Criar uma regra fiscal para controlar o aumento desenfreado de despesas ocorrido neste ano, em meio à perda de fôlego da atividade econômica, em grande parte, será desafiador para o vencedor das urnas de hoje, de acordo com analistas. Eles lembram que, como o freio de mão do crescimento econômico em 2023 estará puxado pela política econômica, pois o impacto da taxa de juros da economia (Selic), atualmente em 13,75% ao ano, terá efeito ao longo de 2023, tentar fazer ajuste em despesas e discutir um novo arcabouço fiscal não será uma tarefa fácil.
O equilíbrio fiscal, portanto, será um dos maiores desafios a serem enfrentados pelo vencedor das urnas. A economia não estará crescendo em ritmo suficiente e uma das alternativas que estará na mesa se não houver reformas estruturais e corte de despesas, inclusive do orçamento secreto — jabuticaba das emendas do relator geral criada no atual governo e que não dá transparência para cerca de R$ 20 bilhões de gastos previstos no Orçamento de 2023 —, será o aumento da carga tributária.
Não à toa, as estimativas do mercado de crescimento do Produto Interno Interno Bruto (PIB) para o ano que vem mostram uma desaceleração de 2,76% para 0,63%. Com esse cenário, será difícil o governo conseguir registrar aumentos extraordinários da receita para fazer frente a tantos gastos em expansão sem uma fonte de recurso garantida, como é previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que vem sendo burlada pelo governo com manobras e mudanças na Constituição, legalizando até pedaladas de dívidas judiciais. E, para piorar, o Banco Central tem sinalizado que não deverá reduzir a taxa Selic antes de junho do próximo ano, em grande parte, devido às incertezas no cenário externo e em torno da política fiscal do futuro governo.
A especialista em contas públicas Karina Bugarin, pesquisadora do Núcleo de Economia Regional e Urbana da Universidade de São Paulo (Nereus), reforça a necessidade de equilíbrio das contas públicas no próximo governo. "Só a manutenção do Auxílio Brasil em R$ 600 terá custo de R$ 52 bilhões por ano. Além do compromisso explícito de ambos os candidatos com a manutenção desse benefício, sabemos pela história brasileira que é muito difícil retirar um benefício, uma vez concedido. Mas de onde virá o recurso para o auxílio e outros subsídios é o grande problema", destaca.
Bugarin ressalta que o equilíbrio pelo lado da receita historicamente não representa um "equilíbrio", de fato, porque quando há expansão da base de arrecadação, o governo gasta mais. Ao mesmo tempo, onde os cortes poderão ocorrer, principalmente considerando a composição do Congresso, também não está claro. "O que sabemos é que o caminho que deveria ser trilhado seria o de ancorar as expectativas com uma política fiscal responsável de médio e longo prazo", orienta. Ela lembra que o custo com um programa voltado para a renda mínima teria custo de R$ 170 bilhões, mas não há fonte de recursos para isso.
"A má gestão do atual governo, em particular neste ano, criou muitas obrigações futuras, como a PEC dos Combustíveis e a expansão do crédito, gerando passivos futuros para o governo. Isso não se resolve ano que vem e não tem efeitos apenas para 2023. Voltamos sempre para a mesma discussão, qual é o problema? Trajetória descontrolada e desenfreada de expansão de gastos no Brasil", explica.
Eduardo Velho, economista-chefe da JF Trust Gestora de Recursos, lembra que, diante do processo de desaceleração da economia global, o Brasil também terá restrições de crescimento além do impacto da taxa de juros elevada por um período mais prolongado, como vem sinalizando o Banco Central, que manteve a taxa Selic em 13,75% na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) e reforçou preocupação com a questão fiscal. "É fundamental que o novo governo dê sinais claros de qual será a nova âncora fiscal para recuperar a credibilidade da política fiscal, o quanto antes. O teto de gastos perdeu a confiança do mercado como âncora fiscal e, se isso não acontecer, o peso será maior da âncora monetária", alerta.
Problemas estruturais
Juliana Damasceno, especialista em contas públicas da Tendências Consultoria, aponta contradições no discurso do atual governo, que afirma que a economia está decolando e, ao mesmo tempo, decreta estado de emergência para gastar mais e criar benefícios e fazer renúncias fiscais em pleno ano eleitoral. "Temos uma economia em calamidade que fura todas as regras fiscais e o teto de gastos ou temos uma economia decolando. São duas coisas que não combinam."
Ela destaca ainda que o governo vem conseguindo reduzir a dívida pública bruta em relação ao PIB com a ajuda da inflação, que aumentou o PIB nominal, usado como denominador da taxa e o governo vem antecipando devoluções de aportes da União junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que entram na conta do abatimento da dívida deste ano.
Além disso, a antecipação de dividendos de estatais e as concessões em infraestrutura também colaboraram para a redução da dívida pública e o aumento da arrecadação deste ano. "Há uma série de receitas extraordinárias e que estão ajudando a melhorar o resultado fiscal de 2022, mas que não devem se repetir no ano que vem. Por isso, o estoque da dívida não diminui e, com os juros em alta, o governo está criando um grande problema para os próximos anos", acrescenta.
A especialista da USP é taxativa ao criticar a revisão das regras do teto de gasto ocorrida no ano passado com a PEC dos Precatórios, que não resolveu o problema. Vale lembrar que a medida criou bombas fiscais que devem estourar a partir de 2027, com um volume superior a R$ 600 bilhões, de dívidas judiciais que foram pedaladas, nas estimativas mais conservadoras de analistas.
"O problema fiscal é estrutural. O novo governo deveria buscar o equilíbrio fiscal a partir de uma revisão de gastos diretos e indiretos e, a partir de uma compreensão de Orçamento público, propor cortes anunciados e claros ao longo do tempo, uma espécie de âncora temporal, juntamente com discussões amplas e transparentes de como vamos controlar a expansão dos gastos, por meio de um 'novo teto'", explica Bugarin. Ela defende uma consolidação e simplificação normativa no âmbito fiscal. "Para que a direção seja correta, precisamos de um governo que não seja negacionista. Se o atual governo continuar, não sei o que esperar. Provavelmente, será mais do 'está tudo indo muito bem, estamos voando'", afirma.