Para manter acordos políticos, por meio dos R$ 19,4 bilhões reservados para o orçamento secreto, o governo quer sacrificar 60% das verbas destinadas à saúde no próximo ano. Um dos cortes expressivos, de acordo com o Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) de 2023, enviado para o Congresso, é uma redução direta de 45% nos recursos destinados a prevenção e controle do câncer. Sendo historicamente a segunda doença que mais mata no país, a verba passará de R$ 175 milhões, neste ano, para R$ 97 milhões em 2023, caso o projeto seja aprovado sem mudanças.
Além do controle do câncer, o governo reduziu a reserva de dinheiro público para incrementar a estrutura de hospitais e ambulatórios especializados que fazem parte de redes de outros três grupos considerados estratégicos. A Rede Cegonha, focada em gestantes e bebês; a Rede de Atenção Psicossocial — Raps, para a dependentes de drogas e portadores de transtornos mentais; e a Rede de Cuidados a Pessoas com Deficiência, voltada para reabilitação.
Para a economista e professora de MBAs da Fundação Getulio Vargas (FGV), Carla Beni, o teto de gastos está em segundo plano. "O limite de teto de gastos está fixado em lei de acordo com as despesas na intensidade da inflação. Esse corte está mais relacionado ao orçamento secreto do que em manter a linha do teto, e isso é um feito único. Nunca observamos um corte tão radical na pasta de saúde como esse. Ou a peça orçamentária é de ficção e vai ter que ser consertada no ano que vem ou teremos um levante social com uma quantidade enorme de problemas", avaliou.
"O que eu estou enxergando é um desastre homogêneo, que vai acontecer na saúde e que está acontecendo em outras áreas também. Essa redução de recursos vai destruir o pouco dos programas que estavam funcionando", disse o médico sanitarista Gonzalo Vecina, fundador da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). "É impressionante a capacidade destrutiva desses cortes para manter funcionando o orçamento secreto, que ninguém sabe para o que serve. É difícil sobreviver a essas realocações de recursos feitas de forma tão improvisada", acrescentou.
O projeto compromete, além das verbas para investimento, programas de atendimento direto, como o Farmácia Popular, que de acordo com a proposta pode ter corte de 59%, com orçamento passando de R$ 2,4 bilhões para R$ 1 bilhão. O programa fornece medicamentos para asma, hipertensão e diabetes, entre outros, assim como fraldas geriátricas. Já o Mais Médicos e o Médicos pelo Brasil devem perder metade dos recursos, passando de R$ 2,96 bilhões para R$ 1,46 bilhão.
Segundo o presidente do Conselho Federal de Farmácia (CFF), Walter Jorge João, a medida prejudicará os cerca de 21 milhões de brasileiros atendidos pelo programa com medicamentos gratuitos ou subsidiados e restringirá o acesso para novos usuários. "As despesas com medicamentos consomem um terço do orçamento das famílias brasileiras. Por isso, o programa Farmácia Popular representa uma iniciativa importante de garantia do acesso, especialmente, neste momento de pós-pandemia, em que 20,2 milhões dependem de subsídios governamentais para sua sobrevivência", afirmou.
Para otimizar gastos, João defende que, ao invés de cortar, o governo deveria aperfeiçoar a Farmácia Popular visando a prevenção. "Por meio da inserção de serviços como o monitoramento da terapêutica, acompanhamento dos pacientes assistidos, inserção dos consultórios farmacêuticos nas farmácias. Porque melhor do que tratar internação e sequelas em decorrência de uma doença é prevenir que ela ocorra", disse.
Saiba Mais
- Economia "Piso trouxe maturidade política", diz presidente do SindEnfermeiros
- Economia Bolsas da Europa fecham em queda, com estímulo no Reino Unido e temor de recessão
- Economia Governo lança edital de cessão de três áreas de mineração
- Economia Minoria consegue assinaturas para PEC que custeia piso da enfermagem
Análise no Congresso
De acordo com a deputada federal Carmen Zanotto (Cidadania-SC), relatora da proposta que estabeleceu o piso de enfermagem, não há como a Ploa ser aprovada no Congresso promovendo estes cortes tão expressivos na saúde. "Vamos ampliar a discussão na Comissão Mista de Orçamento. É lei ter um valor mínimo aplicado na saúde e, com certeza, esse orçamento será ampliado por meio de emendas", declarou.
Em nota, o Ministério da Saúde disse que está "atento às necessidades orçamentárias e buscará, em diálogo com o Congresso Nacional, as adequações necessárias na proposta orçamentária para 2023".
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.