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Carcaças de navios abandonados na Guanabara geram problemas ambientais

Carcaças de navios abandonados na Baía de Guanabara geram problemas ambientais e prejuízos a comunidades pesqueiras

Rafaela Gonçalves
postado em 28/11/2022 06:01 / atualizado em 28/11/2022 06:04
 (crédito:  Polícia Rodoviária Federal/Divulgação)
(crédito: Polícia Rodoviária Federal/Divulgação)

Carcaças de embarcações abandonadas, que se acumulam por anos em verdadeiros cemitérios flutuantes, são um problema no mundo todo. Há duas semanas, os olhos se voltaram para a Baía de Guanabara, com o incidente do navio São Luiz, que bateu na Ponte Rio-Niterói e interrompeu temporariamente uma das principais vias de ligação da capital do Rio de Janeiro com o norte do estado. Mas o abandono dos cascos vem causando danos ambientais e econômicos para a região há décadas.

O último levantamento oficial da Secretaria de Estado do Ambiente e Sustentabilidade do Rio de Janeiro (Seas) foi feito em 2002 e apontou cerca de 200 embarcações ou seus restos náuticos na baía, mas a falta de um inventário dificulta a contagem. Um estudo mais recente, realizado entre 2021 e 2022 pela Universidade Federal Fluminense (UFF), em parceria com a Fundação Euclides da Cunha e a Prefeitura Municipal de Niterói, constatou a existência de 58 cascos de embarcações naufragadas na região, com concentração de 30% no Canal de São Lourenço.

O professor adjunto da UFF Newton Narciso Pereira, que coordena o monitoramento, diz que o alerta sobre os problemas causados pelo acúmulo desses resíduos é reforçado frequentemente. "Os impactos das embarcações abandonadas são diversos, sobretudo com a poluição ambiental, porque parte desse material vai se degradando na água", destaca.

Riscos

Além do prejuízo ao meio ambiente, o cemitério de embarcações naufragadas tem trazido prejuízos para o setor de navegação, formado por empresas de pequeno e médio portes que trabalham no apoio marítimo ao Porto de Niterói, e a petroleiras, mas, sobretudo, afeta a rotina de pescadores, que são muitas vezes impedidos de exercer a atividade.

"Essas embarcações em condições de abandono se concentram em uma região mais costeira, livre do canal de navegação de grandes embarcações, por isso acabam afetando mais esse ecossistema do qual dependem as atividades nessa região. Isso causa perdas significativas a embarcações pequenas e, principalmente, à comunidade pesqueira", ressalta o professor.

A maioria das embarcações naufragadas ainda contém óleo, que é a grande preocupação dos ambientalistas que monitoram a região. "Quase toda embarcação contém elementos contaminantes que podem vazar no mar. Esse tipo de incidente com embarcações abandonadas é uma tragédia anunciada e um passivo ambiental antigo conhecido por todas as autoridades", afirma o cofundador do Movimento Baía Viva, Sérgio Ricardo Potiguara.

Denúncias sobre o impacto do lixo náutico na vida marinha são feitas há 30 anos, de acordo com o ambientalista. "Várias espécies estão em extinção na Baía de Guanabara, como boto cinza, cavalo marinho, tartaruga verde, além de pescados de grande valor nutritivo e comercial. É visível o forte empobrecimento das comunidades pesqueiras da região nesses 30 anos", salienta Pereira, da UFF.

Jogo de empurra

O descomissionamento de embarcações é regido por leis internacionais, sendo o Brasil signatário da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, que rege os limites da exploração marítima. No entanto, a legislação brasileira prevê corresponsabilidade de vários entes sobre a fiscalização do abandono de embarcações. No caso do Rio, são a Capitanias dos Portos (CPRJ), da Marinha, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que gerencia um plano nacional, e o Instituto Estadual do Ambiente (Inea), que é o órgão licenciador do estado.

