Referência importante para trabalhadores de baixa renda e aposentados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), o salário mínimo vai completar quatro anos seguidos sem receber aumento real, isto é, sem ganhar poder de compra. O Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa), encaminhado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) ao Congresso, na última quarta-feira, prevê que o piso nacional passará dos atuais R$ 1.212 para R$ 1.302 em janeiro de 2023.
O aumento, no entanto, é apenas nominal, e não real, já que para calcular o valor do mínimo, a equipe econômica do ministro Paulo Guedes utilizou somente a estimativa de inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) para este ano, de 7,41%. Até 2019, primeiro ano da gestão Bolsonaro, o piso era corrigido por uma regra que considerava o INPC mais a variação do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes. O objetivo era garantir a valorização do mínimo e melhorar a distribuição de renda. Desde então, a correção vem sendo feia apenas com base no INPC.
Mais de 36 milhões de brasileiros, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), recebem o salário mínimo. Além disso, o piso influencia, direta ou indiretamente, o nível de outras remunerações. Desse modo, seu valor é extremamente importante para larga parcela da população, sobretudo numa conjuntura de disparada do preço dos alimentos, produtos que consomem a maior parte da renda dos mais pobres. Itens essenciais da cesta básica, como leite, por exemplo, acumulou no primeiro semestre uma alta de 57%. No mesmo período, o pão francês aumentou acima de 10% na média geral do país.
Peso
O mínimo, entretanto, tem peso importante nas contas públicas. Cerca de metade dos aposentados e pensionistas do INSS, por exemplo, recebem o piso salarial, que também é referência para a definição do abono salarial e do seguro desemprego, por exemplo. Em texto que acompanha a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que serve de base para a elaboração do Orçamento, o governo afirma que cada R$ 1 de aumento do mínimo aumenta a despesa pública em R$ 389,8 milhões. Considerando o reajuste proposto para 2023 na Ploa, o impacto do próximo reajuste seria de pouco mais de R$ 35 bilhões.
Por conta disso, há divergência entre os economistas sobre a forma de reajustar o salário mínimo. Segundo o professor do Programa de Pós-Graduação em Política Social da Universidade de Brasília (UnB), Evilasio Salvador, a proposta encaminhada pelo governo ao Congresso é "lamentável".
"Desde 2016 o salário mínimo vem apresentando estagnação, e ele é uma espécie de um farol das remunerações na economia. Ele tem um impacto direto sobre distribuição e redistribuição de renda. E é fundamental para os mais pobres, ainda mais em um cenário que você tem 33 milhões de pessoas passando fome", observou.
Sobre o impacto nas contas públicas, Evilasio argumenta que a elevação do poder de compra do salário injetaria mais dinheiro na economia, visto que os gastos feitos pelos trabalhadores dessa faixa de renda acabam sendo feitos dentro do próprio país. "O ganho econômico é extremamente positivo, porque tem um efeito multiplicador de geração de emprego e de renda na economia e, portanto, também de arrecadação de impostos", explicou.
A dona de casa e moradora da Estrutural Domingas Conceição, de 47 anos, recebe apenas um salário mínimo pelo INSS. Mesmo obtendo isenção nas tarifas de energia, água e vale-gás, ela afirma que, com dois filhos para cuidar, é difícil manter as contas em dia e a comida na mesa. "Mesmo não pagando muitas contas, é muito pesado se sustentar só com esse valor, porque tem que esperar promoção para fazer as compras, se não a gente vai passar fome. É desse jeito", contou.
Para o cobrador rodoviário José Teixeira, 36, morador de Ceilândia, é complicado manter um bom padrão de vida com apenas R$ 1.212, ainda mais para quem precisa pagar aluguel, como é o seu caso. "Se for considerar todas as despesas, fica difícil, porque o valor é muito baixo. Só com o aluguel já vai metade do salário, e aí, com as despesas de alimentação, realmente não dá", disse.
Riscos
Para o economista e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Geraldo Biazoto, o Ministério da Economia acertou em mudar o cálculo do salário mínimo. Ele destacou que um aumento elevado poderia acarretar problemas para a Previdência, como ocorreu em alguns anos anteriores, quando a variação do PIB foi mais alta.
"Isso desequilibra bastante as contas da Previdência. Porque, na verdade, há um conjunto, uma quantidade muito grande de pessoas que ganham um salário mínimo como um benefício de aposentadoria, pensão ou invalidez. Então, é preciso tomar um pouco de cuidado para não jogar uma pilha de gastos no conjunto previdenciário", alertou.
"O país tem que decidir muita coisa antes de decidir uma nova escalada do salário mínimo, por um lado. Por outro, não há como penalizar um país que tem uma bagunça das finanças públicas tão grande, e a gente não sabe qual que vai ser a paulada que vem em janeiro e fevereiro. Então, esse reajuste eu acho que é o mínimo que pode ser feito", concluiu o economista.