O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assumirá o terceiro mandato com desafios muito maiores do que os que enfrentou em 2003, quando foi eleito pela primeira vez para ser o servidor número um do país. Cumprir a principal promessa, de combater a pobreza, que voltou a crescer e atinge 33 milhões de brasileiros, será uma tarefa difícil, porque ele herdará uma economia mais combalida do que quando estava no poder, com Produto Interno Bruto (PIB) potencial baixo, entre 1,5% e 2%. E, sem uma boa política econômica que se preocupe também com a questão fiscal, Lula não conseguirá fazer muito mais pelo social, muito menos tirar o país da armadilha da renda média baixa, alertam especialistas. Eles lembram que a projeção de piora na questão fiscal acendeu o alerta do Banco Central que, na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), no início de dezembro, deixou a janela aberta para a volta do aumento da taxa básica da economia (Selic), atualmente em 13,75% ao ano. Com isso, o freio de mão da atividade econômica ficará puxado ao longo do próximo ano.
O relatório da equipe de transição confirma esse cenário, ao constatar que o legado do último governo foi marcado "por baixo crescimento, inflação alta, perda de poder de compra do salário e perda de credibilidade do arcabouço fiscal, que culminou em uma proposta irrealista de lei orçamentária para 2023". O documento destaca que o crescimento médio do PIB, no período 2019-2021, foi próximo de 1% ao ano. Na média dos quatro anos, a expectativa é de que o governo Bolsonaro termine o mandato com crescimento médio próximo a 1,5%, inferior à média verificada no governo Temer.
De acordo com o economista Simão Davi Silber, professor da Universidade de São Paulo (USP), existem dois cenários para a economia brasileira nada animadores. O primeiro, deste ano que ainda não terminou, teve algumas surpresas positivas de janeiro a junho, mas indica desaceleração no segundo semestre. Para piorar, apesar da queda do custo de vida ao longo do ano, a inflação ainda continua elevada. "Esse cenário benigno de 2022 não deve continuar, e 2023 é um ano com um cenário tóxico. As palavras do presidente eleito indicam um ano com desempenho ruim, do ponto de vista econômico, e, por extensão, do ponto de vista social", alerta.
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Na avaliação de Silber, a sinalização de Lula de retomar uma política de aumentar gastos e ressuscitar um domínio maior de empresas estatais vai ter um resultado completamente oposto da direção que ele está prometendo no combate à pobreza. "Se o presidente permanecer com essa política ruim, vamos ter um ano sem crescimento e com a inflação em aceleração. A perspectiva para 2023 é de que poderemos terminar o ano em estagflação, que é uma combinação de duas coisas ruins do ponto de vista macroeconômico: inflação alta e crescimento baixo", explica o professor da USP.
Silber demonstra também preocupação com o discurso heterodoxo dominante entre os integrantes da equipe de transição e de Lula, criticando o mercado e defendendo aumento de gastos, e o comando do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) com o ex-ministro da Casa Civil Aloizio Mercadante. "O fim desse filme é mais do que conhecido", frisa, em referência ao desastre da política de campeões nacionais capitaneada pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT).
Coordenadora do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), a economista Silvia Matos reforça o alerta sobre o processo de desaceleração da economia, que está em curso desde o terceiro trimestre deste ano. Ela, inclusive, não descarta queda do PIB no primeiro trimestre de 2023. "Os fatores positivos que ajudaram a mudar as projeções do PIB deste ano para cima, como o desempenho de serviços, não devem se repetir no próximo ano, pois o Brasil não está imune ao processo de desaceleração da economia global. Além disso, há uma política fiscal muito incerta que piora as expectativas", adverte.
A economista do Ibre ressalta que as projeções do mercado para a inflação voltaram a subir diante da perspectiva de uma política fiscal mais expansionista do próximo governo, a exemplo do que ocorreu com o atual, neste ano eleitoral. As projeções continuam acima do teto da meta deste ano e do próximo. "Estamos pagando um preço maior na desaceleração para encontrar a inflação mais acomodada. Com juros elevados na economia brasileira e no mundo, não é o momento para uma política fiscal expansionista. O Brasil não está em recessão, e o país ainda precisa passar pelo processo de controle da inflação", afirma.