Entrevista

"Política social é a retomada econômica", diz presidente da Febraban

Executivo afirma que crescimento econômico e geração de emprego são condições fundamentais para o novo governo cumprir a agenda em favor da população mais pobre. Ele defende reformas estruturais para estimular mais investimentos do setor privado

Vicente Nunes - Correspondente
postado em 21/11/2022 03:50
 (crédito: Cláudio Belli)
(crédito: Cláudio Belli)

Lisboa — De passagem por Portugal, onde falou para uma seleta plateia de investidores e acadêmicos, o presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Isaac Sidney, por pouco não cruzou com o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Se as agendas tivessem coincidido, o executivo teria ouvido do próprio líder brasileiro que o governo dele terá, sim, responsabilidade fiscal, num aceno de paz ao mercado financeiro que, nos últimos dias, elevou as cobranças pelo equilíbrio das contas públicas ante à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que retira do teto de gastos as despesas do Bolsa Família e outros desembolsos da área social — uma bolada próxima de R$ 200 bilhões por ano. Para Sidney, a fala de Lula foi bem-recebida e, no seu entender, deve-se dar um voto de confiança ao novo governo, dado o histórico de oito anos de administração responsável do petista na área fiscal. Ele ressalta, porém, que, se descumprir a promessa de manter a responsabilidade fiscal, o petista não terá como atender as demandas urgentes da população, sobretudo a mais vulnerável, que voltou a conviver com a fome. "Precisamos ser incansáveis em buscar a serenidade de ânimos. O ambiente democrático, que a Febraban defendeu sem qualquer hesitação, já está consolidado. A eleição passou, temos um presidente eleito e precisamos, todos, debater as condições para o Brasil voltar a crescer a taxas maiores. Isso se faz num debate aberto de propostas e ideias; ninguém perde, todos ganhamos: setor privado, setor público e a população em geral", frisa o executivo. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.

Depois de um embate aberto com o mercado, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva baixou o tom e assumiu o discurso de defesa da responsabilidade fiscal. Por que esse tema mexe tanto com os nervos de todos?

Falo por mim e não pelo mercado, mas precisamos manter a calma. Primeiramente, vale lembrar que a dinâmica fiscal que o atual governo deixará não é das melhores. Embora estejamos com recordes de arrecadação e com níveis baixos na relação dívida pública/PIB, o quadro fiscal, do ponto de vista estrutural, continua débil e o governo que ainda está aí furou várias vezes o teto, em boa parte, é verdade, para enfrentar a pandemia. O presidente eleito Lula é um político experiente e já governou o país por oito anos. A melhor contribuição, agora, é esperarmos o diagnóstico e darmos um voto de confiança. Depois da repercussão da primeira fala do presidente Lula que causou forte repercussão no mercado, vários integrantes da equipe de transição fizeram questão de frisar que ele teve no passado, e terá nesse novo mandato, compromisso com a estabilidade fiscal. Nos últimos dias, o próprio Lula assumiu mais claramente esse compromisso, o que é muito importante.

Mas o que esperar da política fiscal do próximo governo, efetivamente?

Todos esperam de qualquer governo equilíbrio das contas públicas. Ainda não temos clareza da política fiscal e econômica do novo governo, mas minha expectativa é favorável, apesar dos fortes ruídos dos últimos dias. Há uma transição em curso e os diagnósticos precisam ser feitos, sendo natural a busca de caminhos. Pessoalmente, entendo que não seria producente e adequado interpretarmos falas e especularmos sobre conjecturas antes do anúncio formal. A equipe econômica anunciada é de transição e ainda não a ouvimos. Falas são sempre próprias do contexto em que se inserem. Qualquer tentativa agora de se chegar a uma conclusão sobre a política fiscal e econômica seria, além de precipitada, como se tentássemos, em vão, montar um enorme quebra-cabeça sem várias peças. É natural termos um quadro de incertezas durante a transição. Feitas essas ressalvas, enfatizo: sem arrumarmos a casa — o governo registra déficits consecutivos em suas contas há quase uma década —, não iremos a lugar nenhum. A política fiscal precisa estar ancorada em algum alicerce. O fundamental aqui é que, qualquer que seja a escolha do novo governo, que se preserve o equilíbrio das contas, como fazem as famílias e as empresas, e enxergamos que isso não só é possível, como absolutamente necessário.

