ao PIB vai ficar mais ou menos estável ou, no máximo, crescendo um 0,4 ou 0,5 ponto percentual. Então, essa mudança de 0,5% para 1% (na projeção do PIB) tem menos a ver com a nova política econômica, digamos assim, e mais com as estatísticas, ainda que, claro, de quanto o novo governo vier a gastar. Se ele gastar o cheque inteiro da PEC da Transição, isso pode mudar um pouquinho as estimativas de crescimento no ano que vem. Esse é o primeiro ponto, pois o carry over do PIB de 2022 para o de 2023 será de 0,5%. Antes, estava em torno de zero. O segundo fator é que as estimativas para a safra do próximo ano estão melhorando a todo momento. Então, isso tem feito com que as apostas para o ano que vem sejam revisadas para cima.

E o que podemos esperar do ponto de vista fiscal?

Eu tenho tentado separar a discussão em dois horizontes, o de curto prazo e o de médio prazo. No curto prazo, há um certo exagero em atribuir aos gastos a piora do resultado primário de 2023. O que eu quero dizer com isso aqui? Um relatório do Tesouro Nacional mostra que o resultado primário vai sair de 1,1% do PIB, neste ano, para -1,2% do PIB no ano que vem. Então, tem uma piora do resultado primário de 2,3% do PIB. O ministro Fernando Haddad tem dito que pretende manter as despesas constantes em relação ao PIB. Se isso for verdade, vamos descobrir que, ao longo do ano, toda a piora do resultado primário, esses 2,3 pontos do PIB, virá da queda de receitas. Ela vem da perda de arrecadação do governo federal e da perda de receita dos estados e municípios. Logo, me parece exagero em atribuir ao gasto e à PEC de transição propriamente dita. A piora do primário aconteceria com ou sem a PEC. Claro que o tamanho do deficit vai depender de quanto o governo gastar da PEC. Mas essa piora do resultado aconteceria sem a PEC.

Mas essa previsão de deficit primário de 1,2% do PIB já está considerando a PEC?

Na verdade, com uma despesa estável. Nessa conta estamos considerando um gasto menor, em torno de R$ 100 bilhões. Se o novo governo gastar a PEC inteira, estamos falando em um deficit em torno de 1,5% do PIB. Mas voltando, acho que tem um exagero nessa nossa crítica ao efeito da PEC no primário do ano que vem. As dúvidas em relação ao efeito da trajetória da dívida pública no médio prazo sobre a inflação e os juros, essas dúvidas são legítimas.

O que quer dizer com isso?

Hoje, não sabemos qual é um novo arcabouço fiscal que vai prevalecer no país nos próximos anos. A PEC da Transição até estabeleceu que o governo tem que definir isso no ano que vem. Mas nós não sabemos qual é. Até agora, a informação que temos do novo governo é que ele tem um cheque para gastar de R$ 150 bilhões da PEC, mas faltam as informações, como quanto a qual vai ser a tributação, quais vão ser as regras de gastos lá na frente, como vai ser a medida de eficiência dos programas, se vai ter algum ajuste de eficiência ou não. Então, como faltam essas informações, eu compreendo que o mercado tenha feito o movimento que fez.

Que movimento foi esse?

O mercado financeiro colocou mais inflação nos cenários, e, com isso, a inflação implícita subiu e as curvas de juros também subiram em paralelo, porque há essa dúvida em relação à política fiscal. Não me parece que haja um fatalismo no sentido de que necessariamente isso vai acontecer, que nós estamos fadados a ter mais inflação e mais juros a médio prazo. Eu não consigo discordar dessa interpretação que os mercados têm feito em relação à PEC, especialmente no cenário de juros e de inflação. Dito isso, acho que o ministro Fernando Haddad, a senadora Simone Tebet (ministra do Planejamento), o Gabriel Galípolo (secretário-executivo da Fazenda), o Bernard Appy (secretário especial da Reforma Tributária), que estão na equipe econômica e um conjunto de pessoas ao redor do time econômico, como o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin, no Mdic (Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior), têm plena consciência que o governo não pode passar os próximos anos sem ter uma boa regra fiscal. Acho que eles atuarão de maneira pragmática.

O que acredita que eles farão?

Ao longo dos próximos seis a oito meses, eles vão nos informar sobre dois assuntos: quais são essas regras e qual vai ser a reforma tributária, ou quais vão ser os impostos que eles vão aumentar na esteira desse deficit que ainda é grande. Na medida em que as informações forem aparecendo, vamos conseguir medir com maior precisão o tamanho do deficit público de 2023. Eu suspeito que possa ser menor do que esse que estamos estimando hoje. Se isso for verdade, o pedaço desse prêmio de inflação e de juros que os mercados colocaram vai diminuir. E aí, de fato, no meu último ponto aqui, eu acho que é isso que tá na equação deles. Por exemplo, quando tem a discussão de PIS-Cofins sobre combustíveis.

