O crescimento da América Latina e do Caribe será de 3,2% neste ano, mas desacelerará para 1,4% em 2023, devido ao conflito entre Rússia e Ucrânia. É o que projeta a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal). A guerra resultou em rupturas em diversas cadeias produtivas primárias e manufatureiras, causando, entre outros problemas, a inflação de alimentos e ampliando os riscos de falhas na segurança alimentar na região.
A análise é resultado do relatório "Para uma segurança alimentar e nutricional sustentável na América Latina e no Caribe em resposta à crise alimentar mundial", divulgado nesta terça-feira (6/12) e produzido conjuntamente pela Cepal, pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e pelo Programa Mundial de Alimentos (WFP).
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De acordo com o documento, o conflito bélico afetou diretamente o comércio internacional de petróleo cru, gás natural, cereais, fertilizantes e metais. Assim, o aumento dos preços da energia e dos alimentos é um dos fatores que levaram a uma redução do crescimento global em 2022, estimado para ser de 3,1% em 2022, 1,3 ponto percentual menor que o projetado antes da guerra.
“A guerra da Ucrânia continuará afetando ainda mais em 2023”, destaca o economista José Manuel Salazar-Xirinachs, da Costa Rica, secretário executivo da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal).
A extensão da crise atual, que ameaça às cadeias oferecendo risco à produção, comercial, climático e geopolítico, não só coloca em risco a segurança alimentar, mas também pode levar a região e o mundo a grandes retrocessos em matéria de pobreza, desigualdade, ação climática e desenvolvimento sustentável, adverte o relatório.
“Apesar de contar com um importante superavit comercial agropecuário, a América Latina e o Caribe estão expostos a problemas de produção e comercialização e ao aumento dos preços derivados da guerra na Ucrânia. O aumento dos preços internacionais dos alimentos e insumos afeta tanto os países exportadores quanto os importadores líquidos de alimentos. Além disso, a região importa mais de 80% dos fertilizantes utilizados na agricultura. Uma redução nos rendimentos e nas colheitas de produtos importantes para a segurança alimentar devido a um menor uso de fertilizantes se somaria aos efeitos daninhos da inflação de alimentos sobre a população mais vulnerável”, assinala Salazar-Xirinachs.
Outros fatores
A guerra da Ucrânia, porém, não foi o único fator a afetar a segurança alimentar da população da América Latina e Caribe. “O impacto da guerra na Ucrânia sobre os setores produtivos deve ser entendido no contexto das diversas crises que afetaram a economia mundial nos últimos 15 anos: a crise financeira de 2008, as tensões comerciais entre os Estados Unidos e a China e, desde 2020, a pandemia da covid-19”, diz o documento.
Essas crises resultaram em rupturas em diversas cadeias produtivas primárias e manufatureiras, seja pelo aumento das barreiras comerciais ou por disrupções no sistema de produção e transporte global de bens, explica o relatório. Por efeito, na região, a inflação que afeta os setores mais pobres (primeiro quintil da distribuição de renda) é 1,4 ponto percentual mais alta que a correspondente aos setores mais ricos (quinto quintil).
“No primeiro quintil os alimentos correspondem a mais de dois terços da inflação geral, e no quinto quintil a menos da metade. Os preços dos alimentos aumentaram mais que a inflação geral na região desde o fim de 2018 e se aceleraram a partir de maio de 2020. O índice de preços dos alimentos na região em 12 meses alcançou 1,7% em setembro de 2022, frente a 7,1% no caso da inflação geral. Segundo a FAO, em março de 2022, o índice de preços dos alimentos, medido em termos reais, alcançou seu máximo nível histórico: 156,3 pontos”, continua o documento.
“A fome na região aumentou 30% entre 2019 e 2021. A alta dependência da importação de fertilizantes e a variação dos preços dos alimentos têm um impacto negativo e inevitável nos meios de subsistência, principalmente da população rural, e no acesso a uma alimentação saudável”, explicou Mario Lubetkin, subdiretor-geral e representante regional da FAO para a América Latina e o Caribe.
Preços dos alimentos
A pressão das crises afeta as estratégias governamentais para a redução da pobreza e, consequentemente, da miséria no continente. “Embora o índice de preços dos alimentos da FAO tenha baixado nos últimos sete meses, ainda está 14% mais alto do que o registrado em 2021. Fortalecer os sistemas de proteção social nas zonas rurais, particularmente os orientados a agricultores familiares, e eliminar as restrições ao comércio internacional de alimentos e fertilizantes são medidas essenciais na resposta à atual crise”.
Por isso, segundo os organismos que produziram o documento, é preciso reforçar o papel ativo que os sistemas de proteção social, inclusive os programas nacionais de alimentação escolar, “que desempenharam durante a fase mais crítica da pandemia para evitar que os segmentos mais vulneráveis da população, como crianças e idosos, não sejam irreversivelmente afetados pelo aumento dos preços dos alimentos”.
“Num cenário regional em que a pobreza multidimensional está cada vez mais vinculada à insegurança alimentar e nutricional, e diferentes crises estão se somando a desigualdades estruturais profundas, os sistemas de proteção social, inclusive a alimentação escolar, desempenham um papel fundamental em mitigar a vulnerabilidade das pessoas antes, durante e depois das crises. Como Programa Mundial de Alimentos, estamos acompanhando os governos nacionais para identificar e atender a estas necessidades adicionais, através do uso e expansão da proteção social de maneira sustentável, além de um contínuo fortalecimento da preparação dos sistemas, para não deixar ninguém para trás”, indicou Lola Castro, diretora regional do WFP para a América Latina e o Caribe.
Como orientação, a Cepal, a FAO e o WFP apontam que é preciso garantir o acesso dos pequenos produtores a fertilizantes e biofertilizantes. É uma medida necessária e válida se for concentrada nos produtores que mais necessitam e condicionada à melhoria da eficiência no uso destes insumos e da sustentabilidade da atividade agropecuária. Além disso, os governos devem conciliar as respostas de emergência com a redução de problemas estruturais e fiscais associadas em diversas áreas — macroeconômica, social e produtiva — e a articulação das respostas conjuntas entre os países na região.
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