Ao mesmo tempo em que assumiu compromisso com o equilíbrio fiscal, Lula reforçou que não abrirá mão de suas promessas na área social. É possível ter um equilíbrio entre fiscal e social?

O que precisamos é construir um caminho para, com transparência e previsibilidade, acomodar as pressões fiscais por conta da agenda social, em particular a questão do Bolsa Família. A preocupação com o social é fundamental e não se contrapõe à questão fiscal, nem vice-versa, pois não são excludentes, e uma precisa da outra numa relação contínua de interdependência. A contradição seria apenas aparente, e são lados da mesma moeda. A desigualdade de renda no país é um entrave fundamental para o crescimento sustentável da economia e, sem crescimento e controle das contas públicas, não há como diminuir as desigualdades. O presidente foi eleito pela maioria da sociedade com o propósito de retornar bons indicadores sociais. Da mesma forma que houve excepcionalidades fiscais durante a pandemia, elas agora também são necessárias, mas precisam ter limites claros num horizonte de tempo definido.

Pela Proposta de Emenda à Constituição (PEC) apresentada pela equipe de transição ao Congresso, as despesas com o Bolsa Família ficarão de fora do teto de gastos, assim como outros desembolsos na área social, num total de quase R$ 200 bilhões. Não foi definido um prazo para essa excepcionalidade. O que isso representa?

Aí está o ponto que considero crucial. Nosso ponto de atenção é que o gasto transitório e excepcional não se transforme em definitivo. É importante termos uma âncora fiscal para garantir a estabilidade da dívida pública, que continua elevada, próxima de 80% do Produto Interno Bruto (PIB). As excepcionalidades precisam ser restritas a um tempo definido, para acomodar as necessidades do auxílio e outras urgências eventuais. Mas estou certo de que nenhum governo tem por alvo o desequilíbrio das contas públicas. O país amadureceu. Já vimos muitas vezes o filme do descontrole fiscal, e o final é muito ruim, principalmente para os pobres: surgem as pressões inflacionárias, o real se desvaloriza, o Banco Central é obrigado a manter os juros altos ou até a subir os juros para controlar a inflação, a atividade cai, pode vir recessão, queda de arrecadação, desemprego e pressões para mais gastos inflacionários.

Qual é, na sua avaliação, o grande desafio do novo governo?

O grande desafio do novo governo, na verdade do nosso do país, é como voltar a crescer de forma sustentada. Isso precisa ser o início, o meio e o fim do próximo governo. O crescimento e a geração de emprego e renda são a política social mais eficiente que pode existir. Sou a favor das políticas de distribuição de recursos para os mais vulneráveis, mas, sem o país crescer, daqui a pouco não teremos o que distribuir. É preciso deixar claro, reforço, que crescer não é um fetiche econômico, uma bandeira política ou uma meta matemática para agradar economistas e investidores. Trata-se de uma necessidade imperiosa, que gera empregos, riqueza e bem-estar social. Ficar estagnado aumenta a pobreza e a miséria, e leva a um círculo vicioso. Crescer e acabar com a pobreza é, acima de tudo, um dever e uma necessidade de todos. Mas precisamos encontrar o caminho correto para crescer e distribuir.

E qual o caminho para o Brasil voltar a crescer?

Temos de repensar o modelo de investimento, já que a poupança pública se exauriu. Precisamos retomar a agenda de reformas estruturais para atrairmos mais investimentos privados, e destaco aqui as três que considero mais importantes: a tributária, a do setor público e a de melhoria do ambiente de negócios. E o governo e a sociedade brasileira podem contar com o apoio do setor bancário para tocar esta agenda de reformas. Temos interesse e podemos contribuir, em especial, com dois temas, a questão do crédito e a melhoria do ambiente de negócios. E acrescento: nesse contexto, é possível fazer política social com mais eficiência. A maior política social não é chamar um benefício de auxílio emergencial ou de Bolsa Família. A política social sustentável é a retomada do crescimento econômico, com geração de emprego e renda. Não há política social que se sustente sem o país crescer em níveis elevados e por períodos prolongados.

