O comerciante argentino Esteban Citara e um grupo de dez amigos viajaram à Copa do Mundo no Catar e assistiram a todos os jogos da Argentina no mundial, até testemunharem a apoteose do título mundial no domingo (18/12).
Foi a sétima vez que o grupo — que se batizou de "los mundialistas" — esteve numa Copa.
Falando de Doha à BBC News Brasil, antes de embarcar de volta para Buenos Aires, Citara contou que a primeira vez que o grupo esteve num Mundial foi na França em 1998.
Depois, "los mundialistas" não perderam mais nenhuma das partidas argentinas numa Copa. Eles estiveram na competição no Japão em 2002, na Alemanha em 2006, na África do Sul em 2010, no Brasil em 2014, na Rússia em 2018 e no Catar neste 2022.
Dono de "choripanerias" — lanchonetes especializadas no sanduíche típico de pão com linguiça — nos bairros de Palermo e de San Telmo, na cidade de Buenos Aires, Citara contou como ele e os amigos, que não são ricos, fazem para não perder uma Copa, apesar das crises econômicas na Argentina.
"Daqui a um mês, já vamos começar a planejar, em detalhes, como viajaremos no próximo Mundial. Esse é nosso método. Compramos as passagens com muita antecedência e reservamos a hospedagem também muito antecipadamente. Na próxima Copa, já sabemos que vamos alugar um motorhome, disse Citara. A Fifa anunciou que o Mundial de 2026 será no Canadá, no México e nos Estados Unidos."
O comércio de Citara recebe, principalmente, turistas — e especialmente brasileiros.
"Eu acho que a vitória da seleção argentina na Copa vai gerar mais turismo e vai melhorar o comércio. Não tenho dúvidas. Estou muito entusiasmado", disse ele, que mandou fotos da casa que o grupo alugou em Doha e foi decorada por eles com cartazes de Maradona e de Messi.
Viagens em condições econômicas adversas
Para entender melhor como cerca de 40 mil argentinos viajaram para torcer para a Argentina no Catar, a reportagem conversou com agentes de viagens, empresários e economistas.
Afinal, a economia argentina deverá registrar cerca de 90% de inflação neste ano de 2022, ficando atrás, na América do Sul, apenas da Venezuela.
O Produto Interno Bruto (PIB) está em desaceleração e o índice de pobreza chega a 36,5% da população de cerca de 45 milhões de habitantes, segundo dados oficiais.
O economista brasileiro Gustavo Perego, da consultoria Abeceb, de Buenos Aires, disse que para entender o contexto argentino é preciso, primeiro, compreender que a economia do país é "bimonetária".
Ou seja, funciona em pesos, a moeda nacional, e em dólares. Os que podem poupam a moeda americana no "colchão", em casa, ou no exterior.
E eles, que podem ser acadêmicos, empresários médios ou grandes e médicos, por exemplo, também não são considerados sempre ricos.
"As pessoas que são de fora da Argentina não entendem o conceito de economia bimonetária. Estão acostumadas a viver com a moeda nacional, a moeda local. Na Argentina, é diferente. O Banco Central tem, no papel, US$ 40 bilhões de reservas, sendo US$ 5 bilhões, em termos líquidos. Mas os argentinos têm no exterior e no 'colchão', fora do sistema financeiro, mais de US$ 300 bilhões", disse ele.
Quando aparece uma "oportunidade", como viajar para assistir à seleção capitaneada por Messi, a poupança em dólares é usada.
Um executivo argentino, que trabalha no setor de consumo, disse que, como o peso argentino está desvalorizado e "ficou muito difícil comprar bens duráveis" como um apartamento, a "melhor opção" é gastar a poupança "nos bons momentos".
Pode ser viajar para a Copa do Mundo ou pagar entradas para assistir ao show da banda britânica Coldplay, disse ele, que preferiu se manter no anonimato.
A banda britânica realizou, em novembro deste ano, dez shows lotados no estádio River Plate, em Buenos Aires, apesar de os preços das entradas terem variado entre 9.500 pesos a 23.000 pesos.
Na Argentina, o salário mínimo é de cerca de 57 mil pesos — o equivalente a seis entradas das mais baratas para o show .
"Somos loucos por futebol e adoramos viajar, é da nossa cultura. E se o dinheiro que temos alcança para viajar e para ver futebol, perfeito", disse o executivo.
Agentes de viagens lembraram que, em função da crise, o governo não permite que compras de passagens internacionais e pagamentos de hotéis no exterior sejam feitos em parcelas, como era possível até pouco antes da pandemia do coronavírus.
Argentinos premiados por empresas e vivendo no exterior
Muitos argentinos também viajaram para a Copa no Catar porque empresas compraram pacotes para, por exemplo, premiar clientes, como contou Sebastian Christiansen, que atende o setor empresarial.
"Tivemos muitos casos de empresas que compraram pacotes para premiar empregados, clientes ou distribuidores de seus negócios", disse Christiansen.
Ele lembrou que, na reta final da Copa, a companhia aérea Aerolíneas Argentinas ampliou a quantidade de voos. Empresas internacionais também ofereceram mais alternativas saindo da Argentina e com preços mais baixos do que os oferecidos no início do Mundial.
O empresário Nicolas Castro Bronstein, do ramo musical, lembra também que muitos dos 40 mil argentinos que estiveram nos estádios do Catar não necessariamente partiram de Buenos Aires.
"Muitos torcedores contaram, quando entrevistados, que moram em Sydney, em Miami e em outras cidades no exterior. Pra eles, deve ter sido mais barato do que sair daqui de Buenos Aires", diz Brostein, que não viajou para a Copa do Catar.
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