O número de famílias endividadas atingiu 79% do total em agosto, segundo os dados da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), realizada mensalmente pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). O indicador subiu 1 ponto percentual ante o mês anterior e avançou 6,1 pontos quando comparado ao mesmo período do ano passado. A inadimplência, por sua vez, bateu novo recorde, atingindo 29,6% do total de famílias no país. Além disso, do total de inadimplentes, 10,8% afirmaram que não terão condições de pagar contas atrasadas.
O indicador de endividamento da CNC considera dívidas a vencer no cheque pré-datado, cartão de crédito, cheque especial, carnê de loja, crédito consignado, empréstimo pessoal, prestação de carro e de casa. A aceleração do endividamento em agosto foi semelhante nas duas faixas de renda pesquisadas. No entanto, a alta da contratação de dívidas foi mais expressiva para as famílias com rendimentos de até 10 salários mínimos.
"A melhora no mercado de trabalho e as políticas de transferência de renda mais robustas têm favorecido os rendimentos das famílias nas faixas mais baixas, mas a inflação em nível ainda elevado desafia o poder de compra desses consumidores. Desse modo, o crédito tem sido uma forma importante para eles sustentarem o consumo", observou a economista da CNC responsável pela pesquisa, Izis Ferreira.
Um dos destaques da pesquisa foi o crescimento do número de famílias com dívidas em lojas de varejo, que atingiu 19,4% em agosto. A alta foi de 0,5 ponto percentual em relação a julho e de 1,2 ponto ante agosto do ano passado. A alta do indicador é explicada pela procura pelo crédito direto no varejo pelas famílias de menor renda. Nos últimos quatro meses, o endividamento nos carnês para esse grupo cresceu 1,8 pontos, alcançando 19,8%.
Segundo a CNC, o crescimento dessa modalidade acontece porque as famílias estão buscando alternativas de crédito mais baratas por conta da elevação dos juros. A maior proporção de endividados em carnês do varejo no último quadrimestre acontece na esteira da redução 3,2 pontos do endividamento no cartão de crédito, que foi o tipo de dívida com a segunda maior alta dos juros médios em um ano. Ambas as modalidades têm forte associação ao consumo no comércio.
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Armadilha
A coordenadora administrativa Fátima Soares, de 56 anos, é uma das consumidoras que possuem cartão de crédito em uma loja de vestuário. Ela faz compras todo mês com o cartão e sempre procura parcelar em, no máximo, cinco vezes, para não deixar de pagar as prestações. "Fiz o cartão mais por causa da facilidade e da proximidade que eu tenho com a loja. Eu sou um pouco consumista. Então se eu não mantiver o controle, todo o mês eu compro uma peça e a coisa vai se prolongando, vai virando uma bola de neve", contou.
Mesmo possuindo vantagens em relação ao cartão do banco, o cartão de crédito utilizado em apenas uma loja pode ser uma armadilha para quem não costuma controlar bem os gastos. "A loja não está dando aquele benefício simplesmente por dar, eles entendem que estão ganhando ao oferecer o cartão, fazendo com que o consumidor compre e consuma bem mais naquele determinado do que compraria normalmente. Isso, para um consumidor que não tenha tanto autocontrole, acaba se tornando uma armadilha, porque vai acabar gastando bem mais do que gastaria em situações normais", alertou o planejador financeiro pessoal Davi Augusto Rodrigues.
A estudante Michelle Valença, 26 anos, contraiu uma dívida grande após esquecer as parcelas de um cartão de loja de departamento. "Eu realmente não sabia que ainda tinham essas parcelas, é tanta coisa para pagar normalmente que eu me esqueci completamente desse cartão. Quando eu fui ver meu nome já estava sujo e eu não fazia ideia", contou.
Juro não cai agora
O presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, afirmou que o Brasil terá três meses consecutivos de deflação, mas que a batalha contra a carestia não está ganha. Segundo ele, o BC não pensa em queda de juros neste momento, mas sim em finalizar o trabalho de convergência da inflação para as metas. As declarações foram feitas durante o evento do jornal Valor Econômico, em São Paulo.
Segundo Campos Neto, como o Brasil iniciou a alta de juros antes das demais economias do mundo, há uma expectativa do mercado de que o trabalho está feito e de que os juros devem começar a cair.
"A gente tem comunicado que não pensa em queda de juros, mas finalizar o trabalho, que significa convergir a inflação (para a meta). A inflação teve alguma melhora recente por medidas do governo. Tem uma outra melhora que vem acompanhada disso, mas há um elemento de preocupação grande. Vamos passar por três meses de deflação, mas a batalha não está ganha", disse.
O presidente do BC ainda afirmou que os governos das maiores economias do mundo têm adotado medidas para compensar o aumento da inflação de várias formas, com gastos entre 1,5% e 2% do PIB. "A principal pergunta hoje é se inflação vai continuar alta com desaceleração econômica no mundo. Os ativos podem sofrer uma reprecificação com Fed e com desaceleração global", disse.
*Estagiário sob a supervisão de Odail Figueiredo
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