Apesar de interromper o ciclo de alta da taxa básica da economia (Selic), na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), em setembro, o Banco Central vem dando sinalizações de que a Selic, atualmente em 13,75% — mesmo patamar de janeiro de 2017 —, deverá continuar elevada por um período prolongado. Enquanto isso, os investimentos em renda fixa — que amargaram perdas durante o período em que as taxas de juros reais (descontada a inflação) chegaram a ficar negativas — estão cada vez mais atrativos em relação às aplicações mais arriscadas, como ações, ouro, dólar, e criptomoedas, que lideram as perdas no ano.
Conforme levantamento feito pelo TradeMap, a taxa do Certificado de Depósito Interbancário (CDI) — que acompanha a Selic e é referência para a maioria das aplicações de renda fixa, como fundos DI, Tesouro Direto e Certificado de Depósito Bancário (CDB), acumula valorização nominal (sem descontar a inflação) de 9,35%, no ano, e de 11,14%, em 12 meses até a última sexta-feira (14). Enquanto isso, o Índice Bovespa (IBovespa), principal indicador da Bolsa de Valores de São Paulo (B3), registrou alta de 6,92%, no ano, e perdas de 0,98%, em 12 meses.
"Os investimentos em renda fixa possuem desempenhos, no acumulado em 12 meses, melhores do que os demais investimentos", destaca Einar Rivero, head comercial do TradeMap. Ele lembra que essas aplicações conservadoras tiveram ganhos acima da inflação oficial, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), de 7,17% no acumulado até setembro. Até a caderneta de poupança, no mês passado, voltou a ter ganhos de poder aquisitivo pela primeira vez em 24 meses.
Vale lembrar que a Taxa Referencial (TR) não está mais zerada, aumentando o rendimento da caderneta. Quando a Selic está acima de 8,5% ao ano, a poupança tem rendimento mensal de 0,50% mais TR. Pelas estimativas de Fabio Gallo, especialista em finanças e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), a caderneta, neste ano, deverá fechar 2022 com ganho real acima de 2%, porque poderá render 8% ou mais. "A poupança é segura, não paga Imposto de Renda e é útil para aquela reserva financeira para emergências do dia a dia", explica.
Emissões em alta
Conforme dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), o volume de emissões em renda fixa cresceram 25,6% no ano, acumulando R$ 331 bilhões de janeiro a setembro — o maior volume registrado até o terceiro trimestre desde o início da série histórica da entidade, em 2014. Desse total, R$ 205 bilhões foram emissões de dívidas de empresas privadas, refletindo o bom momento dessas aplicações mais conservadoras enquanto as demais registraram queda no mercado de capitais.
Os títulos do Tesouro Nacional também tiveram destaque entre os maiores rendimentos do ano. O IMA-Geral, indicador da Anbima que mede o retorno dos papéis da dívida pública, acumulou alta de 8% em 12 meses até outubro, conforme os dados do TradMap. "Agora é um bom momento para aplicar em investimentos prefixados de três a quatro anos", recomenda o professor de finanças do Insper Ricardo Rocha.
"O momento é favorável para a renda fixa. Os juros subiram durante muito tempo e devem ficar em patamar elevado por um período mais longo. E o que está acontecendo agora é que, apesar da queda da inflação a curto prazo, o Banco Central interrompeu a alta da Selic, mas sinaliza manter os juros mais altos por mais tempo, porque há muita incerteza no ano que vem. Não se sabe se os subsídios que baixaram o preço da gasolina devem continuar no ano que vem e há muitas dúvidas sobre o arcabouço fiscal no próximo governo", afirma Marcelo Cidade, economista da Anbima. Ele destaca ainda que, diante da perspectiva de um aperto monetário cada vez mais forte nos Estados Unidos e da continuidade da guerra na Ucrânia, a tendência é de muita volatilidade no mercado de ações e de maior ganho na renda fixa.
Gallo, da FGV, lembra que, mesmo com a redução dos tributos sobre os combustíveis, ainda não dá para o Banco Central ficar tranquilo no controle da inflação e, por isso, os juros devem continuar em patamares elevados. "Como os juros também estão subindo em outros países, a Bolsa tende a sofrer muito ainda. Com isso, o mercado de renda fixa, que está com os retornos mais altos, tende a se destacar, devido às incertezas internas e externas", explica. O professor reconhece que, como várias aplicações conservadoras apresentam rendimento acima de 12% ao ano, investimentos produtivos, como em infraestrutura, podem ser adiados devido ao retorno menor e ao risco muito maior.
Analistas reconhecem que o aperto monetário promovido pelo Banco Central desde março de 2021, quando a Selic estava no piso histórico de 2% e os juros reais eram negativos, foi expressivo e contribuiu para a atratividade da renda fixa. A alta da Selic desde então foi a maior em quase 20 anos.
Miguel José Ribeiro de Oliveira, diretor executivo de estudos e pesquisas da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), reforça que, com a expectativa de a Selic se manter estável até a primeira metade de 2023, a renda fixa continuará se destacando, "porque são aplicações de baixo risco".
Especialistas orientam, entretanto, que é preciso escolher a que for mais adequada de renda fixa ao período em que pretende investir, pois o Imposto de Renda é maior quando o prazo é menor. Além disso, é importante ficar atento às taxas de administração do fundo, para elas não corroerem a rentabilidade junto com o imposto.
Para Camilla Dolle, head de renda fixa da XP Investimentos, é importante ficar atento às debêntures de empresas privadas, porque algumas delas podem ser mais rentáveis do que a maioria das aplicações tradicionais em renda fixa. Nesse caso, analistas também orientam o investidor a ficar de olho no perfil das empresas e na classificação de risco e fugir daquelas com notas muito baixas, apesar pagarem taxas altas. "De qualquer forma, agora, é um bom momento para aplicar na renda fixa e em títulos conservadores. Mesmo os títulos do governo estão pagando taxas muito altas", diz a economista da XP.