Prata da casa, o tradicional pequi agora chegará para o consumidor brasileiro com uma nova roupagem, graças ao resultado de uma longa pesquisa que teve início nos anos 1990. Conforme apuração do Correio, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), por meio de sua unidade Cerrados, e a Agência Goiana de Assistência Técnica, Extensão Rural e Pesquisa Agropecuária (Emater-GO) lançarão, pela primeira vez, cultivares de uma árvore nativa do cerrado: o pequizeiro, que até então não era fácil de ser plantado. Um dos diferenciais que mais chama a atenção no resultado da tecnologia aplicada pelos pesquisadores é que, dos seis novos tipos do fruto, trabalhados por meio de reprodução assexuada, três se apresentam sem espinhos.
A culinária brasileira tem no pequi uma das principais referências quando se coloca o cerrado à mesa. O aroma e o sabor marcantes e o caroço espinhoso dividem opiniões, mas economicamente o produto extrativista não deixa espaço para controvérsias: é dele que se origina a renda de muitos pequenos agricultores, em especial nos estados de Minas Gerais, Goiás e Tocantins e no Distrito Federal. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que mais de 74 mil toneladas foram extraídas em 2021 no país, com a agricultura mineira respondendo por quase metade da produção. Na forma natural, o fruto pode ser servido puro ou como ingrediente de outros pratos salgados e doces e ainda utilizado pela agroindústria no processamento de produtos vendidos nas prateleiras pelo país afora. É possível encontrar no mercado farinha, óleo e até cerveja à base do pequi.
De acordo com especialistas da Embrapa Cerrados e Emater-GO envolvidos na pesquisa, as cultivares são o resultado de 25 anos de estudo e trabalho conduzidos pelas duas instituições, com a participação também de produtores. O plantio da árvore não é fácil: a cada 100 sementes, apenas cinco resistem e, ainda assim, sem garantia de que o fruto será colhido. "Da mesma forma que outras espécies do cerrado, o pequizeiro tem problemas de germinação. Os produtores rurais procuram há anos uma técnica que permita um plantio bem-sucedido e, durante a pandemia do novo coronavírus, o desejo se tornou ainda mais evidente, pois o pequi passou a representar a única fonte de sobrevivência financeira de muitas famílias no campo", explica a pesquisadora do Emater-GO Elainy Pereira.
Clonagem
Antes dos anos 2000, não existia nenhum estudo agronômico nesse sentido. Durante o processo de pesquisa, os cientistas identificaram o método mais adequado de propagação assexuada para o objeto do estudo: a clonagem. A partir daí, a equipe garimpou o cerrado em busca de matrizes de pequizeiros nobres para reproduzir e montar uma coleção de trabalho com fins de melhoramento genético.
De acordo com o pesquisador da Embrapa Cerrados Ailton Pereira, após muitos testes, os produtores poderão contar com a garantia de um fruto uniforme que será cultivado e colhido dentro de seus próprios terrenos. A cada hectare, será possível plantar uma centena de árvores. "Na prática, produtores rurais poderão criar o pequizeiro em seus pomares, utilizando um adequado sistema de produção para assegurar uma safra bem-sucedida, com garantia de uniformidade e qualidade", explica o especialista.
Segundo estudo da Emater-GO, cada planta gera 40kg de frutos, dos quais se aproveitam 8kg (polpa) para consumo. Na feira, o pequi é vendido, em média, a R$ 10 o quilo. Com 100 árvores por hectare, o produtor rural terá um rendimento de R$ 8 mil ao ano. A pesquisadora Elainy Pereira lembra que o agricultor poderá, ainda, aproveitar o espaço em 100%, pois o cultivo dos pequizeiros não infringe a obrigatoriedade de reserva legal de 20% para o bioma. "O dono do pequeno pedaço de chão ganha a oportunidade de gerar renda dentro de sua própria rocinha, evitando o êxodo rural e recompondo o cerrado, em vez de abri-lo", avalia.
Com o devido registro no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), o cultivo do pequi poderá ser feito, em pequena escala, na região de Goiânia (GO) e em outros locais com condições semelhantes. A primeira oferta pública de 1.200 mudas do "ouro do cerrado" contempla viveiristas e agricultores familiares. Em outubro, a Emater-GO abriu para manifestação de interesse daqueles que desejem adquirir as sementes das seis novas cultivares. Cada viveirista poderá adquirir de cinco a até dez lotes por CNPJ, enquanto agricultores familiares poderão adquirir até dois lotes por CPF. Mais de 200 agricultores familiares esgotaram rapidamente o estoque disponível de mudas. Ainda em novembro, serão iniciados os trâmites de aquisição das mudas. Já a retirada está prevista para o mês de dezembro. A primeira safra dos pequis sem espinho, entretanto, deverá ocorrer em, no mínimo, quatro anos.
Entusiasmo
O novo mercado em ascensão foi recebido com entusiasmo pelos agricultores familiares, que representam cerca de 90% dos comerciantes de pequi, de acordo com o estudo Produção da extração vegetal e da silvicultura, do IBGE. De maneira informal, muitos catadores utilizam o fruto que cai das árvores para a comercialização in natura ou em forma de conservas e outros produtos derivados. "Os novos materiais alinham elevada produtividade e qualidade de polpa, atendem a necessidades de agroindústrias e de consumidores e contribuem para a preservação da espécie", afirma o pesquisador Ailton Pereira.
Com o lançamento da variedade, o consumo do pequi deve aumentar, na opinião do pesquisador. Além de evitar acidentes ao consumir e manusear o fruto, a ausência dos espinhos favorece a mecanização do processo de extração da polpa e facilita o acesso à amêndoa. "Outra vantagem é que a polpa da nova espécie possui sabor mais suave, o que, com certeza, agradará ao público que hoje tem resistência ou mesmo rejeita consumir o fruto", acredita.
E não é somente no universo alimentício que o pequi tem assumido o protagonismo de prato principal. Algumas propriedades do fruto nativo vêm sendo apontadas como terapêuticas, como a extração do óleo para tratamento e prevenção de doenças. Esses processos estão sendo criados e desenvolvidos por meio de parcerias entre as instituições de pesquisa e ensino e as comunidades. Um estudo da Universidade de Brasília (UnB), por exemplo, identificou propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias no óleo extraído do pequi. Já na Universidade de São Paulo (USP), cientistas provaram os efeitos do "ouro do cerrado" na prevenção de câncer. Diante desse cenário promissor, o agronegócio agradece e segue louvando o valioso patrimônio natural brasileiro.
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