Segundo o cofundador do Movimento Baía Viva, "há um jogo de empurra entre as autoridades para saber a quem cabe o controle e a retirada dos cascos". "Há alguns anos não há fiscalização preventiva, que deveria ser feita de forma cooperativa entre esses órgãos. É necessário fazer um inventário dessas embarcações por meio de georreferenciamento para termos informações precisas. Essa deve ser uma atuação conjunta do poder público", afirma.

De acordo com a Marinha, qualquer embarcação que esteja fundeada ou atracada em porto ou estaleiro é de responsabilidade do proprietário, independentemente de seu estado de conservação. Caso a embarcação ofereça perigo à navegação ou risco de poluição hídrica, a capitania dos portos notifica o responsável.

"A Marinha acompanha todas as etapas deste processo, desde sua instauração até a eliminação do risco. Ocorrendo situação em que o proprietário ou armador deixem de atender às determinações da autoridade marítima, a mesma poderá apreender a embarcação e iniciar seu processo de perdimento, providenciando um destino seguro para ela", destaca o capitão de Mar e Guerra Alessander Antunes Peixoto, da Capitania dos Portos do Rio de Janeiro (CPRJ).

No caso da ocorrência envolvendo o navio São Luiz, foi instaurado um Inquérito sobre Acidentes e Fatos de Navegação (IAFN) para apurar as causas, circunstâncias e responsabilidades do incidente. "É importante salientar que o navio foi mencionado em uma série de decisões judiciais, em especial uma proferida pela 16ª Vara Federal do Rio de Janeiro, datada de setembro de 2021, em tutela de urgência, na qual o magistrado determinava que a empresa Mansur S.A. removesse imediatamente o navio da área de fundeio em que se encontrava para local seguro", complementa Peixoto.

Sobre a situação de embarcações na Baía de Guanabara, a Marinha informou que, em 2012, foi instaurado um procedimento administrativo para apurar o abandono das embarcações e cascos nos canais no entorno da Ilha da Conceição, em Niterói, até a área de desembarque pesqueiro no bairro Gradim, em São Gonçalo, uma vez que constituíam perigo à segurança da navegação e poderiam ocasionar danos a terceiros e ao meio ambiente.

Perdimento

A CPRJ informou ter declarado o perdimento das embarcações abandonadas, solicitando que fossem levadas a leilão. No entanto, a Secretaria de Estado do Ambiente e Sustentabilidade (Seas), pediu para ser o órgão responsável pela remoção e destinação dos cascos.

A Seas disse estar notificando os responsáveis pelo abandono de embarcações na Baía de Guanabara. Já o Inea afirmou atuar em caso de acidentes envolvendo derramamento de óleo ou de produtos nocivos que resultem em dano ambiental, e que o controle das embarcações ancoradas e abandonadas seria atribuição da Marinha.

Em meio às lacunas sobre a resolução do problema, entidades vêm tentando apontar soluções. "A primeira seria a descontaminação das embarcações e o afundamento como arrecifes no litoral, transformando-as em atrativos para o ecoturismo e pesqueiros. A outra seria fazer parcerias com o setor privado, já que o poder público alega não poder arcar com os custos. Esse material tem alto valor aqui e no exterior, em meio à crise global de sucata para reciclagem", diz Sérgio Potiguara, do Movimento Baía Viva.

O Sindicato Nacional da Indústria de Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval) e o Cluster Tecnológico Naval (CTN-RJ), informaram que têm estudado soluções para os navios abandonados.

O diretor-presidente do CTN, Walter Lucas da Silva, ressalta que esse é um problema mundial, tratado na Organização Marítima Internacional (IMO), que promulgou a Convenção para a Reciclagem de Embarcações em Hong Kong (2009), fruto do incremento do descarte inapropriado de embarcações em todo o mundo e impulsionado pelo aumento significativo do tráfego marítimo internacional e da exploração de recursos offshore nas últimas décadas.

 

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