Atendendo a pedidos de entidades do setor, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso suspendeu a exigência da Lei nº 14.314/2022, que cria o piso nacional da enfermagem de
R$ 4.750, e deu prazo de 60 dias para que União e outros entes públicos e privados se manifestem no processo. Barroso vai solicitar ao presidente da Corte, Luiz Fux, a inclusão do assunto na pauta do plenário para análise de todos os colegas. A decisão vale até que sejam analisados dados detalhados sobre o impacto financeiro para os atendimentos e os riscos de demissões diante da implementação do piso.
A suspensão partiu de ação apresentada pela Confederação Nacional de Saúde, Hospitais e Estabelecimentos e Serviços (CNSaúde), que defende que o piso é insustentável. Diante dos dados apresentados na ação, o magistrado avaliou que há risco concreto de piora na prestação do serviço de saúde, principalmente nos hospitais públicos, Santas Casas e hospitais ligados ao Sistema Único de Saúde (SUS).
De acordo com o ministro, é necessário avaliar como fica o quadro de empregabilidade na área com a nova lei. Além disso, Barroso entendeu que a mudança pode gerar problemas financeiros nos estados, além de haver risco de fechamento de leitos por falta de pessoal. Em seu entendimento, os poderes Legislativo e Executivo não tomaram as providências para que o piso salarial fosse aplicado.
"No fundo, afigura-se plausível o argumento de que o Legislativo aprovou o projeto e o Executivo o sancionou sem cuidarem das providências que viabilizariam a sua execução, como, por exemplo, o aumento da tabela de reembolso do SUS à rede conveniada. Nessa hipótese, teriam querido ter o bônus da benesse sem o ônus do aumento das próprias despesas, terceirizando a conta", disse Barroso.
A lei, sancionada há cerca de um mês pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), prevê piso de enfermeiros em R$ 4.750; 75% desse valor para técnicos de enfermagem e 50% para auxiliares de enfermagem e parteiras. Os valores começariam a valer a partir de hoje. O principal impacto seria no pagamento dos técnicos, considerando que parcela significativa dos enfermeiros já recebem mais de R$ 4 mil. No país, a estimativa é de um custo anual de R$ 16 bilhões. Alguns gestores de hospitais privados e filantrópicos anunciaram a suspensão dos contratos com o SUS.
Na última semana, entidades que representam hospitais e serviços médicos vinham indicando que não iriam dar o reajuste, mesmo sem a concessão, naquele momento, da liminar. "A decisão proferida neste domingo concede segurança jurídica, ao menos por enquanto, à decisão de não reajustar o piso da categoria. Nos próximos dias espera-se que a decisão seja levada ao Plenário da Corte", disse Priscila Moreira, advogada especialista em Direito do Trabalho do escritório Abe Advogados.
Nos próximos dias, a decisão, que é individual, será levada para análise dos demais magistrados do Supremo no plenário virtual. O Ministério do Trabalho e a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) também terão que informar detalhadamente sobre os riscos de demissões, e o Ministério da Saúde terá que dar explicações sobre possíveis fechamentos de leitos e redução nos quadros de enfermeiros e técnicos.
A advogada trabalhista e sócia do escritório Orizzo Marques Advogados, Ursula Cohim Mauro, alertou que, enquanto o STF não dá sua decisão final, é importante, ainda, que as empresas privadas do setor providenciem os valores referentes ao excedente da remuneração prevista na lei, para evitarem serem pegas de surpresa. "Porque se essa for a decisão do Supremo, os efeitos retroagem à data da promulgação da lei, que foi em 4 de agosto. Então, essa diferença de salário terá que ser paga retroativamente, isso inclui também 13º, férias e FGTS", explicou.
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Consenso
Entidades representativas de hospitais, santas casas, dos municípios e patronais da área de saúde comemoram a suspensão. Em nota, a CNSaúde, que realizou o pedido, afirmou que a decisão de Barroso reconhece que a lei, sem a aprovação das devidas fontes de custeio, representaria uma ameaça à situação financeira dos estados e municípios, aos empregos da enfermagem e à qualidade dos serviços de saúde.
"A lei causaria, ainda, de imediato, o fechamento de vários serviços de saúde, como hospitais filantrópicos, clínicas de diálise e de cuidados de idosos por todo o Brasil, além de pequenos hospitais privados, levando ao desemprego e à desassistência, principalmente aos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS). A Lei traria, por fim, um enorme impacto nas finanças e nos sistemas previdenciários dos municípios e dos estados", diz a nota.
Os Conselhos de Enfermagem informaram trabalhar para um consenso que viabilize a derrubada da liminar no STF. Os Conselhos Federal e Regionais de Enfermagem (Cofen/Coren) se manifestaram em nota conjunta, criticando a decisão, que segundo as entidades só atende a conveniência da classe empresarial, que não quer pagar valores justos aos serviços prestados.
"A decisão liminar do ministro Barroso considera o risco de inviabilidade de implementação do piso salarial, sob o ponto de vista puramente orçamentário e sob a falsa alegação unilateral da CNSaúde de que a eficácia da lei põe em risco demissões e falta de leitos, razão pela qual o relator do tema no STF entendeu prudente estabelecer, via liminar, a suspensão da lei para entender os efeitos sistêmicos da mudança legal, antes da entrada em vigor", disseram os conselhos.
Ainda segundo os conselhos de enfermagem, todos os estudos de impactos orçamentários foram devidamente apresentados e debatidos com todos os entes da União, estados e municípios, junto ao Congresso Nacional, com análise técnica.
"Tomaremos as devidas providências para reverter esta decisão junto ao Plenário do STF, corrigindo esse equívoco na deliberação do ministro Barroso, fundada nas versões dos economicamente interessados, pois a eficácia do piso é precedida de estudo de viabilidade orçamentária e de nenhum risco de demissões de profissionais ou risco de prejuízo ao sistema de saúde do país. Ademais, esperamos ver deferido pelo ministro Barroso o pedido de amicus curiae que ingressamos, para que possamos mais uma vez defender a constitucionalidade e a viabilidade da lei", acrescentou a nota.
Em um vídeo, a coordenadora do Fórum Nacional da Enfermagem, Líbia Bellusci, falou sobre a possibilidade de paralisação e greve após a medida. "Se for necessário paralisação, terá. Se for necessário greve, terá", afirmou. "Não será o STF que vai desqualificar e desconhecer a necessidade de um piso salarial digno."
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