ELEIÇÕES 2022

Clima de incertezas eleva tensão no mercado sobre o segundo turno

Apesar do otimismo da Bolsa logo após o resultado das urnas do último domingo, analistas alertam para o clima de incertezas internas e externas que deve fazer o mercado oscilar bastante até 30 de outubro

Rosana Hessel
postado em 10/10/2022 03:00
 (crédito: Bruno Escolastico/Estadão Conteúdo)
(crédito: Bruno Escolastico/Estadão Conteúdo)

A corrida para o segundo turno das eleições presidenciais deste ano promete ser acirrada, após o resultado mais apertado nas urnas entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL), que receberam, respectivamente, 57.259.504 e 51.072.345 votos.

A diferença em número de votos entre os dois candidatos — de 6.457.159 — é considerada difícil de ser revertida, mesmo com os apoios incondicionais de alguns governadores ao atual presidente, tanto que o Eurasia Group prevê 65% de chances de Lula derrotar Bolsonaro no próximo dia 30. E o mercado tende a ficar bastante volátil nos próximos dias, acompanhando as campanhas, segundo analistas.

O fato de as urnas terem escolhido um Congresso mais conservador, elegendo um número considerável de apoiadores de Bolsonaro, deixou os investidores mais animados com a expectativa de que Lula terá mais dificuldade para revogar as reformas e privatizações, como prometeu.

Na segunda-feira (3/10), a Bolsa de Valores de São Paulo (B3) disparou 5,54% — maior alta em valores percentuais desde abril de 2020 —, em grande parte, acompanhando o bom humor dos mercados internacionais, e continuou subindo até quinta-feira (6/10), quando fechou a 117.561 pontos, maior patamar desde abril de 2022.

Mas a euforia durou pouco. A Bolsa voltou a recuar na sexta-feira (7), com a piora no cenário externo e a falta de uma definição dos programas dos dois candidatos. O Índice Bovespa (IBovespa), principal indicador da B3, fechou a semana com queda de 1% a 116.375 pontos, em um claro sinal de que as incertezas internas e externas ainda devem ditar o ritmo do mercado acionário, que seguirá volátil até o próximo dia 30.

De acordo com analistas, a falta de Lula divulgar um nome de peso junto ao mercado financeiro para comandar o Ministério da Fazenda é um dos motivos para a apreensão. Analistas temem, por exemplo, que a escolha esteja atrelada ao resultado da eleição para o governo de São Paulo, disputada entre Fernando Haddad (PT) e Tarcísio de Freitas (Republicanos), ex-ministro de Bolsonaro. A torcida é que a escolha venha do PSDB, com algum político ou economista mais comprometido com a agenda liberal, como ocorreu em 2002.

Por outro lado, o mercado também está apreensivo com o fato de que, uma vitória de Bolsonaro não será a garantia de um governo liberal de fato. Isso porque o ministro da Economia, Paulo Guedes, não tem a mesma força do início do mandato para ditar rumos da política econômica. Esse poder, agora, segundo eles, está nas mãos do Centrão.

Aliás, analistas afirmam que o ministro da Economia — que já perdeu os ministérios do Trabalho e da Previdência para o Centrão — nem pode mais ser chamado de um economista liberal, porque, em sua gestão, os maiores pacotes heterodoxos da história foram colocados em prática, mesmo excluindo as medidas de socorro adotadas durante a pandemia, em 2020, que foram necessários e adotados no mundo todo. Guedes é criticado por permitir a série de medidas eleitoreiras, principalmente a PEC dos Precatórios.

Ao antecipar a mudança da metodologia de cálculo, ampliando o limite da regra constitucional em mais de R$ 100 bilhões, o teto ficou flexível, mas a medida não foi suficiente para cobrir todos os gastos e o governo ainda é obrigado a fazer contingenciamentos no Orçamento deste ano. Os cortes em curso no Executivo em 2022 somam R$ 10,5 bilhões, conforme dados da Instituição Fiscal Independente (IFI), em um sinal claro de que o governo não cumpre a promessa de austeridade fiscal.

Pelas estimativas do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), o Brasil poderá ter de arcar com uma conta adicional de R$ 430 bilhões, ou 4,2% do Produto Interno Bruto (PIB), em 2023, por conta das medidas populistas adotadas pelo atual governo. Um outro cálculo, da Tendências Consultorias, aponta um número mais modesto e igualmente preocupante sobre as bombas fiscais armadas para 2023, que somam R$ 275 bilhões.

