Lisboa — A recuperação do mercado de aviação no Brasil coloca o país entre as prioridades da companhia aérea espanhola Iberia, que acaba de reativar os voos para o Rio de Janeiro. Neste primeiro momento, serão três partidas por semana da cidade maravilhosa para Madri, que se somarão às decolagens diárias de São Paulo. Caso a demanda no Rio se mostre forte, é possível que a frequência das viagens aumente, retornando ao nível pré-pandemia, que variava entre cinco e sete voos semanais. A Iberia também pode abrir outras rotas no país, mas tudo dependerá do interesse dos consumidores e das condições macroeconômicas.
"O Brasil é um mercado muito relevante para a Iberia", diz Beatriz Guillén, diretora de Vendas Globais da empresa. Ela ressalta que somente o país e o Equador têm hoje duas rotas de ligação com a Espanha por meio da companhia. Na visão da executiva, depois do baque da crise sanitária, que impactou o mundo inteiro, o Brasil mostrou uma resiliência melhor do que todos os países da América Latina. "O nível da inflação é menor que nos demais países e a economia brasileira caiu menos. Há, ainda, a perspectiva de crescimento de até 3% neste ano", assinala ela. Tudo isso está sendo considerado nos planos de expansão da Iberia.
Beatriz não vê, porém, perspectivas de redução tão cedo dos preços das passagens aéreas. Há, no entender dela, uma série de fatores jogando contra os consumidores. Primeiro, a inflação, que impacta os custos de todas as empresas. Depois, os fortes reajustes dos combustíveis casados com uma demanda reprimida por viagens, por causa do confinamento durante a pandemia. Ela explica que a procura cresceu, mas a oferta de voos ainda está aquém do que se via em 2019. Para a executiva, somente quando esse equilíbrio ocorrer, o valor das passagens poderá baixar. "No caso da Iberia, a expectativa é de que tenhamos, no primeiro trimestre de 2023, 105% dos voos que ofertávamos antes da pandemia", afirma.
A diretora da Iberia destaca, ainda, que a regulação do mercado aéreo brasileiro avançou muito, o que reforça a segurança jurídica para as empresas que atuam no setor, e assinala que a indústria da aviação terá de se adequar às exigências climáticas. Não por acaso, afirma ela, a Iberia estabeleceu zerar a emissão líquida de gases de efeito estufa até 2050. Ao longo dos próximos anos, a companhia ampliará o uso de combustíveis mais eficientes e limpos. Para isso, estão sendo fechados acordos com petrolíferas de todo o mundo. A seguir, os principais trechos da entrevista de Beatriz Guillén ao Correio.
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Como a Iberia vê o mercado de aviação no Brasil? É promissor? Por quê?
Para a Iberia, o mercado aéreo no Brasil é muito relevante. Prova disso é o fato de ser um dos dois países da América Latina — o outro é o Equador — onde temos voos para duas cidades, São Paulo e Rio de Janeiro, rotas com um voo diário e três frequências semanais, respectivamente. Aliás, reativamos recentemente o voo para o Rio, graças ao qual a Iberia volta a ter toda a rede de destinos para a América Latina que tinha antes da crise sanitária. Cabe assinalar que o Brasil tem uma série de características que fazem com que seja um mercado muito promissor para o setor aeronáutico, além de o país ser uma das 15 maiores economias do planeta. E São Paulo foi uma das poucas rotas que mantivemos funcionando quase sem interrupção durante a pandemia.
Essa frequência de voos da Iberia para o Brasil já foi maior? Em que período?
Há poucos dias, em 30 de outubro, anunciamos a reativação dos voos entre Rio de Janeiro e Madri. Isso nos permite ter uma conectividade total de 10 frequências semanais para o Brasil, que são distribuídas entre uma diária para São Paulo e três por semana para o Rio. Ainda estamos um pouco abaixo da capacidade que tínhamos antes da pandemia, pois, embora São Paulo permaneça como em 2019, com voos diários, no Rio, estamos com uma frequência um pouco menor do que tínhamos antes da crise sanitária, que variou entre cinco e sete de acordo com a sazonalidade. Isso, entre outras coisas, tem a ver com o fato de a demanda por voos de negócios no Brasil estar se recuperando um pouco mais lentamente, em comparação com outros mercados.
Há perspectivas de futuros outros voos para o Brasil?
Embora a capacidade dos nossos voos para o Brasil esteja em torno de 75% em relação ao que era antes da pandemia, especialmente devido ao menor dinamismo do mercado corporativo, já que o segmento de turismo está praticamente 100% recuperado, mantemos um importante compromisso com o Brasil. E, nesse sentido, reativar a capacidade direta com o Rio de Janeiro foi um passo fundamental. Com a pandemia, o Rio perdeu uma parte de sua conectividade aérea, não só com a Iberia, porque muitas empresas deixaram de voar para a cidade. Portanto, cremos que o primeiro passo foi retomar os voos para o Rio, dar tração a essa rota e, assim, podermos avaliar realmente qual é o nível de recuperação da demanda. Isso nos permitirá nos adaptarmos à situação e, eventualmente, seguir incrementando as frequências para o Brasil no futuro.
O Brasil tem sido marcado por sucessivas crises econômicas. Como isso impacta as decisões da Iberia em relação ao país?
