Em um cenário de plena instabilidade agravado pela maior inflação dos últimos 30 anos, que ultrapassa os 70% anuais, a Argentina atravessa uma de suas piores crises da história e os impactos vão além das fronteiras e atingem os demais países do Mercosul — formado também por Brasil, Uruguai, Paraguai.
Principal economia do bloco, o Brasil tem, hoje, o maior nível de exportação para os argentinos dos últimos quatro anos. Entre janeiro e julho de 2022, somaram US$ 8,9 bilhões — 34% a mais que no mesmo período de 2021 — conforme dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex), do Ministério da Economia.
A instabilidade econômica dos vizinhos, contudo, preocupa exportadores e economistas brasileiros, que veem esse avanço no comércio bilateral como algo temporário. Para o professor de Economia Internacional da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), Masimo Della Justina, a crise na Argentina deve provocar queda nas exportações de todos os países do bloco do Mercosul. Segundo ele, com o aumento das taxas de importação no país, os demais membros encontram dificuldades em vender produtos à não vizinha, que defende o protecionismo.
"Se a Argentina, em crise, importa menos do Uruguai, do Paraguai e do Brasil, ela afeta negativamente a área de produção. Nesse sentido, a crise na Argentina acaba impondo um custo econômico aos vizinhos, porque os vizinhos não exportando aquele potencial que eles poderiam exportar, eles também ficam mais pobres ou não realizam esse potencial", avalia.
Outra preocupação brasileira é perder ainda mais espaço comercial para a China. O gigante asiático vem tomando o espaço do Brasil e passou a ser o segundo maior exportador para a Argentina, com 19,2% das importações do país vizinho. Enquanto isso, os chineses lideram como origem, com 21%, conforme dados do Indec, instituto de pesquisas do governo argentino.
O líder da Comissão Técnica de Tesouraria e Risco do Ibef-SP, Bruno Damasceno explica que o receio é válido, já que o vizinho sul-americano nunca esteve em um período tão difícil como o atual. "O Brasil tem perdido a relevância para a China como parceiro comercial, porém, ainda se beneficia do transporte rodoviário que acaba sendo mais barato. Em destaque, há a preocupação, que não é apenas brasileira, mas é global, de que a Argentina dê calote nas dívidas comerciais", analisa.
Com fatia de 4,6% das exportações nos sete primeiros meses do ano, o país vizinho é o terceiro principal destino dos produtos brasileiros. Os dados mostram que o período atual tem beneficiado a exportação nacional, mesmo que o "Brasil tenha que se preocupar com a liquidez, com estrutura de garantia para que não haja problema de crédito", segundo Damasceno.
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Aumento de tarifas
A falta de reservas monetárias em dólar, essenciais para as transações correntes da Argentina é o que mais preocupa o Brasil para as exportações de produtos nacionais ao país vizinho. E a desvalorização do peso é crescente. Há dois anos, a cotação do real correspondia a 15 pesos, e, atualmente, a moeda brasileira vale 26,7 pesos.
Damasceno, do Ibef-SP, explica que os índices do país têm sido os piores do mundo, é muito difícil ter um credor sem uma reestruturação política e financeira. Além disso, a baixa estabilidade econômica do país não é o único fator que dificulta as exportações para a Argentina.
Para evitar a saída de dólares americanos do país, o governo de Fernández vem aumentando as tarifas de importação de produtos de países como China e EUA, mas também das nações que compõem o Mercosul.
Embora a medida tenha como objetivo aumentar a arrecadação do governo, o consultor de comércio exterior da BMJ Consultores Associados, Josemar Franco, explica que isso tem aumentado ainda mais o descontentamento de empresários argentinos que exportam para o país vizinho.
"O intuito do Mercosul é facilitar o comércio entre seus membros e, principalmente, ter em mente que é um Mercado Comum. Então, não é apenas uma área de livre comércio. Existe um nível maior de integração. É por isso que Paraguai, Uruguai e Brasil têm questionado a Argentina em relação à aplicação dessas medidas, porque tem dificultado o comércio entre os países do bloco", afirma.
Desde 2018, o governo brasileiro, do então presidente Michel Temer (MDB), e o governo argentino, de Maurício Macri, planejavam uma reestruturação do Mercosul, com uma revisão da Tarifa Externa Comum (TEC), a fim de possibilitar uma abertura maior do bloco com outras nações estrangeiras, como os tigres asiáticos e a União Europeia.
No entanto, com a eleição do atual presidente de esquerda Alberto Fernández, em 2019, as divergências entre Brasil e Argentina só aumentaram. Com as eleições brasileiras se aproximando, as incertezas só aumentam em relação ao futuro do Mercosul. Caso o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) — que lidera atualmente as pesquisas de intenção de voto — assuma o Palácio do Planalto em janeiro de 2023, a dúvida é se ele seguirá uma linha mais protecionista ou se assumirá uma postura um pouco mais liberal.
*Estagiários sob a supervisão de Rosana Hessel
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