Conjuntura

Guerra na Ucrânia afeta segurança alimentar na América Latina

Conflito resultou, entre outros problemas, na inflação de alimentos, ampliando os riscos de falhas na segurança alimentar na região

Michelle Portela
postado em 06/12/2022 12:31 / atualizado em 06/12/2022 12:31
 (crédito: MINERVINO JUNIOR/CB/DA.PRESS                    )
(crédito: MINERVINO JUNIOR/CB/DA.PRESS )

crescimento da América Latina e do Caribe será de 3,2% neste ano, mas desacelerará para 1,4% em 2023, devido ao conflito entre Rússia e Ucrânia. É o que projeta a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal). A guerra resultou em rupturas em diversas cadeias produtivas primárias e manufatureiras, causando, entre outros problemas, a inflação de alimentos e ampliando os riscos de falhas na segurança alimentar na região

A análise é resultado do relatório "Para uma segurança alimentar e nutricional sustentável na América Latina e no Caribe em resposta à crise alimentar mundial", divulgado nesta terça-feira (6/12) e produzido conjuntamente pela Cepal, pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e pelo Programa Mundial de Alimentos (WFP).

De acordo com o documento, o conflito bélico afetou diretamente o comércio internacional de petróleo cru, gás natural, cereais, fertilizantes e metais. Assim, o aumento dos preços da energia e dos alimentos é um dos fatores que levaram a uma redução do crescimento global em 2022, estimado para ser de 3,1% em 2022, 1,3 ponto percentual menor que o projetado antes da guerra.

“A guerra da Ucrânia continuará afetando ainda mais em 2023”, destaca o economista José Manuel Salazar-Xirinachs, da Costa Rica, secretário executivo da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal).

A extensão da crise atual, que ameaça às cadeias oferecendo risco à produção, comercial, climático e geopolítico, não só coloca em risco a segurança alimentar, mas também pode levar a região e o mundo a grandes retrocessos em matéria de pobreza, desigualdade, ação climática e desenvolvimento sustentável, adverte o relatório.

“Apesar de contar com um importante superavit comercial agropecuário, a América Latina e o Caribe estão expostos a problemas de produção e comercialização e ao aumento dos preços derivados da guerra na Ucrânia. O aumento dos preços internacionais dos alimentos e insumos afeta tanto os países exportadores quanto os importadores líquidos de alimentos. Além disso, a região importa mais de 80% dos fertilizantes utilizados na agricultura. Uma redução nos rendimentos e nas colheitas de produtos importantes para a segurança alimentar devido a um menor uso de fertilizantes se somaria aos efeitos daninhos da inflação de alimentos sobre a população mais vulnerável”, assinala Salazar-Xirinachs.

Outros fatores

A guerra da Ucrânia, porém, não foi o único fator a afetar a segurança alimentar da população da América Latina e Caribe. “O impacto da guerra na Ucrânia sobre os setores produtivos deve ser entendido no contexto das diversas crises que afetaram a economia mundial nos últimos 15 anos: a crise financeira de 2008, as tensões comerciais entre os Estados Unidos e a China e, desde 2020, a pandemia da covid-19”, diz o documento.

Essas crises resultaram em rupturas em diversas cadeias produtivas primárias e manufatureiras, seja pelo aumento das barreiras comerciais ou por disrupções no sistema de produção e transporte global de bens, explica o relatório. Por efeito, na região, a inflação que afeta os setores mais pobres (primeiro quintil da distribuição de renda) é 1,4 ponto percentual mais alta que a correspondente aos setores mais ricos (quinto quintil).

“No primeiro quintil os alimentos correspondem a mais de dois terços da inflação geral, e no quinto quintil a menos da metade. Os preços dos alimentos aumentaram mais que a inflação geral na região desde o fim de 2018 e se aceleraram a partir de maio de 2020. O índice de preços dos alimentos na região em 12 meses alcançou 1,7% em setembro de 2022, frente a 7,1% no caso da inflação geral. Segundo a FAO, em março de 2022, o índice de preços dos alimentos, medido em termos reais, alcançou seu máximo nível histórico: 156,3 pontos”, continua o documento.

“A fome na região aumentou 30% entre 2019 e 2021. A alta dependência da importação de fertilizantes e a variação dos preços dos alimentos têm um impacto negativo e inevitável nos meios de subsistência, principalmente da população rural, e no acesso a uma alimentação saudável”, explicou Mario Lubetkin, subdiretor-geral e representante regional da FAO para a América Latina e o Caribe.

Preços dos alimentos

A pressão das crises afeta as estratégias governamentais para a redução da pobreza e, consequentemente, da miséria no continente. “Embora o índice de preços dos alimentos da FAO tenha baixado nos últimos sete meses, ainda está 14% mais alto do que o registrado em 2021. Fortalecer os sistemas de proteção social nas zonas rurais, particularmente os orientados a agricultores familiares, e eliminar as restrições ao comércio internacional de alimentos e fertilizantes são medidas essenciais na resposta à atual crise”.

Por isso, segundo os organismos que produziram o documento, é preciso reforçar o papel ativo que os sistemas de proteção social, inclusive os programas nacionais de alimentação escolar, “que desempenharam durante a fase mais crítica da pandemia para evitar que os segmentos mais vulneráveis da população, como crianças e idosos, não sejam irreversivelmente afetados pelo aumento dos preços dos alimentos”.

“Num cenário regional em que a pobreza multidimensional está cada vez mais vinculada à insegurança alimentar e nutricional, e diferentes crises estão se somando a desigualdades estruturais profundas, os sistemas de proteção social, inclusive a alimentação escolar, desempenham um papel fundamental em mitigar a vulnerabilidade das pessoas antes, durante e depois das crises. Como Programa Mundial de Alimentos, estamos acompanhando os governos nacionais para identificar e atender a estas necessidades adicionais, através do uso e expansão da proteção social de maneira sustentável, além de um contínuo fortalecimento da preparação dos sistemas, para não deixar ninguém para trás”, indicou Lola Castro, diretora regional do WFP para a América Latina e o Caribe.

Como orientação, a Cepal, a FAO e o WFP apontam que é preciso garantir o acesso dos pequenos produtores a fertilizantes e biofertilizantes. É uma medida necessária e válida se for concentrada nos produtores que mais necessitam e condicionada à melhoria da eficiência no uso destes insumos e da sustentabilidade da atividade agropecuária. Além disso, os governos devem conciliar as respostas de emergência com a redução de problemas estruturais e fiscais associadas em diversas áreas — macroeconômica, social e produtiva — e a articulação das respostas conjuntas entre os países na região.

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