A economia brasileira vem perdendo fôlego diante do impacto defasado da alta dos juros pelo Banco Central, como confirmam os dados do Produto Interno Bruto (PIB) do terceiro trimestre de 2022, divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O indicador da formação de riqueza do país cresceu 0,4% entre julho e setembro, na comparação com os três meses anteriores, totalizando R$ 2,544 trilhões no período.
A atividade econômica de julho a setembro desacelerou em relação às altas revisadas de 1,3% e de 1%, no primeiro e no segundo trimestres, respectivamente, e ficou abaixo da mediana das projeções do mercado, que era de 0,6%. Em relação ao mesmo período de 2021, o PIB cresceu 3,6% — e ficou 4,5% acima do patamar do quarto trimestre de 2019, ou seja, de antes da pandemia da covid-19.
As revisões tradicionais do IBGE ainda melhoraram o resultado do PIB de 2021, cujo crescimento passou de 4,6% para 5%, e ajudaram a confirmar uma expansão em torno de 3% na atividade econômica deste ano. Com essa atualização, segundo o órgão ligado ao Ministério da Economia, o PIB brasileiro alcançou, no segundo semestre de 2022, o maior patamar da série histórica do instituto, iniciada em 1992, superando o recorde anterior, de 2014.
Apesar de os dados serem positivos, analistas ouvidos pelo Correio lembraram que o Brasil não está descolado do resto do mundo e, certamente, sentirá impactos da recessão global que deverá ocorrer no ano que vem. E, diante das incertezas em relação à questão fiscal e da perspectiva da manutenção da taxa básica de juros (Selic), atualmente em 13,75% ao ano por um período prolongado, o consenso é que a desaceleração continuará no quarto trimestre, com variações próximas de zero ou até mesmo negativas.
Conforme os dados do IBGE, o desempenho do PIB do terceiro trimestre foi puxado pelos serviços e pela indústria, que registraram expansão de 1,1% e de 0,8%, do lado da oferta. A agropecuária encolheu 0,9% na mesma base de comparação — um dos dados que mais surpreenderam negativamente os analistas. Do lado da demanda, o consumo das famílias, o consumo do governo e a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF, que mede os investimentos), cresceram 1%, 1,3% e 2,8%, respectivamente. Especialistas ressaltaram que esses indicadores apresentaram desaceleração no ano, com exceção dos gastos do governo, que voltou a ficar no azul após dois trimestres negativos.
Eles reconhecem que, se não fosse o pacote de estímulos do governo na segunda metade do ano, que chegou a quase R$ 300 bilhões com redução de impostos, vales para caminhoneiros e taxistas e aumento de R$ 400 para R$ 600 no Auxílio Brasil, o PIB do terceiro trimestre poderia ter registrado queda. Na primeira metade do ano, o governo também estimulou o consumo, com medidas como o adiantamento do 13º dos aposentados e o saque emergencial do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).
"O crescimento do PIB do terceiro trimestre veio abaixo do esperado pelo mercado, porém houve revisão altista das séries nos trimestres anteriores. A composição do PIB segue mostrando os efeitos positivos da reabertura da economia, ainda que em menor medida, com o consumo das famílias desacelerando", destacou Gabriel de Barros, economista-chefe da Ryo Asset. Ele destacou que, daqui para frente, "dado o juro real elevado, a economia continuará em desaceleração e o ano de 2023 será mais desafiador, inclusive pelo cenário externo mais complicado".
Após a divulgação dos dados do PIB, Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), elevou de 2,6% para 3% a projeção de crescimento da economia neste ano, mas manteve em zero a projeção para a taxa do quarto trimestre e em 0,2% a perspectiva para 2023, considerando uma taxa de carregamento estatístico do PIB deste ano, de 0,4%.
"O país vai crescer pouco no próximo ano, porque tudo o que foi temporário começa a sair de cena, como os estímulos. A retomada de serviços que ocorreu neste ano, por conta da abertura pós pandemia da covid-19, não vai mais se repetir. E vamos ter um cenário internacional desfavorável", alertou ela, prevendo queda no consumo das famílias — um dos principais motores do PIB — no próximo ano, em função dos juros altos e do endividamento elevado.
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"O Brasil não está descolado do mundo, que está desacelerando", acrescentou Silvia Matos. Ela ainda destacou que há vários sinais de que o cenário está nada animador e que a tendência é de piora. "Todos os indicadores mostram perda de impulso na atividade econômica, inclusive o mercado de trabalho, e nossos termômetros de confiança do empresariado mostram queda", observou.
Após acertar as projeções do PIB do trimestre, Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, manteve as projeções de crescimento do PIB em 3%, neste ano, e de 1%, no ano que vem. "A expectativa de uma desaceleração em relação ao primeiro semestre se confirmou, e a ideia de que as commodities e a taxa de juros tem tido papel importante para explicar tanto o crescimento dos últimos trimestres quanto esse início de processo de desaceleração", frisou.
Para Roberto Padovani, economista-chefe do Banco BV, a nova série revisada melhorou o desempenho da economia, mas a queda de 0,9% da agropecuária, surpreendeu negativamente. Após a divulgação dos dados do IBGE ele elevou de 2,5% para 3% a previsão do PIB deste ano e manteve em 1% a estimativa para o indicador no ano que vem.
Brasil é o 24º em ranking global
Com a alta de 0,4% no Produto Interno Bruto (PIB) do terceiro trimestre, o Brasil ficou na média do crescimento global, de 0,4%, conforme dados da Austin Rating, que compilou os resultados de 52 países.
O país ficou em 24º lugar em um ranking liderado pela China e com Colômbia, México, Estados Unidos e Peru com crescimentos econômicos maiores do que o brasileiro (ver quadro).
"Ainda que o desempenho do Brasil tenha sido positivo, o crescimento é baixo. É o país voltando à realidade e ficando no meio da tabela para baixo. É o Brasil sendo Brasil, porque, dificilmente, ele fica entre os primeiros lugares no ranking", destacou Agostini. Segundo ele, os dados do PIB acabaram ficando abaixo das estimativas da Austin, de 0,6% na comparação com o trimestre anterior, mas em linha com a estimativa para o PIB anual, de 3,6%.
Após o resultado do PIB abaixo das previsões do mercado no terceiro trimestre, o Ministério da Economia evitou comentar o assunto. Apenas soltou uma nota otimista no meio do dia defendendo a tese de que há "continuidade e disseminação da recuperação econômica", em linha com o discurso do ministro Paulo Guedes, que afirma reiteradamente que o Brasil "está decolando" e descolado do resto do mundo.
Analistas ouvidos pelo Correio reforçaram o contrário e alertaram sobre os riscos de o PIB do país afundar se não houver preocupação do governo atual e do próximo com a responsabilidade fiscal e o equilíbrio das contas públicas, e não houver um compromisso com um novo arcabouço que tenha credibilidade junto ao mercado financeiro, maior credor da dívida pública.
José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, é categórico ao apontar que todos os indicadores do PIB apresentaram desaceleração e desmentem o argumento da equipe econômica. "Eles desviam os olhos do que é relevante: o filme, não a foto. O consumo das famílias foi puxado pela transferência de renda, pela queda da inflação e pelo crédito consignado no setor privado, de R$ 6 bilhões em setembro. Isso é pontual. A transferência de renda não vai aumentar, a inflação não vai cair mais e o consignado tem limites claros", afirmou.
"A alta dos juros já aparece no comprometimento da renda das famílias com o serviço da dívida em alta e na estagnação do saldo de crédito às empresas", acrescentou.
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