Voltando à questão do arcabouço fiscal. Qual seria o caminho mais razoável para a nova regra?

Não existe apenas uma regra. Tem várias regras possíveis para se colocar em pé. Como você mesmo falou, tem regras de gasto como o teto. Aliás, o Brasil é um dos poucos países do mundo que tem uma regra assim. Eu, a propósito, acho uma regra bem interessante, mas difícil de cumprir. Era uma regra boa. Mas tem regras de teto, regra de primário, como o Brasil viveu, tem regra como nos Estados Unidos, em que o Congresso tem que aprovar um limite extra no Orçamento quando a dívida chega a certos patamares, enfim, tem vários modelos possíveis. Não tenho preferência por qualquer modelo específico.

Será possível algum ajuste via gasto ou via aumento de imposto?

Eu tenho a impressão que essa equação vai ser fechada (pelo novo governo) com uma parte da arrecadação e com uma parte de aumento de impostos. Aliás, o próprio ministro Paulo Guedes falava em tributar dividendos, por exemplo, para financiar o adicional de R$ 200 do Auxílio Brasil. Acho que um pedaço vai ser equacionado via tributação, sim. E eu acredito que isso vem de uma combinação de eficiência da reforma tributária, porque se economia operar de forma mais eficiente, ou seja, conseguir crescer melhor, é possível arrecadar mais mesmo sem aumentar as alíquotas. Uma parte vem de uma eficiência de uma boa reforma tributária e vem também, eu imagino, de um aumento de arrecadação, via aumento de alíquotas. Não sabemos quais são os candidatos. Parece que lucros e dividendos, JCP (Juros sobre Capital Próprio) são candidatos, pelo que temos ouvido do debate público. Agora, do lado dos gastos, tem algumas coisas que podem ser feitas.

Por exemplo?

Isso talvez seja papel da ministra do Planejamento, como é o caso do Auxílio Brasil. Um relatório do Tesouro Nacional mostra que, antes da flexibilização das regras, havia cerca de 10% das famílias monoparentais. Agora, estamos falando de um universo de mais ou menos 27% a 28% do total de beneficiários recebendo como famílias monoparentais. E isso mudou em um ano. Veja, não estou falando que estão pegando dinheiro indevidamente, mas o incentivo está sendo dado para que a estrutura familiar seja monoparental. E cada um recebe individualmente o benefício. É isso que se supõe que esteja acontecendo. Ali tem espaço para eficiência do gasto, e, provavelmente, entrando em uma reforma administrativa também. Não sei se vai avançar ou não, mas acho que tem algumas outras despesas que podem ser revistas. Mas boa parte da equação virá do lado da receita, da arrecadação. Acho que o governo eleito tem uma boa visão de que ele consegue fazer a economia crescer mais e acelerar o PIB.

Vocês aumentaram a estimativa para a Selic no fim de 2023, de 11,75% para 12,25% ao ano. O que vai ser da economia com juros nesse patamar ao longo do ano, com juro real em torno de 8%?

Sim. É bastante juro real, que é um nível muito alto mesmo. Nós nunca embarcamos na tese de que o juro cairia cedo. Isso antes das eleições, inclusive. A nossa lógica, é que as metas de inflação, de 3,25%, no ano que vem, e de 3%, em 2024, são plausíveis sob certas condições. Ou seja, tem que ter um câmbio estável ou o real valorizando, com os preços das commodities caindo e com algum apoio da política fiscal. Mas temos um problema para chegar a uma inflação de 3% no médio prazo. Ou vamos ter um desenho fiscal que acalma o câmbio, faz o real apreciar e fazer o gasto público não crescer tanto, senão a inflação média vai ser mais alta do que isso. Se o gasto público dos próximos anos for percebido como grande, sem uma fonte de financiamento ou de receita, acho que é natural que o mercado trabalhe com uma inflação média um pouco mais alta e juro mais elevado do que no passado.

Os principais motores do PIB são investimento e consumo das famílias. Com um cenário de juro mais alto por mais tempo e com a maioria das famílias endividadas, como fazer a economia crescer mais de 1%?

Os motores são consumo e investimento na ótica da demanda, e agricultura do lado da oferta. Existe uma demanda ainda da pandemia por investimentos e pelo consumo. Está melhorando. Mas o nível de endividamento, multiplicado pela nova taxa de juros, também vai cobrar um preço em termos do consumo. Então, por isso, é difícil ficar muito otimista com o PIB de 2023.

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