Após o Tribunal de Contas da União (TCU) pedir explicações sobre os empréstimos consignados concedidos aos beneficiários do Auxílio Brasil, substituto do Bolsa Família, e do Benefício de Prestação Continuada (BPC), o órgão registrou o recebimento de uma série de documentos encaminhados pela Caixa Econômica Federal, na tarde desta terça-feira (25/10).
Ontem, o ministro Aroldo Cedraz, do TCU, determinou a suspensão dos empréstimos e solicitou à Caixa o envio de respostas aos questionamentos do órgão sobre a operação de crédito dentro de 24 horas.
Após a notificação do Tribunal, o banco suspendeu as liberações dos empréstimos, mas qualquer beneficiário do Auxílio ainda pode fazer a solicitação do crédito consignado, na agência, nas lotéricas ou no aplicativo da Caixa. O pagamento dos recursos é que não ocorre de imediato e o banco está tentando prorrogar o prazo junto ao Ministério da Cidadania.
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Agora, devido ao grande volume de documentos encaminhados pela Caixa por meio de ofício, a decisão do ministro relator do TCU sobre o assunto não deverá ser imediata. É preciso verificar se o banco encaminhou todas as informações solicitadas e respondeu a todos os questionamentos nas peças recebidas, segundo fontes da Corte.
Demanda aquecida
Apesar de os juros cobrados pela Caixa para o empréstimo consignado serem elevados, na avaliação de analistas, o banco não estava conseguindo liberar os recursos dentro do prazo previsto, de 48 horas, devido à demanda aquecida.
Por conta da procura elevada, a Caixa chegou a interromper as operações de empréstimo consignado durante o fim de semana para manutenção dos sistemas.
Prorrogação do prazo
A instituição informou que solicitou ao Ministério da Cidadania uma ampliação do prazo para a liberação dos recursos de dois dias para cinco dias.
O pedido foi feito nesta terça-feira (25/10), e, de acordo com a assessoria do banco, teve como motivação os problemas operacionais, e não os questionamentos do TCU. A expectativa da instituição é de que a pasta dê uma resposta ainda hoje sobre a prorrogação do prazo.
No comunicado de ontem sobre a notificação do TCU, o banco informou que, para os contratos que foram celebrados na segunda-feira (24), "não há previsão de liberação de valores financeiros referentes a essas solicitações".
No último dia 17, a presidente da Caixa, Daniela Marques, informou que o banco já emprestou R$ 1,8 bilhão para 700 mil pessoas. O banco ainda não divulgou dados mais recentes.
Representação do MP
Na semana passada, o Ministério Público junto ao TCU apresentou uma representação contra o crédito consignado, apontando “desvio de finalidade” nos empréstimos consignados pela Caixa e objetivo “meramente eleitoreiro”, uma vez que o programa foi lançado em plena campanha do presidente Jair Bolsonaro (PL) em busca da reeleição.
Na representação que deu origem ao processo, o procurador do MP junto ao TCU Lucas Furtado pediu a suspensão da concessão dos empréstimos consignados aos beneficiários do Auxílio Brasil e do BPC. No dia 20, a área técnica do TCU recomendou ao relator que fossem feitos questionamentos à Caixa, mas também recomendou a suspensão dos empréstimos.
Na tarde de ontem, o ministro Aroldo Cedraz, do TCU, recomendou a suspensão dos empréstimos e deu um prazo de 24 horas para o banco enviar as informações solicitadas pelo Tribunal sobre a regularidade dos procedimentos.
Operação Kamikaze
A concessão de empréstimo consignado aos beneficiários do Auxílio Brasil é considerada uma armadilha para os mais vulneráveis, porque o custo da operação é bem mais alto do que as taxas do consignado para aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), de 1,98% ao mês, em média.
Vale lembrar que os juros cobrados na operação do consignado para os vulneráveis, devido ao elevado risco de crédito, é alto e pode chegar a 51,11% ao ano, considerando o teto de 3,50% ao mês permitido para o financiamento. O número máximo de vezes para o parcelamento é de 24 e o consignado pode comprometer até 40% do valor do benefício, ou seja, para quem recebe R$ 600, hoje, e fizer um empréstimo, receberá R$ 360 mensais.
De acordo com o economista e consultor Roberto Luis Troster, da Troster & Associados, essa política do consignado para os beneficiários do Auxílio Brasil é uma “operação kamikaze”. “O governo está dando um doce agora para o eleitor mais pobre, para tirar depois. Por isso, a suspensão desse crédito é correta, não tenho dúvidas, porque esse crédito é suicida para o mais vulnerável”, alertou. “Os grandes bancos não aceitaram fazer esse empréstimo consignado, porque o risco é muito alto. É como colocar o dependente do auxílio em uma armadilha, na qual ele não terá recursos para suprir as necessidades básicas”, ressaltou.
Miguel José Ribeiro de Oliveira, diretor executivo de estudos e pesquisas da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), também alertou sobre os altos riscos da operação de crédito para os vulneráveis, porque essas pessoas terão ainda mais dificuldades para sobreviver, uma vez que há desvio do propósito do benefício “A taxa de juros é elevada e é mais cara do que as taxas dos consignados normais, tanto para aposentados, pensionistas, quanto privados. Então, o empréstimo é ruim e não é à toa que os grandes bancos, tirando a Caixa, que é do governo, ficaram longe disso, porque há um risco grande de operação de crédito”, afirmou.
O professor de Finanças do Insper Ricardo Rocha engrossa o coro de críticas à operação de crédito eleitoreira, como aponta o MP junto ao TCU, e chama a atenção sobre o custo mais alto do que o dos empréstimos de aposentados, apesar do desconto em conta. “O ponto em questão é entender a lógica da taxa cobrada. Talvez o risco, de fato, seja muito alto. Embora tenha a garantia do Auxílio, o consignado tem maior risco , porque não se tem certeza como o benefício ficará a partir de janeiro de 2023", explicou.
Na avaliação de Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, os questionamentos ao crédito consignado para a população vulnerável confirmam o fato de como a operação foi mal elaborada para fins eleitoreiros. Segundo ele, o microcrédito seria mais interessante, porque é uma forma de gerar renda futura, voltada para investimento, “não para efeito eleitoral de curto prazo”. “Com juros de 3,5% ao ano é um crédito caro. Dado o momento eleitoral, essa medida deveria ser abortada e melhor desenhada no próximo ano, como um tipo de microcrédito, que gera renda e não consumo”, frisou.
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