Os estímulos fiscais estão sendo importantes vetores para a onda de revisões para cima das projeções do mercado para o Produto Interno Bruto (PIB) deste ano, mas não serão suficientes para evitar a desaceleração da economia em 2023.

"O mercado voltou a ter receios com duas coisas: o risco de um Senado mais conservador e com Lula se recusando a abrir a economia. Acho que essa volatilidade só vai se dissipar, ou não, quando soubermos alguns nomes básicos da equipe de Lula. Acertando esses dois nomes, o mercado se acalma", explica Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, ao comentar sobre a queda da Bolsa após quatro dias de alta. Para ele, o comando da Câmara dos Deputados não deve ser alterado, pois o atual presidente, Arthur Lira (PP-AL), deve ser confirmado, mas como há indefinição sobre o substituto de Rodrigo Pacheco (PSD-MG) na presidência do Senado, o clima de instabilidade no mercado deve prevalecer.

José Márcio Camargo, economista-chefe da Genial Investimentos, destaca que a alta da Bolsa nos últimos dias refletiu a surpresa do mercado com o resultado das urnas, mas a tendência é de muita volatilidade até o fim do ano. "Os investidores gostaram muito do resultado das urnas, porque a vitória de Lula está precificada, mas a de Bolsonaro não", afirma.

Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos, reforça que o mercado ficou mais empolgado com o resultado das urnas obrigar que os dois candidatos devem convergir mais para o centro em vez de ficarem nos extremos. "Existe uma sensação menor com uma ruptura das reformas em um eventual governo Lula", destaca.

Indefinição

Como Lula reforçou, nas últimas entrevistas, que não pretende revelar o nome do futuro chefe da equipe econômica, a tensão no mercado deverá permanecer até depois da eleição, de acordo com Sergio Vale. No caso de Bolsonaro, ele destaca que o mercado ainda vai ter que lidar com Guedes mais fraco e com o Ministério da Economia sem status de superministério, pois o presidente já adiantou que pretende recriar o Ministério da Indústria, Desenvolvimento e Comércio (MDIC), com o intuito de agradar a base governista. "Se Bolsonaro ganhar, quem vai comandar a economia será o Congresso", frisa o economista da MB.

Na avaliação de José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, o mercado continua perdido em relação ao rumo da economia e das eleições. Para ele, os movimentos recentes da Bolsa brasileira estão refletindo mais o mercado externo e têm pouca influência interna. "Todas as bolsas subiram na semana. As quedas de sexta-feira vieram com o impacto dos dados do mercado de trabalho dos Estados Unidos. Aqui, a queda foi menor, talvez, por conta do apoio dos economistas tucanos a Lula", destaca. Para ele, a alta recente na semana não é sustentável.

Para Camargo, da Genial, o mercado não se surpreendeu com o grande número de economistas ortodoxos e respeitados pelo mercado declarando apoio a Lula em vez de Bolsonaro, como Armínio Fraga, Persio Arida, Pedro Malan e Edmar Bacha. "Todo mundo já sabia que os tucanos iriam votar no Lula", destaca.

Desafios

Um consenso entre os analistas é que o vencedor das urnas no dia 30 precisará criar um novo arcabouço fiscal. Além disso, com a economia encolhendo, não será fácil fazer qualquer ajuste para conter o aumento de gastos em curso.

Analistas lembram que, ao contrário do que Bolsonaro fala na propaganda, a economia não está decolando. Como o mundo está em processo de desaceleração, com várias economias desenvolvidas a caminho de uma recessão, o Brasil não ficará ileso a esse processo. Logo, fazer ajuste fiscal com a economia crescendo pouco em 2023, em torno de 1%, pelas previsões mais otimistas do mercado, será duplamente desafiador.

Os números da economia do terceiro trimestre já começam a mostrar que essa tendência de desaceleração está em curso, mesmo com os pacotes de estímulo do governo em prática neste semestre. A perda de fôlego da economia brasileira está relacionada com os efeitos retardados das sucessivas altas na taxa básica de juros (Selic).

A indústria recuou 0,6% em agosto e o varejo acumula três resultados negativos até agosto, reflexo do aumento do endividamento das famílias e do custo dos empréstimos cada vez mais elevados. Além disso, o aumento das incertezas e a mudança da política monetária dos países desenvolvidos, que voltaram a aumentar os juros, estão fazendo o fluxo de capital estrangeiro mudar de direção.

 


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