Finanças públicas

TCU pede esclarecimentos sobre compra de cestas básicas pela Cidadania

Licitações, no valor de R$ 2,2 milhões teriam sido realizadas nos últimos dois anos em nome de "laranjas"

Rosana Hessel
postado em 22/10/2022 03:55
 (crédito:  Leopoldo Silva/Agência Senado)
(crédito: Leopoldo Silva/Agência Senado)

A área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU) recomendou, ontem, a suspensão do empréstimo consignado para os beneficiários do Auxílio Brasil, programa que substituiu o Bolsa Família, por meio da Caixa Econômica Federal, apontando desvio de finalidade dos recursos públicos. A decisão se alinha a representação feita na última terça-feira pelo Ministério Público da União junto ao TCU.

Na representação, o subprocurador-geral, Lucas Furtado pediu ao TCU a edição de medida cautelar contra a Caixa, argumentando que os empréstimos consignados, além de desvio de finalidade, demonstram "uso meramente eleitoral" dos recursos. No documento, Furtado menciona que, apenas nos primeiros três dias de vigência dos empréstimos, na semana passada, a Caixa liberou R$ 1,8 bilhão a 700 mil beneficiários do repasse emergencial.

Em parecer encaminhado ao relator do processo, ministro Aroldo Cedraz, a Unidade Técnica do TCU propôs ouvir a Caixa, antes de decidir sobre a questão, em um prazo de cinco dias úteis. A expectativa dos técnicos é de que o ministro Cedraz acate a sugestão.

O empréstimo consignado vem sendo alvo de críticas desde que foi criado. Para a maioria dos especialistas, as pessoas que recebem o auxílio do governo, por sua condição de vulnerabilidade, não têm condições de arcar com o pagamento do empréstimo sem comprometer a própria sobrevivência.

Risco

Conforme portaria do Ministério da Cidadania, o empréstimo consignado para os beneficiários do Auxílio Brasil terá juros mensais de, no máximo, 3,5%, o que significa um custo financeiro de 51,11% ao ano. Segundo analistas, os beneficiários do programa não terão condições de arcar com esses juros mesmo parcelando o pagamento em 24 vezes, pois, ao comprometerem até 40% do benefício com a dívida — limite previsto para o consignado — faltará dinheiro para despesas básicas.

"O beneficiário, que já está em uma situação vulnerável, não vai ter capacidade de pagamento e, no final, essa dívida acabará sendo perdoada. Logo, o governo está dando dinheiro de graça, com uma série de custos administrativos", alertou o economista Simão Davi Silber, professor da Universidade de São Paulo (USP). Na avaliação dele, essa nova modalidade de crédito consignado é uma espécie de "coronelismo moderno". "Isso é uma compra descarada de voto. A sugestão do TCU para a suspensão do consignado é uma decisão acertada, porque a medida é de uma irresponsabilidade fiscal brutal, é um empréstimo a fundo perdido", afirmou Silber.

Para Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, "o consignado no Auxílio Brasil é uma barbaridade econômica e só se justifica por uma tentativa de reeleição. Há enorme risco de crescimento do endividamento da população de baixa renda, que pode ter crescentemente o auxílio alocado em consignado", destacou. Segundo Vale, o microcrédito seria mais interessante para essa população, pois é uma forma de gerar renda futura, voltada para investimento, não para efeito eleitoral de curto prazo.

O economista e consultor Roberto Luis Troster, da Troster & Associados, também comentou o posicionamento dos técnicos do TCU. "O governo está dando um doce agora para o eleitor mais pobre, para tirar depois. Por isso, a suspensão desse crédito é correta", afirmou. "Os grandes bancos privados não aceitaram fazer esse empréstimo consignado, porque o risco é elevado. É como colocar o dependente do auxílio em uma armadilha", ressaltou.

Procurados, a Caixa e o Ministério da Cidadania não comentaram o relatório da área técnica do TCU. O banco, que vinha apresentando problemas na liberação dos recursos nos últimos dias, divulgou nota, na noite de ontem, informando que, devido a uma "manutenção programada" em seus ambientes tecnológicos neste fim de semana, "a operação do auxílio ficará indisponível até às 7h da próxima segunda-feira (24)".

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.