Para a Iberia, mais do que a situação macroeconômica, a qual, obviamente, é importante, as decisões são avaliadas tendo em conta a evolução da procura nas rotas que operamos com o país, indicador que tem se recuperado gradualmente. No caso específico do Brasil, o que vemos é um nível de inflação mais controlado que os de outras nações latino-americanas, foi uma das economias que menos caíram em 2020 e, para 2022, instituições como o FMI (Fundo Monetário Internacional) aumentaram a previsão de crescimento para quase 3%. É por isso que, ante um panorama macroeconômico que se vê estável no Brasil, olhamos como se comportará a demanda por voos durante os próximos meses e, com isso, seguiremos tomando as decisões necessárias para oferecer o melhor serviço de conectividade ao país. Se vermos oportunidades, seguiremos reforçando nossa presença no país.
Sabe-se que o Brasil ainda tem um potencial enorme para crescer. Mas a renda média da população continua baixa. Como vê esse cenário?
Cremos que, tanto pelo tamanho da economia, quanto pelas condições socioeconômicas da população, o Brasil é um dos países que, sem dúvida, conta com o maior potencial de crescimento da América Latina. Sobre a renda da população, cabe destacar que, com exceção da pandemia, que afetou todos os países, o Brasil apresentou, nas últimas décadas, uma evolução positiva em termos de poder aquisitivo de seus cidadãos, o que se reflete no maior interesse dos brasileiros em viajar para outros destinos, como a Europa. Além disso, em nossas rotas entre Brasil e Espanha, 60% das vendas de passagens são originadas na América Latina, especialmente no Brasil, enquanto as 40% restantes são geradas na Europa. Além disso, um tema muito relevante é o comportamento da moeda brasileira. Ao contrário do que ocorre com outras divisas latino-americanas, o real apresenta uma recuperação frente ao euro neste ano de 2022, o que supõe um apoio adicional para os clientes do país.
Do ponto de vista regulatório, é difícil operar no Brasil? Por quê?
Não creio que seja difícil, porque o Brasil segue as legislações da maioria dos países. Ao mesmo tempo, é justo dizer que a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) opera, hoje, com menos burocracia e mais diálogo que no passado. Atualmente, temos consultas públicas para decidir as mudanças normativas que ajudarão a tomar as decisões com consensos.
Por que os preços das passagens de avião não param de subir? Isso não elitiza o setor?
Há vários fatores que podemos ver por detrás da alta dos preços das passagens aéreas. Por um lado, sem dúvida, há que se considerar o fenômeno inflacionário que afeta todo o mundo, tanto as pessoas quanto as empresas de todos os setores, o que faz com que os custos de operação sejam mais elevados. O aspecto mais visível desse quadro é o preço maior dos combustíveis, que impacta diretamente os custos finais das passagens. Eu acrescentaria outro fator: em mercados como o Brasil, ainda há menos capacidade de voos do que antes da pandemia, aliada a uma forte demanda que havia sido represada pelos tempos de confinamento, com muitas pessoas com viagens pendentes. Isso também afetou a menor disponibilidade de bilhetes aéreos mais baratos. Em todo caso, estamos diante de uma indústria muito competitiva, em que os preços se regulam rapidamente pela lei da oferta e da demanda. O mais provável é que vejamos uma moderação na procura por voos, que, agora, está robusta, e se vá recuperando toda a capacidade que havia no mercado antes da pandemia. Assim, evoluiremos para um ponto de equilíbrio em que, previsivelmente, os preços das passagens baixarão.
Quais são os mercados mais promissores hoje?
Na Iberia, está claro que a América Latina, em conjunto, é uma das regiões fundamentais para nossas operações. Precisamente por isso, somos líderes na conectividade entre a América Latina e a Europa. Não por acaso, estamos sempre trabalhando para fortalecer nossa presença na região e, nesse sentido, há vários mercados que estão no nosso foco pelo seu potencial. O Brasil, como já disse, é um deles, mas também destacaria o México, a Colômbia e a Argentina.
E os principais desafios para o setor de aviação?
Para a Iberia, como para a maioria do setor, o primeiro desafio, com a pandemia, é recuperar o equilíbrio nos resultados financeiros depois da crise sem precedentes que a indústria teve de enfrentar. Isso está ocorrendo, e pode ser comprovado pelos bons resultados que apresentamos neste ano. Outro ponto importante foi recuperar, de forma gradual, a capacidade que tínhamos antes da crise sanitária, e já reativamos toda a rede de destinos que havia em 2019. A perspectiva é de que, no conjunto da empresa, tenhamos, no primeiro trimestre de 2023, 105% da capacidade que tínhamos antes da pandemia. Um terceiro grande desafio do setor é reduzir seu impacto ambiental. Na Iberia, estamos totalmente comprometidos com esse objetivo, e se, por um lado, estamos trabalhando para renovar a nossa frota com aeronaves mais eficientes e com menos emissões, por outro, lançamos recentemente o serviço para que os clientes possam compensar a pegada de carbono de seus voos, entre outras iniciativas.
Como a empresa está contribuindo para a redução dos gases de efeito estufa?
Nosso grupo IAG foi o primeiro da indústria da aviação a se comprometer que nossas emissões líquidas sejam zero em 2050, um plano no qual estamos trabalhando todos os dias e que tem metas de mais curto prazo, como impulsionar em 10% a eficiência por passageiro até 2025 e reduzir as emissões líquidas em 20% até 2030. Isso a nível geral. Quanto aos combustíveis verdes, nosso objetivo também para 2030 é operar 10% dos voos com combustíveis mais limpos e sustentáveis por meio do uso de SAF. Isso nos coloca à frente e com um objetivo mais ambicioso do que o estabelecido pela legislação europeia.