O superendividamento causa preocupação e tira o sono de milhares de brasileiros. Calcula-se que 73% a 78% das famílias ativas economicamente constam no índice de endividados. A gravidade fica evidente quando é levada para as esferas judiciais — movimento que se torna cada vez mais comum. O ministro Marco Buzzi, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), especializado no tema, participou ontem do Podcast do Correio, e trouxe várias análises a respeito.
Conforme o ministro definiu, o superendividamento é o "estágio ou situação econômica em que a pessoa, para responder com todos os seus compromissos, precisa deixar sua condição de sobreviver com dignidade". A questão se torna problema jurídico quando, internamente, a sociedade não consegue resolver por si só e precisa do apoio da Justiça para tratar da questão.
"O legislador quer dar uma chance das famílias reorganizarem suas finanças para poder entrar novamente no mercado. Porque não é interessante para ninguém, nem para os credores, donos das grandes lojas, ou quem fornece serviço e bem de consumo. Ninguém tem interesse que a maior parte da população seja considerada inadimplente", explica o ministro.
Por conta disso, iniciativas do Poder Judiciário tentam reduzir o impacto desse problema social. A primeira maneira desenhada foi por meio da criação da Lei nº 14.181/2021 — importante marco, que atualizou o Código de Defesa do Consumidor (CDC). Antes mesmo de tal modificação, o CDC já era considerado a melhor legislação do tipo em todo o mundo. Com o aprimoramento, passou a viabilizar uma forma de negociação de débitos semelhante ao das empresas em recuperação judicial.
A nova lei parte do pressuposto de que a pessoa em situação de superendividamento necessita de proteção especial e, portanto, buscou garantir ao consumidor novos mecanismos de equalização e repactuação das dívidas por meio de um plano de pagamento que satisfaça o direito dos credores sem levar o devedor à humilhação e à indignidade. Esse encontro entre credores e devedores pode ser feito de maneira extrajudicial, ou seja, sem a presença de um mediador.
O ministro ressalta que há pontos aprovados na lei, válida desde 2021, que são extremamente positivos para o cidadão. "Um deles é a realização de uma assembleia, como uma reunião de todos os credores do devedor pessoa física. Reúne os credores dele e aí eu vou usar um português bem simples: quem veio? Veio, quem não veio, paciência. Então os credores que compareceram, compareceram, e os credores que não compareceram serão submetidos às decisões que aqueles que estão presentes tomarem", detalha o ministro.
Além disso, as modificações permitiram ao devedor, junto com o credor, a combinação de abatimentos e alargamento dos prazos. "Há prazos que começam a ser definidos em 60 dias mas a própria lei permite que, se nos 60 dias não chegar de forma exitosa a resolver o problema, esse prazo pode ser alargado", salienta.
Seminário
No próximo dia 30, o STJ realizará o seminário O Tratamento do consumidor superendividado à luz da Lei 14.181/2021: da trajetória legislativa à sua efetivação. O evento trará mais detalhes sobre a aplicação e limites da lei, bem como as hipóteses em que ela pode ser utilizada. Formam a coordenação científica do evento as professoras Cláudia Lima Marques (UFRGS) e Juliana Loss de Andrade (FGV), e o professor Anderson Schreiber (UERJ). O evento ocorrerá das 9h30 às 17h15, no auditório externo do Tribunal, e será transmitido pelo YouTube. As inscrições para o seminário podem ser feitas por meio de formulário eletrônico, conforme o interesse em participar de forma presencial ou virtual.
Marco Buzzi é natural de Timbó, interior de Santa Catarina. É mestre em ciência jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali), instituição na qual se formou e onde foi professor de diversas disciplinas do curso de direito. Ingressou na magistratura em 1982 e foi promovido a desembargador do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) em 2002. Antes da carreira jurídica, atuou como jornalista em seu estado no grupo do Diário dos Associados. Atualmente, faz parte da Segunda Seção e da Quarta Turma do STJ, colegiados especializados em direito privado.