Como o senhor avalia o ano que está acabando?

Infelizmente, sob o ponto de vista econômico, foi um ano de poucos avanços, contaminado por polarizações políticas que apequenaram o Brasil e nos desviaram de temas importantes. Não só. Parece que estamos nos acostumando com pouco crescimento. Não apenas em 2022, mas, quando olhamos para trás, nos damos conta de que a economia brasileira vive um imobilismo. Temos experimentado um crescimento medíocre há bastante tempo, independentemente de governos, pandemias e guerras. Não precisamos achar culpados lá fora. Se considerarmos a última década, o crescimento do nosso PIB foi de menos de 0,5% ao ano, um desempenho muitíssimo aquém do nosso potencial. Olhando para frente, temos de mirar num crescimento mais produtivo, inclusivo e duradouro.

Apesar de os resultados das eleições presidenciais já estarem consolidados pelas urnas eletrônicas e a transição de governo já ter começado, há um clima de enorme tensão no país, com radicais que não aceitam a vitória de Lula. Como avalia esse quadro?

Precisamos ser incansáveis em buscar a serenidade de ânimos. O ambiente democrático, que a Febraban defendeu sem qualquer hesitação, já está consolidado. A eleição passou, temos um presidente eleito e precisamos, todos, debater as condições para o Brasil voltar a crescer a taxas maiores. Isso se faz num debate aberto de propostas e ideias; ninguém perde, todos ganhamos: setor privado, setor público e a população em geral. Mais: a harmonia entre os Poderes, para tanto, não só é importante, como imprescindível. A responsabilidade dos atores políticos é enorme, mas estou certo de que é um desafio à altura dos cargos que ocupam. Confiamos nas nossas instituições, que não fraquejaram, e nos nossos Poderes constituídos.

Além da instabilidade política e econômica, qual a outra razão de o país ter um nível tão baixo de investimentos?

O problema está no modelo. O investimento público colapsou. O setor público não consegue mais, sozinho, ser o financiador e o executor das obras de infraestrutura no país, por diversas razões, incluindo aqui o esgotamento da poupança pública. Temos de reconhecer que o novo modelo de investimentos a ser, incessantemente, perseguido deve buscar a liderança e o protagonismo do capital privado. Contudo, ressalto que, em momento algum, esse novo modelo poderá abrir mão do Estado. Mesmo não liderando, o poder público terá um papel crucial para o crescimento econômico, desde que focado em investimentos nas áreas sociais, na saúde, na educação, na inovação, na formação de mão de obra, nas agências regulatórias, na modernização e eficiência do Estado. De novo, para isso, precisamos de uma reforma de Estado. Tal como ocorre no âmbito privado, em que vemos a centralidade do consumidor, no setor público, deveríamos buscar a centralidade do cidadão.

Os bancos são sempre criticados, independentemente se o governo for de direita ou de esquerda. Por quê?

Antes de mais nada, quero dizer que os bancos estão prontos para continuar fomentando o desenvolvimento do Brasil. Isso é fato. Agora, os bancos, tão criticados por muitos, não têm do que se envergonhar; nunca faltamos ao país e, nos mais momentos mais críticos, sempre ajudamos, como fizemos desde o início da pandemia, irrigando a economia com R$ 13 trilhões para as famílias e as empresas. Precisamos, isso sim, romper com o atual modelo de investimentos, colocando o setor privado na liderança desse processo. Precisamos crescer desesperadamente. Não temos escolha, nem tempo a perder. Muito menos deveríamos gastar nossa energia em discussões inúteis, polêmicas rasas e debates enviesados. O Brasil precisa de uma grande conjunção de forças, de um pacto, de debates de ideias, e não de retóricas, ataques e bravatas.

 


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