Dívida Pública vai a R$ 5,78 trilhões
Após o recuo no mês anterior, a Dívida Pública Federal (DPF) cresceu 0,46% em outubro, atingindo R$ 5,78 trilhões. Segundo relatório divulgado pela Secretaria do Tesouro Nacional, do Ministério da Economia, em setembro o endividamento estava em R$ 5,75 trilhões, ou seja, houve um aumento de R$ 26,29 bilhões. A variação se deu devido ao resgate líquido de R$ 9,11 bilhões e à apropriação positiva de juros, no valor de R$ 35,39 bilhões.
A DPF inclui a dívida interna e a externa. A Dívida Pública Mobiliária Federal interna (DPMFi) teve alta de 0,60% em outubro e fechou o mês em R$ 5,52 trilhões. Já a Dívida Pública Federal externa (DPFe) caiu 2,53% no mês, somando R$ 250 bilhões ao fim de agosto. "O mês de outubro foi marcado pela persistência inflacionária e continuidade do ciclo de alta das taxas de juros nos Estados Unidos, instabilidade política no Reino Unido e tensões geopolíticas, que aumentaram as preocupações com o risco de recessão global", argumentou a pasta.
No cenário doméstico, uma das grandes preocupações em relação ao novo governo são os riscos fiscais e um possível aumento da dívida pública, começando pela Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição. Segundo o Tesouro, houve uma alta na curva de juros, refletindo incertezas fiscais para 2023, o que afeta diretamente o custo da dívida. "Vimos uma forte abertura em toda a curva de juros, refletindo as preocupações com o fiscal, que têm se apresentado em torno da PEC da Transição e nas regras fiscais para os anos seguintes", disse o coordenador de operações da Dívida Pública, Roberto Lobarinhas.
O custo médio das emissões de títulos apresentou um aumento de 0,08 ponto percentual, passando de 11,71% ao ano em setembro, para 11,79% em outubro. Em contrapartida, o custo médio da dívida pública no acumulado em 12 meses caiu de 10,47% ao ano para 10,04% no período.
O economista Murilo Viana, especialista em contas públicas, destacou o período de incertezas marcado pelo período eleitoral, somado à alta na curva de juros, é o que mais influencia a dívida do governo. "Durante o mês de outubro tivemos um cenário eleitoral bastante imprevisível. Além disso, temos que ver que, internamente, estamos passando por um círculo muito forte de elevação da taxa de juros, que, ao que tudo indica, se estabilizou agora em um patamar bastante alto, com a Selic a 13,75%, mudando o patamar de procura por títulos públicos", afirmou.
Reserva de liquidez
O colchão de liquidez da dívida pública, reserva financeira usada em momentos de turbulência ou de forte concentração de vencimentos, registrou ligeira redução de 0,24%, passando de R$ 1,03 trilhão, em setembro, para R$ 1,02 trilhão em outubro. O montante é suficiente para quitar 8,97 meses de vencimentos de títulos, valor considerado confortável pelo Tesouro — em setembro, estava em 9,55 meses.
Segundo Viana, a reserva dá um grande grau de manobra para o Tesouro não ser pressionado a sancionar taxas pesadas de juros. "O que a gente viu no mês de outubro é que, como o cenário doméstico e o cenário internacional estavam instáveis, na hora de fazer a administração da dívida pública, como tem um colchão de liquidez grande, o Tesouro acaba preferindo não sancionar taxas de mercado muito elevadas e esperar o momento mais oportuno para emitir títulos", pontuou.
Em relação a novembro, o Tesouro disse ver um cenário com mercado externo mais positivo, com dados indicando alívio inflacionário, o que levou o mercado a apostar na diminuição do ritmo do aperto monetário nos Estados Unidos. "Já o cenário doméstico foi marcado por elevada volatilidade", diz a nota. (RG)